Há pouco saiu à luz o manifesto dumha série de mulheres que formam parte da cultura na França. Nele defendem o direito a importunar para seduzir. Na opiniom deste grupo de intelectuais e artistas, entre as quais figura Cathérine Deneuve ou Ingrid Cavem, a galanteria nom é umha agressom machista.
Do seu ponto de vista ‑infiro deste documento‑, o coqueteio insistente ou torpe reflete um desejo mal gerido. “A violaçom é um crime ‑afirma-se no escrito, que continua-. No entanto o flerteio insistente ou pouco audaz nom é um delito, nem a galanteria umha agressom machista”.
A partir desta frase perguntamo-nos, é importunar um exercício de violência? Elas dizem nom, que é simplesmente umha torpeza dos homens que nom sabem muito bem quando pararem, porque ficam atordoados com umha mulher de que gostam.
Num recente manifesto, umha série de mulheres da cultura na França defendiam o direito a importunar
Torpeza e agressom som sinónimos? De acordo com este texto obviamente nom. De facto, se buscamos “galám” nalgum dicionário veremos que significa –pouco mais ou menos- homem de aspeto agradável, elegante nas formas, que seduze as mulheres. No cinema, por exemplo, fôrom “galáns” Omar Shariff, Gary Cooper, Marlon Brando, Paul Newman, Cary Grant ou Gregory Peck, entre tantos outros. Todos estes atores, bem conhecidos polo seu atrativo físico, desempenhavam nos filmes o papel de sedutores, e, portanto, conquistavam o coraçom das mulheres. Assim é que o termo “galám” é aceite como algo positivo, na medida em que fai referência a um tipo de homem desejável, educado e encantador. O que fai, o que fazia esse “galám” nos filmes? Galantear, isto é, procurar a atençom da mulher com o objetivo de que esta sucumbisse aos seus pretendidos encantos. Que o cine se tenha feito eco dum processo de conquista amorosa deste tipo, contribuiu nom apenas à legitimaçom de atitudes cetreiras, mais a pô-las em valor e integrá-las no status que se considera “sexi”.
Assim, conquistar foi associado ao facto de ir detrás dumha mulher e convencê-la para que se entregasse. Na propria persecuçom se interpretava, ademais, umha ética da resistência por parte do amante. Daquela, tam verdadeiro seria o amor como persistente a sua demanda constante.
No escrito nom se tem conta do galanteio e jogos de seduçom entre pessoas, mas apenas entre homens e mulheres cis
Agora bem, em nengum caso se pensou que nessa procura pertinaz poderia haver desagrado de nengum tipo, porque, obviamente, presumiu-se sempre que a mulher levava dentro um desejo atávico: ser caçada. Na França, cuja capital é considerada a “cidade do amor”, isto da seduçom foi entendido durante anos, por umha parte importante da cidadania francesa, nom só coma umha arte mais também coma um entretimento. Tendo conta desta visom artística e lúdica do exercício da conquista, a persuasom converte-se na parte visível doutra capacidade de que já gostamos menos: a manipulaçom emocional.
Neste ponto, as perguntas nom se fam esperar. Todas as mulheres desejam ser caçadas? E os homens, desfrutam sempre deste labor minucioso, ainda com o seu desgaste? E, muito importante, qual o limite? A verdade é que este tipo de visons da seduçom fam-se bastante râncias, pois em certo modo, sentimos que já nom nos representam. Para já, contempla-se apenas o devandito processo dumha perspetiva heteronormativa. O que acontece com as pessoas que se autodefinem lesbianas, por exemplo? Nom interessa o seu modus operandi, ou é que nom tenhem um determinado e som logo mais livres na expressom dos desejos?
Bom, deixemos estas perguntas aí, no ar, que cada quem procure as respostas às mesmas e continuemos a formular algumha mais para chegar ao fundo desta questom. A ideia é ver o carácter tendencioso deste manifesto.
Umha possível visom do galám
Voltemos logo para a figura do “galám”. Também para a do seu contrário, o “anti-galám”. Se o primeiro é um tipo de aspeto agradável, que tem todas as papeletas para triunfar, o que se passa com o segundo, o feio? Estas mulheres nom contemplam o direito a importunar deste sector amplo de tipos cis que carecem de beleza normativa ‑altos, atléticos, guapos- e que som igualmente, ou mais, molestos na insistência de seu? Se eu fosse um homem cis pouco agraciado, sentiria-me excluído dessa defensa que estas mulheres fam disso de galantear. A verdade é que todo isto da seduçom, tal e como elas a formulam no seu escrito, localiza-se sempre dentro duns parâmetros bem concretos.
De entrada, nom se contempla, insisto, um outro tipo de desejo nom sendo o heterossexual, assim é que nom se tem conta do galanteio e jogos de seduçom entre pessoas, mais apenas entre homens e mulheres cis. Bem, dentro desse marco reducionista, que nom reduzido, estas senhoras francesas desenvolvem um discurso falaz, nom exempto de vitimismo. “Obrigam-nos a falar como cumpre –laiam-se as mui ladinas- a calar o que molesta, e as que rejeitam dobregarem-se a tais ordens som vistas como traidoras, cúmplices” Que as obrigam a falar dumha determinada maneira? Quem as obriga? Ninguém. Caso as obrigassem nom escreveriam este despropósito, em que elas próprias se retratam
A seguir, entre outras glórias, afirmam que estes senhores galáns, estes sedutores empedernidos, som as autênticas vítimas ‑agora sim que sim!- porque eles ‑pobres!- só tocárom umha perna ou quigéom arrincar-lhe um beijo à mulher que arelavam “conseguir”. Ademais, muitos deles, figérom este tipo de “parvadas” há 20 anos ‑infira-se de aqui que o delito prescreveu- e agora vem-se num marrom porque se lhes questiona publicamente. Aí está o caso, por exemplo, do guaperas James Franco, ao que acusam nas redes sociais de “importunar” mulheres de 17 anos.
E eu pergunto-me, assim, por preguntar, este homem cis, bem-parecido e com tantos privilégios, nom é capaz de controlar os seus impulsos e achegar-se a mulheres da sua idade ou mais velhas? Por que tem de “importunar” as menores?
A verdade, o termo “importunar” fai-se difuso. Parece só associável a aqueles pesados que perseveram, porque é essa a única baza que tenhem, e, portanto, nom contempla casos coma este de Franco, que, dado o seu status de privilégio, nom deveria necessitar abafar nengumha mulher, mais si que o fai porque anda detrás de raparigas mui novas, tanto que ainda nem mulheres som… Curioso, verdade?
Tendo conta disto, as perguntas continuam. Se um tipo galám como James Franco, insto é, “altito, guapito y con dinerito”, que pode ter certas facilidades nisto de flirtar, arrisca com umha menor, o que podemos esperar de quem carecem de atrativo físico, estatura e dinheiro? Porám-se mais pesados ainda, fazendo-se “os graciosos” de forma recorrente, por exemplo, numha tentativa de chamar a atençom da sua escolhida?
Ironias à parte
Suponho que as perguntas anteriores resultam tendenciosas, na medida em que pretendem levar o discurso numha direçom bem concreta: a da necessidade de questionar e sancionar o que, a meu ver, é claramente um acosso. Como nom desejo fazer o que critico, abandonarei esta inclinaçom fácil de querer influir na conclusom de quem lê e tratarei o tema com maior cuidado.
A linha que separa a seduçom do acosso é evidente e simples: a incomodidade da outra parte
Parece-me logo que o primeiro que se deve fazer é aprender a gestionar o desejo, isto é, mirar bem o que se quer conseguir e tentar ser prudentes, porque, talvez a cousa nom seja recíproca, e, sendo isto assim, por que perseverar? Por amor? Acho que nom. Detrás dumha insistência impertinente o único que subjaze é egoísmo e umha boa dose de prepotência. Quem persevera ainda nom havendo contexto que propicie essa insistência fai-no porque nom assume nem aceita umha negativa, for explícita ou implícita.
Um acossador é pois um tipo molesto, que importuna a quem nom deseja ser importunada; que nom respeita as mulheres em geral, assim é que nom contempla a veracidade dessa negativa e considera parte do seu labor indicar-lhe à mulher o que deve desejar. Isto é um exercício mansplaining em toda regra. Sem explicaçons verbais, ou sim.
Há também explicadores. Som todos esses penosos que fam saber direta, ou indiretamente, por que deveriam ser aceitados como galáns. Um acossador mansplaining é umha espécie de sedutor omnisciente, que sabe todo da mulher que escolhe como vítima da impertinência de seu. Para que nos entendamos, vém sendo um tipo que, mui subtilmente, adotamos denominar “plasta”, porque somos todas mui boínhas, mas realmente o que fai é acossar. Encaixam neste perfil todos esses “merodeadores” que nunca escuitam, só falam eles, que olham com lascívia ‑nom sabem olhar doutra maneira?-, que se achegam e dam opinions que ninguém lhes pediu, que nom deixam de falar deles próprios e nunca pedem opiniom, que carecem de humildade para aceitar e assumir que nom interessam em absoluto á mulher que condiziam, e, sendo isto assim, o que fam é “culpá-la”. Como? É simples, tentando quitar-lhes credibilidade, alegando que som soberbias ou parvas, que nom sabem o que querem, porque, obviamente, se eles fam todo para que essa mulher tenha o que “realmente necessita” para ser feliz, há que ser mui idiota para os rejeitar…
A linha que separa a seduçom do acosso é evidente e simples: a incomodidade da outra parte. Se alguém se sente desconfortável, a seduçom nom existe, o que existe é acosso.
Acho que ninguém tem direito de importunar outra pessoa. Sim temos é o direito a aceitar e assumir que nom se nos aceite como interlocutores ou interlocutoras num contexto sexual ou afetivo.
E já para rematar, localizemos estas senhoras da França. Tenhamos presente que falam do privilégio. Todas elas ocupam um lugar de poder, assim é que formam parte da violência do estado do qual se erigem em representantes, na medida em que consideram que o seu discurso reflete toda a realidade, apesar de ter conta unicamente dum âmbito reduzido, o das elites ‑atices, cantantes, escritoras, filósofas e poetas afeitas ao sistema cultural de que se beneficiam- e excluem desse panfleto, impertinente e desafortunado, as menores de idade, as mulheres racializadas, as pessoas trans, as que vivem confinadas na pobreza… Som cúmplices logo da prática da violência machista que se integra na devandita violência do estado? Quem queira entender que entenda. E já de passo, olhe em redor e tenha o valor de ver o que nos arrodeia, porque também há algumha cousa assim por aqui.