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O ‘procés’ foi dirigido por um movimento popular de baixo para cima”

por
Albert Botran, mi­li­tante de Poble Lliure e da CUP, no café-bar 13, em Compostela. | al­berte peiteável

O ex-deputado do ‘Parlament’ e do ‘Congreso’. Albert Botran, visitou o nosso país para apresentar o seu livro ‘Independència és revolució’, traduzido para galego pela Tempo Editora. Participou aliás na II Jornada de Estudo Clara Corbelhe. Conversamos com ele para desmontar alguns tópicos do independentismo catalão e para aprender do seu país e da sua luta, como ele gosta de aprender da nossa.

É um lu­gar-co­mum que a au­sên­cia de uma bur­gue­sia na­ci­o­nal ga­lega di­fi­cul­tou o nosso pro­cesso de cons­tru­ção na­ci­o­nal. Porém, no teu li­vro mos­tras que os mo­men­tos de maior apo­geu do ‘pro­cés’ coin­ci­di­ram com a perda de po­der po­lí­tico da alta bur­gue­sia ca­talã, pas­sando ‘Junts [per Catalunya]’ a ocu­par o lu­gar de ‘Convergència i Unió’ (CiU).
Eu, em pri­meiro lu­gar, acho que não faz sen­tido la­men­tar-se por uma re­a­li­dade que não é. Se a Galiza não tem uma bur­gue­sia na­ci­o­nal, não há que aguar­dar por ela para ini­ciar ou avan­çar no pro­cesso re­vo­lu­ci­o­ná­rio. Lembra-me do de­bate que ha­via no iní­cio do sé­culo XX so­bre se na Rússia po­dia ha­ver uma re­vo­lu­ção ou não. Na Rússia não ha­via uma so­ci­e­dade in­dus­trial e, não obs­tante, as rus­sas não es­pe­ra­ram a se de­sen­vol­ver como es­tava de­sen­vol­vida a Alemanha para fa­zer o que ti­nham de fazer.

Quanto à Catalunha, é ver­dade que exis­tiu uma bur­gue­sia ca­ta­la­nista, ma­sisto não sig­ni­fica que fosse a ori­gem do ca­ta­la­nismo, que seja o prin­ci­pal se­tor nem muito me­nos que mo­ti­vasse a vi­ra­gem in­de­pen­den­tista do ca­ta­la­nismo. É ao in­vés: a bur­gue­sia par­ti­cipa atra­vés de CiU numa ten­ta­tiva de re­for­mar o Estatut [d’Autonomia] no sen­tido de con­se­guir uma maior au­to­no­mia para a Catalunha, sem­pre no qua­dro da or­dem cons­ti­tu­ci­o­nal es­pa­nhola, e só com o fra­casso deste pro­cesso, só após a queda deste es­pí­rito pac­tista, é que surge o in­de­pen­den­tismo num pro­cesso de baixo para cima.

De facto, a grande fa­ça­nha do in­de­pen­den­tismo ca­ta­lão foi a cons­tru­ção de uma he­ge­mo­nia de es­querda em todo o país.
O que se per­cebe nos anos 2010, 12 e 17 é fruto de um pro­cesso que na ver­dade tem dé­ca­das de tra­ba­lho. Desde as dé­ca­das de 70 e 80 exis­tia um mo­vi­mento de base que ti­nha so­frido ci­sões, re­pres­são, ata­ques mas que existia.

Falar ga­lego e ca­ta­lão no ‘Congreso’ está bem, mas o repto é que as nos­sas lín­guas avan­cem so­ci­al­mente nos nos­sos res­pe­ti­vos paí­ses e isso im­plica to­mar o ca­mi­nho con­trá­rio ao que nos é im­posto pela legislação

Aquando da­quela ten­ta­tiva de re­for­mar o Estatut, com as emen­das das Cortes e do Tribunal Constitucional, a res­posta do ca­ta­la­nismo à crise po­lí­tica po­dia ter sido “O.K., nós ten­ta­mos mas não ti­ve­mos a força e isto fica-se por aqui”, mas foi pre­ci­sa­mente a con­trá­ria: “não nos de­ram a au­to­no­mia?, va­mos lá pela in­de­pen­dên­cia”. Isto não po­dia ter sido as­sim a não ser pela exis­tên­cia de um mo­vi­mento de base ro­busto que, como já disse, di­ri­gia o pro­cesso de baixo para cima. Através de uma sé­rie de con­sul­tas mu­ni­ci­pais ti­nham lo­grado a ade­são de muita gente alheia aos par­ti­dos. Havia, sim, muita gente dos par­ti­dos, fo­ram fun­da­men­tais, não pre­tendo uma re­tó­rica anti-par­ti­dos, mas foi na ver­dade a malta que obri­gou os par­ti­dos a to­mar as decisões.

Um dos en­tra­ves nessa cons­tru­ção de he­ge­mo­nia é a nova es­querda es­pa­nhola, que con­se­gue nor­ma­li­zar as suas me­di­das so­ci­ais e apre­sen­tar as suas de­tra­to­ras como pes­soas in­so­li­dá­rias ou egoís­tas. Estes são ad­je­ti­vos ha­bi­tu­al­mente apos­tos aos na­ci­o­na­lis­mos pe­ri­fé­ri­cos. Como é que se com­bate isto?
Há coi­sas es­tru­tu­rais que nem “o go­verno mais pro­gres­sista da his­tó­ria” tem me­xido. Da mo­nar­quia ao exér­cito. Em ques­tões de lín­gua, em­bora agora pa­reça ha­ver al­guma mu­dança, o mi­olo con­ti­nua in­tacto. Falar ga­lego e ca­ta­lão no Congreso está bem, mas o repto é que as nos­sas lín­guas avan­cem so­ci­al­mente nos nos­sos res­pe­ti­vos paí­ses e isso im­plica to­mar o ca­mi­nho con­trá­rio ao que nos é im­posto pela le­gis­la­ção e a ju­di­ca­tura espanholas.

Esse go­verno de que fa­lava é com­posto de um par­tido fun­da­dor do Regime de 78, o PSOE, e um ou­tro, o Podemos, que par­tiu de te­ses rup­tu­ris­tas mas que logo ade­riu a or­dem cons­ti­tu­ci­o­nal e que atu­al­mente as­pira a que haja um go­verno dfe­rente de PP-Vox.

O mu­ni­ci­pa­lismo tem sido uma fer­ra­menta fun­da­men­tal para o alar­ga­mento da base so­cial in­de­pen­den­tista e em ge­ral para a cons­tru­ção na­ci­o­nal na Catalunha. Na Galiza, po­rém, mu­ni­cí­pios como Ponte Vedra ou Alhariz his­to­ri­ca­mente ge­ren­ci­a­dos pelo BNG cons­ti­tuem um fraco avanço para a cons­ci­ên­cia e a vida na­ci­o­nais ga­le­gas. Onde está a er­rar o BNG?
Da ins­ti­tui­ção trans­for­mam-se pou­cas coi­sas. As câ­ma­ras mu­ni­ci­pais são o úl­timo elo da ca­deia es­ta­tal, neste caso es­pa­nhola, e têm uma es­tru­tura pen­sada para mu­dar pouco a re­a­li­dade. Trata-se de en­ten­der o mu­ni­ci­pa­lismo além da ad­mi­nis­tra­ção, tam­bém como ce­ná­rio para o te­cido cul­tu­ral, para o as­so­ci­a­ti­vismo de base, de ma­neira a en­ga­jar a ins­ti­tui­ção com os mo­vi­men­tos so­ci­ais e avan­çar em con­junto. Quando tu avan­ças e o mo­vi­mento vai apoi­ando cada passo, são pas­sos fir­mes e só­li­dos, são po­si­ções ganhas.

Depois, sem­pre digo que não se deve pe­dir à con­jun­tura mais do que pode dar, mas tam­bém não me­nos. É ver­dade que não se pode ir con­tra a le­gis­la­ção au­to­nó­mica nem es­ta­tal, mas tam­bém que com os atu­ais qua­dros le­gis­la­ti­vos há muito a tra­ba­lhar. Afinal tudo acaba ba­tendo no mesmo li­mite: a cons­ti­tui­ção. Ora, até che­gar a ela, há mar­gem para batalhar.

No café-bar 13, em Compostela. | al­berte peiteável

Já quanto ao ro­teiro in­de­pen­den­tista: após a de­cla­ra­ção de in­de­pen­dên­cia, há um ce­ná­rio in­ter­na­ci­o­nal a en­fren­tar.
Uma crí­tica que há que fa­zer ao in­de­pen­den­tismo ca­ta­lão é que não ti­nha um plano para con­se­guir a in­de­pen­dên­cia para além do dia do re­fe­ren­dum de 2017. No meu en­ten­der, a via 100% in­sur­re­ci­o­nal é in­viá­vel, não se pode atu­al­mente cons­ti­tuir um Estado in­de­pen­dente e sustê-lo no tempo con­tra tudo e con­tra to­dos, como uma República em per­ma­nente con­tra­po­der: há que che­gar a uma ne­go­ci­a­ção com a co­mu­ni­dade in­ter­na­ci­o­nal e com o Estado es­pa­nhol. Ora, para isto é ne­ces­sá­rio ter de­sen­vol­vido pre­vi­a­mente es­tra­té­gias de re­sis­tên­cia e es­tra­té­gias de rup­tura, o que foi feito até ao re­fe­rén­dum mas não além dele.

Uma al­ter­na­tiva te­ria sido pro­cla­mar a in­de­pen­dên­cia com o com­pro­misso de a ple­bis­ci­tar num re­fe­rendo pac­tado com o Estado. Isso per­mi­tia man­ter mo­bi­li­zado na rua todo o se­tor au­to­de­ter­mi­nista além do in­de­pen­den­tismo –que par­ti­ci­pou na greve ge­ral de 3 de ou­tu­bro–, trans­fe­rir pres­são ao Estado e se­gu­rar a ten­são in­ter­na­ci­o­nal so­bre o que lá es­tava a acontecer.

Queremos que se re­co­nhe­çam as for­mas de luita que nós uti­li­za­mos. Não di­ze­mos ‘nós ex­ce­demo-nos, obri­gado por nos per­doar’; a ideia é ‘fos­tes vós que vos ex­ce­des­tes, nós con­ti­nu­a­re­mos a lutar’

O in­de­pen­den­tismo ca­ta­lão está a ter um pa­pel im­por­tante na pro­cura de con­sen­sos para a in­ves­ti­dura de Pedro Sánchez. Em que ponto está a ne­go­ci­a­ção pela am­nis­tia?
Nós te­mos as­si­nado uma re­so­lu­ção re­la­tiva à am­nis­tia, jun­ta­mente com Junts e ERC, a in­cluir a rei­vin­di­ca­ção do di­reito de au­to­de­ter­mi­na­ção. A este res­peito há um fa­tor de­ter­mi­nante: há am­nis­tias de ponto fi­nal, como a de 1977 –va­mos es­que­cer o acon­te­cido e aqui nada acon­te­ceu– e am­nis­tias de ponto de iní­cio, que é a que nós pre­ten­de­mos agora. Queremos que se re­co­nheça a le­gi­ti­mi­dade das for­mas de luta que nós uti­li­za­mos, de forma que não te­nha­mos que nos ar­re­pen­der nem ainda que re­nun­ciar a vol­tar a fazê-lo. Não es­ta­mos a en­cer­rar uma etapa, a di­zer “nós ex­ce­demo-nos, obri­gado por nos per­doar”; a ideia, pre­ci­sa­mente, é “fos­tes vós que vos ex­ce­des­tes, nós con­ti­nu­a­re­mos a lu­tar das for­mas ne­ces­sá­rias para con­quis­tar os nos­sos di­rei­tos democráticos”.

O que apren­deu da Galiza o in­de­pen­den­tismo ca­ta­lão?
Em pri­meiro lu­gar, o Nunca Mais teve re­per­cus­são na Catalunha por­que mos­trava uma Galiza des­co­nhe­cida para nós. Vendo as vi­tó­rias do PPdeG, nós di­zía­mos “a Galiza é um povo que re­nun­ciou”, mas o Nunca Mais tor­nou evi­dente que não, que uma coisa era o que apa­re­cia elei­to­ral­mente e ou­tra coisa o povo que apa­re­cia por baixo disso: um povo que se auto-or­ga­ni­zava e que cri­ava um con­traste ab­so­luto com os seus governantes.

Já em cír­cu­los mais po­li­ti­za­dos, o sin­di­ca­lismo ga­lego é um exem­plo e uma in­veja. Enfrentar uma ten­ta­tiva de rup­tura sem força no âm­bito sin­di­cal é muito mais com­pli­cado. Na Galiza há um sin­di­ca­lismo na­ci­o­nal que é mai­o­ri­tá­rio e que é di­nâ­mico e que é com­ba­tivo e atin­giu essa mai­o­ria por­que a malta sabe que é uma forma de ga­nhar à pa­tro­nal as batalhas.

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