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Mutiladas

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Umha sen­tença sem pre­ce­den­tes na Europa au­to­riza umha nai de Terrassa (Catalunha) a ex­tir­par o útero da sua fi­lha de 15 anos. A moça, di­ag­nos­ti­cada de au­tismo, “perde o con­trolo” cada vez que tem a mens­tru­a­çom: berra e chora por­que nom en­tende o que lhe passa e deixa todo per­dido de san­gue cando quita o cu­eiro que lhe po­nhem. Assim que a so­lu­çom en­con­trada por umha cheia de pes­soas ‘ca­pa­ci­ta­das’ pe­rante um caso como este é pra­ti­car umha his­te­rec­to­mia: mu­ti­lar-lhe o corpo.

Esta bru­ta­li­dade será pos­sí­vel por­que a nai con­ven­ceu um juiz de que isto é o me­lhor para a sua fi­lha. Obviamente, nom o fijo soa: con­tou com o apoio de umha ad­vo­gada (ex-con­ce­lheira da an­tiga Convergència) e dous in­for­mes fa­vo­rá­veis (um de­les, do co­mité de ética) do cen­tro de saúde pri­vado Hospital Mútua de Terrassa. Um exem­plo ní­tido de como pa­tri­ar­cado e ca­pi­ta­lismo se aliam para con­se­guir o con­trolo dos nos­sos corpos.

mar­cella briotto

Nom passo por alto que de­trás desta his­tó­ria há pes­soas que so­frem. Sei que a nai, quem as­sume o tra­ba­lho de cui­da­dos desde há 15 anos, quer o me­lhor para a sua fi­lha e que acom­pa­nhar a nena nos di­ver­sos âm­bi­tos da sua vida, in­clu­sive quando os sin­to­mas do ci­clo mens­trual apa­re­cem, deve ser um enorme de­sa­fio. Sei que nom fago ideia do que sente e so­fre esta moça. Que há mui­tís­si­mas do­res e de­ses­pe­ran­ças que nem ima­gino. Agora bem, se algo te­nho claro, se al­gumha cousa apren­dim dos fe­mi­nis­mos, é que mu­ti­lar os nos­sos cor­pos é um ca­pí­tulo es­pe­cí­fico das vi­o­lên­cias que o pa­tri­ar­cado exerce con­tra as mulheres.

A mu­ti­la­çom do clí­to­ris como me­ca­nismo de con­trolo da nossa se­xu­a­li­dade para evi­tar ser­mos adúl­te­ras, pros­ti­tu­tas e les­bi­a­nas. A ex­tir­pa­çom do clí­to­ris como mé­todo para cu­rar a epi­lep­sia, a “his­te­ria” e ou­tro tipo de do­en­ças neu­ro­ló­gi­cas re­la­ci­o­na­das com os há­bi­tos de mas­tur­ba­çom. A eli­mi­na­çom da parte ex­terna da vulva para evi­tar a má sorte, a lou­cura ou a in­fer­ti­li­dade. A ex­tir­pa­çom da prós­tata para aca­bar com as de­sa­pro­pri­a­das eja­cu­la­çoms fe­mi­ni­nas. A es­te­ri­li­za­çom das mu­lhe­res po­bres e in­dí­ge­nas para que nom se re­pro­du­zam. A mu­ti­la­çom do corpo em nome da be­leza… E un de­no­mi­na­dor co­mum nesta lista de exem­plos de bar­bá­rie que se dam e se dé­rom em todo o mundo, tam­bém em Europa: a nor­ma­li­za­çom da vi­o­lên­cia con­tra os nos­sos cor­pos ca­mu­flada de prá­tica ne­ces­sá­ria para o nosso bem-estar.

As his­te­rec­to­mias tam­bém for­mam parte desta lista. No Estado es­pa­nhol, a ex­tir­pa­çom do útero é umha das in­ter­ven­çoms gi­ne­co­ló­gi­cas mais ha­bi­tu­ais e as crí­ti­cas pola enorme pre­va­lên­cia desta prá­tica, aqui e em todo o mundo, dam-se den­tro e fora dos hos­pi­tais. Em te­o­ria, es­tes ti­pos de in­ter­ven­çons pra­ti­cam-se, prin­ci­pal­mente, em ca­sos de can­cro ute­rino e de tu­mo­res be­nig­nos que pro­vo­cam for­tes do­res e he­mor­ra­gias. Mais a prá­tica, que nom está vi­si­bi­li­zada em es­ta­tís­ti­cas nem em da­dos aces­sí­veis, é ou­tra. As con­sequên­cias, do­lo­ro­sas e silenciadas.

O caso da nena de Terrasa, a faísca que im­pul­sou este ar­tigo, é com­plexo. Falar de pes­soas com di­ver­si­dade fun­ci­o­nal, e mais cando som me­no­res e mu­lhe­res, re­quere cui­dado e em­pa­tia; exige nom cair na vi­ti­mi­za­çom cons­tante nem na jus­ti­fi­ca­çom da tu­te­la­gem a qual­quer preço. Mais é nessa ten­ta­tiva de equi­lí­brio que me ar­re­pia fun­da­mente que um juiz te­nha sen­tado ju­ris­pru­dên­cia au­to­ri­zando umha his­te­rec­to­mia a umha me­nor sem pro­ble­mas no útero ba­se­ando-se nos ‘sa­be­res’ das ins­ti­tui­çons mé­di­cas que nos mal­tra­tá­rom his­to­ri­ca­mente e na de­ses­pe­ra­çom de umha nai que as­sume soa, como é man­dato, o tra­ba­lho de cuidados.

Horroriza-me por­que esta sen­tença nor­ma­liza a es­te­ri­li­za­çom de umha nena. No Estado es­pa­nhol, esta prá­tica está des­pe­na­li­zada quando é “acor­dada por um ór­gao ju­di­cial no caso de pes­soas que de forma per­ma­nente nom po­dam pres­tar em modo nen­gum o con­sen­ti­mento”, se­gundo es­ta­be­lece o Código Penal. Mais tam­bém é certo que a es­te­ri­li­za­çom for­çada é con­tra­ria à Convençom dos Direitos das Pessoas com Discapacidade que ra­ti­fi­cou o Reino de Espanha em 2008 e na qual acor­dou, atra­vés do ar­tigo 23, que “as pes­soas com dis­ca­pa­ci­dade, in­clu­sive as cri­an­ças, man­te­nham a sua fer­ti­li­dade, em igual­dade de con­di­çons com os demais”.

Estarrece-me o caso por­que se uti­li­zou o es­tigma da mens­tru­a­çom para con­sen­tir a ex­tir­pa­çom de um útero sau­dá­vel. Nesta so­ci­e­dade que ig­nora vo­lun­ta­ri­a­mente o feito de que as mu­lhe­res te­mos um ci­clo mens­trual e que po­ten­cia a ideia de que a mens­tru­a­çom é algo sú­cio e ver­go­nhoso que deve es­con­der-se, umha mens­tru­a­çom bo­tada por fora con­ver­teu-se em algo in­su­por­tá­vel so­bre o que in­ter­vir ju­di­ci­al­mente. Garantir os di­rei­tos se­xu­ais e re­pro­du­ti­vos de to­das as mu­lhe­res nom é umha op­çom; é umha obriga. Nesta luita eman­ci­pa­dora nom pode ha­ver nem ex­ce­çons nem mais cor­pos mutilados.

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