Periódico galego de informaçom crítica

Ninguém quer dançar na casa de ninguém 

por
as­trid babayan

Provavelmente, um dos exer­cí­cios que me re­sul­tam mais gra­tos quando vi­ajo é ten­tar cap­tar a sin­to­nia das ci­da­des quando chego, ser cons­ci­ente do es­pe­tá­culo ao que (ainda) nom per­tenço, do ca­mi­nho em que ainda ando com pas­sos desastrados. 

A co­re­o­gra­fia da ci­dade, claro, pede umha es­treita ob­ser­va­çom, pede que fi­que­mos ató­ni­tas pe­rante a sua dança: acho que muito pou­cas ve­zes fi­ca­mos já di­ante de nada ató­ni­tas. E as­sim, pede tam­bém ob­ser­var com em­pa­tia os lu­ga­res que po­de­riam che­gar a ser nos­sos, e por­tanto a ser nós (tal­vez por isso o pri­meiro que pro­curo em to­das as ci­da­des seja as suas li­vra­rias). Entrar na ci­dade exige a hu­mil­dade de umha con­vi­dada: os sa­pa­tos na en­trada, o ca­mi­nhar de­va­gar, o si­lên­cio. É ela quem tem que abrir a porta, quem tem que mos­trar-nos a co­zi­nha, quem nos mos­tra os cor­re­do­res com­pri­dos, os quar­tos das cri­an­ças, o re­canto li­vre na la­reira. É pro­vá­vel que pri­meiro nos ache­gue­mos tí­mi­das, como nos ache­ga­mos ao tor­reiro as que nom sa­be­mos bai­lar, que con­ti­nu­e­mos a olhar mais do que fa­zendo, que nos sin­ta­mos in­tru­sas ao in­tro­du­zir o pé. Pouco a pouco, se as­sim que­re­mos, va­mos en­con­trando tam­bém a nossa dança, os lu­ga­res den­tro do lu­gar; pas­sa­mos a fa­zer parte, sem querê-lo, da fo­li­ada imensa que é umha ci­dade em mo­vi­mento. Podemos di­zer, en­tom, que a ci­dade acei­tou par­ti­lhar casa, que en­tra­mos nela com as bo­tas cheias de lama; que se ca­lhar, tam­bém é nossa. 

Regresso a Compostela e per­gunto-me o que fica das ci­da­des quando se ex­ter­mina o ritmo, quando já nin­guém abre a porta da casa por­que nom há casa, por­que nen­gum lu­gar de passo é umha casa (as­sim como nen­gum ponto se apre­ende sem per­se­ve­rân­cia). por­que ainda que fi­que vi­venda em pé, a casa já é a casa de nin­guém. O que fica quando já nen­gumha ci­dade soa a nada por­que to­das soam ao mesmo, como as sin­to­nias na­ta­lí­cias dos cen­tros comerciais. 

Regresso a Compostela e per­gunto-me o que fica das ci­da­des quando se ex­ter­mina o ritmo, quando já nin­guém abre a porta da casa por­que nom há casa

A ci­dade vi­bra a um tom por­que pro­vo­ca­mos nós esse vi­brato com a nossa dança im­per­feita de con­junto, com a nossa tris­teza, por ve­zes, e o nosso en­tu­si­asmo ou­tras, com essa forma de imi­tar as cou­sas das de­mais ao nosso jeito que con­firma que algo já é ine­vi­ta­vel­mente nosso: como fa­ze­mos, claro, com to­das as ge­ne­a­lo­gias. Assim os olha­res fo­rá­neos con­tem­plam o ritmo da ci­dade, às ve­zes, desde a bar­reira, ou­tras com a von­tade ar­dente de bailá-lo no agarrado. 

A ci­dade é por­que nós so­mos nela, por­que de­ci­di­mos acei­tar a re­la­çom en­tre esse lu­gar que nos ha­bita e como nós o ha­bi­ta­mos: por­que fa­ze­mos dela afe­tos, frus­tra­çons, agoi­ros, es­pe­ran­ças. Porque som as suas ha­bi­tan­tes, com as suas vi­das ofe­re­ci­das, as que ar­mam a fo­li­ada, e as­sim apre­en­de­mos a ci­dade: com a pa­ci­ên­cia com a que se apre­ende qual­quer dança; com a que se apre­en­dem tam­bém os seus ba­ru­lhos, os seus de­fei­tos e as suas ca­rên­cias, que as tem. Porque que­re­mos en­trar no baile e lem­brar o som aquele que lhe é ao baile único, por­que nom há forma de co­piar a in­ge­nui­dade de mui­tas vi­das jun­tas que im­pro­vi­sam um fo­liom. Porque ape­nas se pode per­ten­cer a um or­ga­nismo vivo. Porque nin­guém quer dan­çar na casa de ninguém. 

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