Ninguém sem Cuidados (NsC) é umha iniciativa de apoio mútuo surgida na cidade de Compostela ao longo dos passados meses. Porém, ademais de configurar-se como um grupo que dá suporte concreto perante esta situaçom de exceçom, NsC tem o firme propósito de ir além da casuística e colocar os cuidados no centro. Falamos com es sues ativistes.
Que é Ninguém sem Cuidados? Quando e como nasce este coletivo?
Ninguém sem cuidados é umha iniciativa que surgiu de pessoas organizadas nos transfeminismos autónomos de Compostela. Levamos um tempo longo juntes reflexionando visibilizando e artelhando propostas à volta do tema dos cuidados, entendendo-os como todas as tarefas dirigidas à satisfaçom de necessidades materiais, afetivas, relacionais e comunitárias. Trabalhos que historicamente recaírom em pessoas lindas como as mulheres, que som desvalorizados social e economicamente, conformam, contodo, o suporte da vida e da sociedade, como pudemos ver nestes momentos de excecionalidade. Ao dar-se esta situaçom, decidimos ativarmo-nos ainda mais para acompanhar-nos, apoiar as necessidades de outres e tecer comunidade.
Há algum perfil (etário, étnico, etc.) de pessoa que se achegue mais a este coletivo ou sodes um grupo heterogéneo?
Esta pergunta requer um matiz. Ninguém sem Cuidados, diferente de outros grupos de apoio mútuo que surgírom durante a declaraçom do estado de alarme, nasce com a vontade de trabalhar na interdependência e de rachar com umha relaçom de poder entre quem cuida e quem recebe cuidados. Foi importante para nós chegarmos à conclusom de que nom queríamos adotar umha prática assistencial, mas tecer laços comunitários desde a proximidade e partindo do conhecimento da vizinhança e dos recursos que temos no grupo. Também foi importante para nós assumir que a gente que integra o grupo precisávamos e seguimos a necessitar cuidados, porque é algo que nos atravessa a todos os seres humanos.
“NsC nasce com a vontade de trabalhar na interdependência e de rachar com umha relaçom de poder entre quem cuida e quem recebe cuidados”
De modo que nos organizamos para tratar de atender as demandas de cuidado da pessoas do grupo, que é menos diverso do que gostaríamos (e isso é algo em que queremos seguir trabalhando), mas também buscamos dar respostas às necessidades que nos vam chegando, como o acompanhamento e denúncia da desatençom em Serviços Sociais, a rede de distribuiçom de alimentos para famílias vulneráveis que organizamos durante umhas semanas no confinamento ou a criaçom dum grupo de WhatsApp para partilhar ofertas e apoiarmo-nos no arranjo de emprego.
Achades que neste momento, após o impacto da covid19, afiançará-se a importância dos cuidados na comunidade ou que, pola contra, a sociedade virará as costas aes mais vulneráveis e tornará-se mais individualista?
A pandemia deixa ao descoberto algo de que alguns feminismos levamos tempo falando e que é a necessidade de situar a vida no centro e a importância dos cuidados. Também demonstra a precariedade na qual estamos a viver muites de nós. É necessário denunciar que a maior parte dos programas dirigidos a atender demandas de cuidados geram lucro a multinacionais como Clece, Eulen e Ferrovial, entre outras. Também chama a atençom que com a pandemia se reivindicasse a importância da saúde e da educaçom como serviços públicos, mas que se falasse pouco dos serviços sociais. Acreditamos que é importante que o vivido no período de pandemia nos leve a reivindicar a importância de políticas de cuidados bem estruturadas e dotadas de serviços públicos verdadeiramente universais, de qualidade e adaptados às necessidades das pessoas, que tenham em conta as especificidades de diferentes coletivos. Também que se faga caso das demandas dos coletivos mais atravessados pola crise como a de regularizaçom urgente de todas as pessoas migrantes em situaçom irregular ou conseguir para as trabalhadoras do lar e dos cuidados plenos direitos laborais. Também gerar propostas comunitárias de cuidados é um desafio que desde os (trans)feminismos precisamos assumir já: passar do discurso à incidência e à criaçom de propostas que materializem o suposto de “a vida no centro” a alternativas concretas.
“Ninguém perde com a libertaçom e com o empoderamento de ninguém, e nom queremos privilégios, mas direitos. Para todes”
Nom fai falta mais que dar umha vista de olhos às vossas redes para ver que estades mui comprometides com o resto de ativismos de base da cidade (de bairro, antirracistas, etc.). Como entendedes a relaçom entre luitas?
A questom da intersecionalidade, da relaçom de interdependência entre luitas (como a antirracista e migrante, transfeminista, polos direitos das trabalhadoras domésticas, polo direito à habitaçom, etc.) é fundamental como compasso no nosso ativismo. Ficaria mui bem dizer só que a interseccionalidade é o nosso compasso, mas a verdade é que presumir de interseccionalidade sem confessar que falhamos diariamente, e que a cada dia excluímos luitas porque nem sequer somos capazes de enxergá-las, seria desonesto. Mesmo fracassando, sabemos que esse é o caminho. Sabemos que em todas as luitas cada umhe ocupa um rol simbólico e, portanto, tem responsabilidade. Sabemos também que ninguém perde com a libertaçom e com o empoderamento de ninguém, e nom queremos privilégios, mas direitos. Para todes. E queremos umha “pele” coletiva que nos importe tanto como a nossa individual.
Como vedes o futuro de NsC a meio prazo? Algumha atividade que poidades adiantar?
Para já, o plano é reativar-nos em setembro. A meio prazo queremos achegar-nos e fortalecer laços com outros coletivos de Compostela seguindo essa lógica da interseccionalidade. Pensamos que umha cidade onde os diferentes coletivos estám em contacto e se apoiam é umha cidade em que a sensaçom de comunidade é mais forte e as luitas menos individualizadas.
Pensamos fazer umha comida partilhada cada mês, para fortalecer os laços no grupo e receber novas pessoas que queiram integrá-lo. Cozinhar e comer também podem ser atividades políticas.