Lara Barros Alfaro é historiadora de formaçom, e natural de Mondariz. Assim que terminou o seu trabalho final de curso sobre os montes vicinais da Groba, em Oia, começou o seu projeto, Mulime. Mulime di respeito a tudo o que se apanhava no monte para fazer o estrume, para fertilizar a terra. A ideia deste projeto é «apanhar a memória para fertilizar as comunidades, a sua identidade».
Como bota a andar Mulime?
Num momento de mudança na minha vida, através de umha colega que estava a fazer a tese, aconteceu-me vir a ter a possibilidade de trabalhar numha comunidade de montes. Os seus membros mantinham um conflito com outra paróquia, e procuravam alguém que figesse umha investigaçom histórica e documental, sobre as delimitaçons dos seus terrenos. Há comunidades que precisam de definir o seu território, mas também recuperarem o seu acervo documental, aquilo que dá molde à sua história.
Achas que esta necessidade tenha a ver com umha rutura da memória geracional dos montes?
Há muitas comunidades distintas, mas, por vezes, acontece, sim. A agência fundamental das comunidades de montes em mao comum tem a ver com a sua existência imemorial. E a essência legal destas comunidades é o direito consuetudinário; do uso e do costume. Este direito foi sempre registado através da memória oral e da transmissom oral. Eu tenho topado documentaçom em que se explica que, quando se realizava um deslinde e se punham os marcos, iam ao ato vizinhos e vizinhas, e levavam crianças de doze anos como jeito de firmar as memórias vindouras. Parece-me um exemplo do que estamos a falar. Em certo momento, essa transmissom geracional quebra-se. E, efetivamente, nessa rutura ocorre umha perda de memória, umha perda de referência dos topónimos, de onde se situam. Por vezes, acontece que na documentaçom histórica se fai referência a um topónimo que a gente nom consegue localizar. Dá-se umha perda. Assim, o labor de recuperaçom da história do monte é interessante que surja acompanhado doutro de recuperaçom da microtoponímia. É um trabalho urgente, cada vez que morre umha pessoa idosa morrem topónimos com ela. E essa é umha forma fundamental de nos identificarmos e de nos relacionarmos com o território.
Nessa vertente histórica do teu trabalho, que organizaçons sociais encontraste por trás dos montes comunais?
Existe um sistema de governança que está pouco estudado, porque há pouca documentaçom, esse sistema som os concelhos de aldeia, os concelhos abertos. Grupos de gente que habitavam umha zona. Podiam organizar-se por aldeias, lugares, paróquias, ou mesmo conjunto de paróquias. A voz do concelho debatia sobre o que era comum e coletivo. Na altura, quase tudo era coletivo, a rega, a sementeira… e a organizaçom do uso e aproveitamento dos montes comunais. Era umha instituiçom que tinha peso. A pouca documentaçom que existe fala de como estabelecia ordenanças. Tinha capacidade legislativa e executiva. Dela saíam cargos, pessoas responsáveis pola sua implementaçom. Existia ainda um sistema judicial, com sistemas de controlo, de vigilância e de sançom. Era um governo de todos e todas os vizinhos. Temos figuras do século XX, que daí provêm, e que lembramos. Por exemplo, a figura dos alcaides pedâneos, os alcaides de bairro ou de aldeia. Também o sistema de justiça próprio, a justiça rústica, que se fazia entre iguais. Umha espécie de sistema de mediaçom. Algumhas pessoas da contorna, de sítios vizinhos, também labregas, facilitavam que em caso de conflito se figessem concórdias. Na documentaçom escrita aparece com o nome de hombres buenos.
Como mudam estas figuras com o passar do tempo?
Atualmente, aquilo que resta de tudo isso, som os montes vicinais em mao comum. umha comunidade que habita um território concreto e que é soberana nesse território. Daí a sua potencialidade para poder governarmo-nos doutras maneiras, doutras formas. Mais coletivas, mais baseadas na colaboraçom, na mediaçom.
Que nos podem ensinar estas experiências sobre o aproveitamento sustentável do monte?
Som umha ferramenta de gestom do território coletiva, com vocaçom democrática e assemblear. Em teoria, polo menos. Som umha ferramenta de gestom do território que abrange muitos hectares na Galiza. Há sobre duas mil oitocentas comunidades reconhecidas a dia de hoje. Mais de setecentos mil hectares de território. No que toca à governança do território, as comunidades de montes som umha ferramenta imprescindível.
Quais som as dificuldades atuais na hora de organizar montes em mao comum?
Na prática, o sentido de comunidade está ferido. Cumpre é reconstrui-lo. Há comunidades em que a junta diretiva é composta por três ou quatro pessoas, que se juntam umha vez por ano e tomam todas as decisons. Dantes, o monte era o eixo do território, para fertilizar a terra, para a lenha… o monte era necessário. E umha responsabilidade sobre a sua sustentabilidade. Esta relaçom quebra-se, desaparece com a reforma agrária. Hoje muitas comunidades de montes empregam o território para a exploraçom florestal. A mudança foi promovida a partir do Corpo de Engenheiros de Montes e trunfa com o Franquismo. Mais à frente conseguiu-se a devoluçom da propriedade às comunidades de montes, mas o modelo produtivo nom mudou. Já estava a ser implementado e, frequentemente, as comunidades de montes nom contam com recursos ou força para mudar o rumo. Estaria bem que nas comunidades se abrisse esse debate: que uso produtivo lhe queremos dar ao monte? Na Galiza temos muita falta de superfície agrária com muito monte eucaliptizado. Gostava de que nos déssemos ao debate, porque há muitos debates produtivos, mesmo que a Junta e outros poderes promovam apenas o florestal.
Há na atualidade distintas experiências, como a do monte vicinal de Rois, onde se plantárom castanheiros e se criam porcos celtas. Vam surgindo novas iniciativas.
Sim, como dixem acima, há muitos tipos de comunidades. Nalgumas começa a entrar gente nova, há relevo geracional. As mentalidades começam a mudar. Também entram mulheres nas assembleias, nas juntas diretivas… verificam-se mudanças também nesse sentido, porque o mundo das comunidades de montes era um mundo mui masculinizado. Esse é o caminho. Temos umha ferramenta entre as maos que é importantíssima em termos de soberania. Pode-se fazer muita cousa a nível de base através das comunidades de montes.