Alberto Insua, prolífico autor de literatura popular que se destacou entre os sicalípticos e no jornalismo madrileno anterior à última guerra civil, deixou nos anos 50 do século passado três interessantes volumes de memorias.
Filho adotivo daquele famoso Waldo A. Insua que alinhou entre os regionalistas primeiros e foi jornalista, diretor de jornais; fundador do Centro Galego e figura central no mundo galego cubano e madrileno. Manuel Murguia figurou entre as amizades e conhecidos paternos, sendo presença constante, nomeadamente depois do retorno da família, após a independência cubana (contra a que combateria jornalisticamente o seu pai) e antes de se estabelecerem em Madrid.
Qualquer escrita do eu, literarizada ou pretensamente objetiva, é sempre uma fonte para ilustrar a história. Senão de testemunhos verdadeiros ou de factos acontecidos – que a memória é falsa e interesseira e disto bem sabem mais os juízes e psiquiatras do que os historiadores — quando menos para percebermos a sensação, o tom que fica na memória de quem as conta. Evidentemente a narrativa a posteriori sempre é recriação e mistura leituras e saudades, mas sempre tem um ponto de interesse, pois é de facto interpretação com glossa.
“La historia es el hombre”, que também dirá na introdução ao 1º volume de memórias (p. 7). E se sentimentalidades, ódios, amores, amarguras e formações afetam às lembranças e definem a história: Murguia aparece já na sua primeira visita a Santiago (p.27), mas será num extenso capítulo (IX “Segunda presencia de Murguia” p. 82–90) que reúna as lembranças da Crunha e ensino peripatético:
“Recuerdo que solíamos pasear juntos por el Relleno, de la mano, como si su verde vejez y mi infancia todavía tierna se completasen por no sé qué misteriosas razones de temperamento. […]una tarde, como estuviésemos apoyados en unos de los pretiles de la Marina, cara al puerto, recibí de labios de Murguía cierta lección de Historia que me impresionó más que las del catedrático de Historia Universal. Éste era un señor severo, triste para quien la Historia venía a ser como una galería de estatuas solemnes o una necrópolis inmensa con túmulos y mausoleos magníficos y un osario sin fondo. Sus lecciones me daban ganas de llorar. Esto provenía[…] de aquel su modo de hablar, lento y frío, y de su cara enjuta y verdosa, como la de un muerto. […] ¡En cambio Murguía! Murguía era, por decirlo así, un “vivificador” de la Historia. Quizá fueran sus ojitos azules, tan chispeantes bajo los quevedos, su boca sonrosada y sensual y su barbita de gnomo quienes ponían luz y acción en sus palabras. Ello es que, escuchándole, me parecía ver y oir a los personajes y héroes de la historia coruñesa, parte, como todas las historias, de los anales del Universo.”
O périplo continua com detalhes sobre a Armada Invencível e as invasões inglesas, Maria Pita, Drake e os 14.000 soldados de Morris; a retirada inglesa de 1808; a batalha de Elvinha e a morte de Moore com paragem ante o sepulcro para recitar os versos célebres de Rosalia Castro e as palavras de Wellington sobre os inimitáveis soldados do IV exército. O contexto é o da Guerra de Cuba o que filtra na história e na baía reflexões:
“Historia antigua, dirás, lo trágico de la Historia es… que se repite. Vivir es hacer historia. Y esos vapores de los repatriados de Cuba, ¿que representan?, dime. Tal vez el epílogo, el término de nuestro imperio colonial, la puesta de sol de España en América, si no podemos evitar que los yanquis nos ganen la partida: los yanquis, que son los retoños de la temible Inglaterra. En fin, veremos. Tu padre, a pesar de todo, es optimista. Yo no sé qué decirte.”
E completa-se seguindo a lógica do traçado urbano Crunhês:
“fue también en la Ciudad Vieja donde recibí, de labios de Murguía, las primeras nociones de arte arquitectónico. […] ¿Como olvidarme de aquellas lecciones del autor de “el Arte en Santiago” de aquel viejo tan niño (tenía entonces más de setenta años) […] Me encantaba escucharle, seguir el rumbo de sus ojos azules, la indicación de sus manecitas leves y blancas que parecían las de un enano de marfil. ¡Yo ya era más alto que él! Además su risa y su sonrisa… Su risa, cuando al salir de la ciudad por la calle de Tabernas, deteníase ante cierta mansión y exclamaba: “¡Allí vive ella, cuando no está en Madrid presumiendo de reina de la literatura, o en su pazo de Meirás, figurándose que nadie la aventaja en blasones!” […]
Rememoro, en cambio perfectamente que el epílogo de nuestros paseos era siempre el mismo: entrábamos en una confitería de la calle Riego de Agua y consumíamos una bandeja de dulces.”
De volta até a casa explicando a biografia de Porlier, que na altura adjetivava o troço do Cantón onde morava a família, refere-lhe da época de Fernando VII e da política, e termina perguntando: “¿Que os enseñan en el Instituto?”
Talvez seja uma das quebras maiores acontecida com a repressão e construção franquista do Estado: a eliminação da transmissão da história, de jeito familiar, alternativa à institucionalizada
Insua coloca, nessa narrativa de distância irónica mas respeitosa, duas questões chaves para entendermos o atrativo do magistério da figura evocada. A capacidade adaptativa para ganhar a atenção do auditório e o papel ativo concedido ao recetor. E se o late style não deixa de ser sedutor, quem imaginaria Murguia na potência da idade como orador, tertuliano de café ou companheiro de viagem. Depois, está o contraste entre a ideia da História e do historiador que emana dele, tão moderna e presa na realidade sem perder a procura de transcendência, própria talvez do ativista, que rejeita aquilo da “historia como panteão das classes privilegiadas” de Vilfredo Pareto; e no-lo conecta – pelo menos na minha impressão — com Pierre Vilar, Hobsbawm, Josep Fontana, E.W. Said e também com Feijó e Sarmiento.
Mas, para além da história e das grandes personagens: que maravilha sentir de novinho desse acerbo narrativo da história local e coletiva (e Insua não foi o único a desfrutar). Talvez seja uma das quebras maiores acontecida com a repressão e construção franquista do Estado. A eliminação da transmissão da história, de jeito familiar, alternativa à institucionalizada.
Essa transmissão da história é um privilégio ou uma característica de classe, de grupo que se auto-identifica com ela (seja a institucionalizada pelo Estado, seja uma alternativa, nacional ou revolucionária), que entende que esses episódios possuem um valor formativo, um significado, que configuram uma memória coletiva e são uma formação sentimental, associada. Que representam algo, que vai para além de uma sequência de feitos, façanhas e modelos heroicos da crónica e do repertório escolar.