O ex-deputado do ‘Parlament’ e do ‘Congreso’. Albert Botran, visitou o nosso país para apresentar o seu livro ‘Independència és revolució’, traduzido para galego pela Tempo Editora. Participou aliás na II Jornada de Estudo Clara Corbelhe. Conversamos com ele para desmontar alguns tópicos do independentismo catalão e para aprender do seu país e da sua luta, como ele gosta de aprender da nossa.
É um lugar-comum que a ausência de uma burguesia nacional galega dificultou o nosso processo de construção nacional. Porém, no teu livro mostras que os momentos de maior apogeu do ‘procés’ coincidiram com a perda de poder político da alta burguesia catalã, passando ‘Junts [per Catalunya]’ a ocupar o lugar de ‘Convergència i Unió’ (CiU).
Eu, em primeiro lugar, acho que não faz sentido lamentar-se por uma realidade que não é. Se a Galiza não tem uma burguesia nacional, não há que aguardar por ela para iniciar ou avançar no processo revolucionário. Lembra-me do debate que havia no início do século XX sobre se na Rússia podia haver uma revolução ou não. Na Rússia não havia uma sociedade industrial e, não obstante, as russas não esperaram a se desenvolver como estava desenvolvida a Alemanha para fazer o que tinham de fazer.
Quanto à Catalunha, é verdade que existiu uma burguesia catalanista, masisto não significa que fosse a origem do catalanismo, que seja o principal setor nem muito menos que motivasse a viragem independentista do catalanismo. É ao invés: a burguesia participa através de CiU numa tentativa de reformar o Estatut [d’Autonomia] no sentido de conseguir uma maior autonomia para a Catalunha, sempre no quadro da ordem constitucional espanhola, e só com o fracasso deste processo, só após a queda deste espírito pactista, é que surge o independentismo num processo de baixo para cima.
De facto, a grande façanha do independentismo catalão foi a construção de uma hegemonia de esquerda em todo o país.
O que se percebe nos anos 2010, 12 e 17 é fruto de um processo que na verdade tem décadas de trabalho. Desde as décadas de 70 e 80 existia um movimento de base que tinha sofrido cisões, repressão, ataques mas que existia.
Falar galego e catalão no ‘Congreso’ está bem, mas o repto é que as nossas línguas avancem socialmente nos nossos respetivos países e isso implica tomar o caminho contrário ao que nos é imposto pela legislação
Aquando daquela tentativa de reformar o Estatut, com as emendas das Cortes e do Tribunal Constitucional, a resposta do catalanismo à crise política podia ter sido “O.K., nós tentamos mas não tivemos a força e isto fica-se por aqui”, mas foi precisamente a contrária: “não nos deram a autonomia?, vamos lá pela independência”. Isto não podia ter sido assim a não ser pela existência de um movimento de base robusto que, como já disse, dirigia o processo de baixo para cima. Através de uma série de consultas municipais tinham logrado a adesão de muita gente alheia aos partidos. Havia, sim, muita gente dos partidos, foram fundamentais, não pretendo uma retórica anti-partidos, mas foi na verdade a malta que obrigou os partidos a tomar as decisões.
Um dos entraves nessa construção de hegemonia é a nova esquerda espanhola, que consegue normalizar as suas medidas sociais e apresentar as suas detratoras como pessoas insolidárias ou egoístas. Estes são adjetivos habitualmente apostos aos nacionalismos periféricos. Como é que se combate isto?
Há coisas estruturais que nem “o governo mais progressista da história” tem mexido. Da monarquia ao exército. Em questões de língua, embora agora pareça haver alguma mudança, o miolo continua intacto. Falar galego e catalão no Congreso está bem, mas o repto é que as nossas línguas avancem socialmente nos nossos respetivos países e isso implica tomar o caminho contrário ao que nos é imposto pela legislação e a judicatura espanholas.
Esse governo de que falava é composto de um partido fundador do Regime de 78, o PSOE, e um outro, o Podemos, que partiu de teses rupturistas mas que logo aderiu a ordem constitucional e que atualmente aspira a que haja um governo dferente de PP-Vox.
O municipalismo tem sido uma ferramenta fundamental para o alargamento da base social independentista e em geral para a construção nacional na Catalunha. Na Galiza, porém, municípios como Ponte Vedra ou Alhariz historicamente gerenciados pelo BNG constituem um fraco avanço para a consciência e a vida nacionais galegas. Onde está a errar o BNG?
Da instituição transformam-se poucas coisas. As câmaras municipais são o último elo da cadeia estatal, neste caso espanhola, e têm uma estrutura pensada para mudar pouco a realidade. Trata-se de entender o municipalismo além da administração, também como cenário para o tecido cultural, para o associativismo de base, de maneira a engajar a instituição com os movimentos sociais e avançar em conjunto. Quando tu avanças e o movimento vai apoiando cada passo, são passos firmes e sólidos, são posições ganhas.
Depois, sempre digo que não se deve pedir à conjuntura mais do que pode dar, mas também não menos. É verdade que não se pode ir contra a legislação autonómica nem estatal, mas também que com os atuais quadros legislativos há muito a trabalhar. Afinal tudo acaba batendo no mesmo limite: a constituição. Ora, até chegar a ela, há margem para batalhar.
Já quanto ao roteiro independentista: após a declaração de independência, há um cenário internacional a enfrentar.
Uma crítica que há que fazer ao independentismo catalão é que não tinha um plano para conseguir a independência para além do dia do referendum de 2017. No meu entender, a via 100% insurrecional é inviável, não se pode atualmente constituir um Estado independente e sustê-lo no tempo contra tudo e contra todos, como uma República em permanente contrapoder: há que chegar a uma negociação com a comunidade internacional e com o Estado espanhol. Ora, para isto é necessário ter desenvolvido previamente estratégias de resistência e estratégias de ruptura, o que foi feito até ao referéndum mas não além dele.
Uma alternativa teria sido proclamar a independência com o compromisso de a plebiscitar num referendo pactado com o Estado. Isso permitia manter mobilizado na rua todo o setor autodeterminista além do independentismo –que participou na greve geral de 3 de outubro–, transferir pressão ao Estado e segurar a tensão internacional sobre o que lá estava a acontecer.
Queremos que se reconheçam as formas de luita que nós utilizamos. Não dizemos ‘nós excedemo-nos, obrigado por nos perdoar’; a ideia é ‘fostes vós que vos excedestes, nós continuaremos a lutar’
O independentismo catalão está a ter um papel importante na procura de consensos para a investidura de Pedro Sánchez. Em que ponto está a negociação pela amnistia?
Nós temos assinado uma resolução relativa à amnistia, juntamente com Junts e ERC, a incluir a reivindicação do direito de autodeterminação. A este respeito há um fator determinante: há amnistias de ponto final, como a de 1977 –vamos esquecer o acontecido e aqui nada aconteceu– e amnistias de ponto de início, que é a que nós pretendemos agora. Queremos que se reconheça a legitimidade das formas de luta que nós utilizamos, de forma que não tenhamos que nos arrepender nem ainda que renunciar a voltar a fazê-lo. Não estamos a encerrar uma etapa, a dizer “nós excedemo-nos, obrigado por nos perdoar”; a ideia, precisamente, é “fostes vós que vos excedestes, nós continuaremos a lutar das formas necessárias para conquistar os nossos direitos democráticos”.
O que aprendeu da Galiza o independentismo catalão?
Em primeiro lugar, o Nunca Mais teve repercussão na Catalunha porque mostrava uma Galiza desconhecida para nós. Vendo as vitórias do PPdeG, nós dizíamos “a Galiza é um povo que renunciou”, mas o Nunca Mais tornou evidente que não, que uma coisa era o que aparecia eleitoralmente e outra coisa o povo que aparecia por baixo disso: um povo que se auto-organizava e que criava um contraste absoluto com os seus governantes.
Já em círculos mais politizados, o sindicalismo galego é um exemplo e uma inveja. Enfrentar uma tentativa de ruptura sem força no âmbito sindical é muito mais complicado. Na Galiza há um sindicalismo nacional que é maioritário e que é dinâmico e que é combativo e atingiu essa maioria porque a malta sabe que é uma forma de ganhar à patronal as batalhas.