No ecrã, a vivenda familiar de Antía Cal em Muras, uma casa com vistas ao rio Eume, construída no século XIX e agora abandonada e vazia. Dos armários e baús saem objetos e documentos que se nos apresentam sobre as superfícies velhas e gastadas. Sobre todos estes elementos, a pedagoga começa a contar a sua própria história.
Essa é a armação do documentário A palabra xusta, dirigido por Miguel Piñeiro e estreado a finais do ano 2016, ainda que segue a girar por cinemas de todo o país. Presumivelmente centrado na vida e no labor pedagógico de Antía Cal, tal argumento poderia servir para mostrar uma Galiza na vanguarda e uma personagem feminina forte, independente e inovadora.
De início, a escolha do espaço e a construção duma narrativa que só se dirige ao passado (apenas a última cena pode ter uma vontade de projetar algo do trabalho de Cal no presente) põem-nos em advertência. O cenário em que transcorre a história é, mais uma vez, a Galiza a que nos tem afeitos o audiovisual: um país amável, bonito e ancorado noutro tempo. A feitura do filme, excessivamente televisivo, o uso duma música sentimentalizante e a narração insistem numa visão que quer ser poética e que na realidade elimina qualquer tipo de conflito.
Contodo, abstraiamo-nos destas questões estéticas e da ética que ocultam. Aceitemos que a escolha do espaço e dos elementos que vertebram a história poderia ser coerente com a vontade do diretor, que tem manifestado que o interesse do filme não era mostrar a figura pública da renovação pedagógica galega, mas a pessoa que se esconde por trás dela. Cumpre perguntar-se, pois: que visão dá A palabra xusta da biografia de Antía Cal?
Piñeiro mostra-nos desde o início uma mulher muito marcada polos seus antepassados, especialmente os masculinos (algo que não deve passar desapercebido), ainda que a figura da mãe vai ganhando peso a medida que Antía Cal decide escolher os seus estudos. Logo da mocidade, a sua vida, segundo o documentário, girará arredor de dous eixos principais: o seu homem, Antón Beiras, e a pedagogia.
Os melhores momentos do filme, aqueles nos quais Cal aponta contradições ou atrancos no desenvolvimento da escola, ficam em segundo plano.
Nestas, o discurso sobre a pedagogia que arma o filme não pode ser mais dececionante. Vendo A palabra xusta resulta impossível conhecer, fora dalgumas anedotas, o programa educativo implantado na escola Rosalía de Castro. A sua hipotética influência sobre modelos alternativos de ensino atuais não se trata em nenhum momento, e a experiência fica como algo único no tempo e isolado. Os melhores momentos do filme, aqueles nos quais Cal aponta contradições ou atrancos no desenvolvimento da escola, ficam em segundo plano.
Mas o principal problema do filme é o uso da figura de Antón Beiras. Piñeiro escolhe uma seleção de cartas escritas por ele a Antía Cal e decide apresentá-las como fio condutor do relato. O resultado é uma narração cuidada e omnipresente que se impõe sobre o relato da pedagoga, mais fragmentado polo registo oral e pola idade, mas infinitamente mais interessante. A voz de Cal, uma das mulheres mais avançadas da sua época, supedita-se à do seu homem, que pontua a sua vida mesmo depois de morto. Nas mãos de Piñeiro, umas missivas de amor igualitário convertem-se no filme num ato de mansplaining e o possível relato duma mulher forte fracassa por completo.