Encontro o Henrik sentado na galeria dum hotel com muito charme da zona velha compostelana. Desfruta do pequeno-almoço enquanto checa o meu nome e a minha profissão na Internet. E naquela mesa não cabe mais nada. Sumo, café, croissants, bolo de amêndoa, compota, pão torrado. É a viva imagem da gula. Eu sorrio e acarinhando o livro que levo na mão, e de que vamos falar, penso que não é estranho que o escritor sueco afincado no Brasil e que fala português com sotaque tropical, tivesse escolhido os sete pecados capitais para falar do colonialismo na lusofonia. Ele sabe de pecados e também das suas virtudes.
Viagem pelos sete pecados capitais da colonização portuguesa, é uma viagem pelo mundo português, por lugares exóticos. Foi um fator fundamental para ser tão bem-sucedido na Suécia?
Suecos é o povo que mais viaja per capita. Com a pandemia não podiam viajar, mas queriam. É um livro de sentar no sofá viajando para sete países, países que algumas pessoas não conhecem muito bem. É um livro de sentar, de sentir…olha, estou a viajar! Não fiquei totalmente surpreendido pela boa receção porque uma coisa é a paixão sobre o Brasil, sobre o futebol, mas este livro, sete pecados sobre uma colonização que os suecos não conhecem, uma palavra, lusófono, que desconhecem, países que acho difícil as pessoas colocarem no mapa. Estava a esperar vender mil ou dois mil exemplares e a editora também. Eles não sabiam os suecos terem tanto interesse para um mundo um pouco desconhecido.
Dá para contar como um sueco se apaixona pelo Brasil, o português e a Lusofonia?
Tudo começou com um amor fracassado. Já tinha viajado para Portugal antes, mas quando a minha namorada sueca terminou comigo fiquei quase doente. Naquela altura o Ministério de Exteriores estava procurando pessoas para trabalharem na Expo 98 em Portugal. Fui lá pedir esse trabalho, consegui o trabalho, menti, falei que falava português, não falava, mas eles não estavam checando (risos) e fui para Portugal fugindo por causa do desamor e, quando cheguei a Lisboa, descobri que Angola, Moçambique, Macau eram ex-colónias e todos os países lusófonos estavam presentes em Lisboa. Assim foi que comecei.
“Nasci sem saber nada sobre o colonialismo. Ora, tenho mais de 20 anos no Brasil, falo português, a minha filha é brasileira, também sinto quando escrevo sobre a escravidão”
Como foi a escolha dos destinos, encontrar o fio condutor, o processo de documentação, como planeou as viagens e em que altura…
Sou correspondente na América Latina do Dagens Nyheter, o maior jornal da Escandinávia, e não tinha tempo para viajar para outros países. Aproveitei a eleição de Hillary Clinton e Trump. Sabia que os meus editores iam estar focados nisso, então fugi, fui para Goa. Ninguém perguntou por mim (risos). Tinha que aproveitar quando não tinha coisas a acontecerem na América Latina. Demorou três anos porque só podia fazer duas viagens por ano. No princípio queria fazer um livro sobre o colonialismo em geral. O editor perguntou porque a colonização portuguesa tinha sido diferente da britânica e respondi, olha, o português não tinha recursos, o que eles fizeram era transar, beber, dançar, eram pecados, e interessou-se. Foi assim que surgiu a ideia de dividir o mundo lusófono nos sete pecados, e funcionou.
O livro tem uma narrativa limpa, direta e é ágil. Liga passado e presente e faz isso de uma forma muito orgânica, sem ser notado. Entretém e ensina.
O meu grande problema quando estava a escrever o livro era como posso fazer isto interessante e, ao mesmo tempo, conseguir colocar as coisas que eu acho interessantes, como a própria história. Se colocar só a história, o leitor vai cansar, ele quer saber o que está a acontecer hoje também. Misturei assim a história com a atualidade e um pouco de encontros engraçados. Isso é difícil porque estou falando da escravidão, milhões de mortos, então não está para falar uma piada, tinha de ser muito subtil.
Falando da colonização, toca-se numa fibra muito sensível para os portugueses. Como enfrenta, enquanto escritor, o facto de ser um estrangeiro a escrever sobre o colonialismo português?
A editora, Objectiva, publicou a primeira foto do livro e o primeiro comentário foi duma menina portuguesa que falou: “O que é que um sueco vai ensinar à gente sobre o mundo lusófono?”. Estava esperando isso porque o português tem muito orgulho do passado, mas também sabe que hoje é um dos países mais pobres da Europa e quando um estrangeiro fala sobre o colonialismo, não gosta. Por isso fiz esse livro, porque se fosse escrito por um português ia ficar diferente e um sueco não tem nada a ver com o colonialismo português, a escravidão. Estou olhando com olhos mais objetivos. Acho que isto é o forte do livro porque a esquerda portuguesa está criticando o colonialismo demais enquanto a direita está elogiando. Eu fico no meio. A receção foi boa mas as mídias escreveram muito pouco sobre o livro, apenas o Jornal de Notícias, porque têm medo de tocar no assunto.
Nasci sem saber nada sobre o colonialismo, não estou contaminado com essas versões da história. Ora, tenho mais de 20 anos no Brasil, falo português, a minha filha é brasileira, também sinto quando escrevo sobre a escravidão, chorei muito porque a minha ex- mulher é negra, então isso faz parte da minha vida, então não foi fácil escrever sobre essas coisas mas, sendo sueco, se calhar era mais fácil.
Correspondente no Brasil, um país de contrastes, há mais de 20 anos.
Com o Bolsonaro, 80% dos meus artigos eram sobre coisas ruins. Sou como um médico num hospital de psiquiatria, só encontro pessoas doentes e problemas o dia todo. Esse psicólogo precisa de sair para ver as coisas boas. Foi assim na época do Bolsonaro. Tinha que ver as coisas boas, comecei a andar de bicicleta no Rio de Janeiro vendo as passagens, indo à praia, escutando a música, comendo a comida porque, se não fizesse isso, ia morrer. São tantas más historias que precisa de equilibrar. Com o Lula, o Brasil não vai melhorar imediatamente, vai demorar. O meu trabalho de jornalista é, às vezes, escrever sobre as coisas difíceis, burocracia, corrupção… mas, de vez em quando, encontro uma história bonita, adoro fazer isso, agora tudo isso está vivo depois do Bolsonaro.
Está a escrever uma nova obra. O tema é a saudade.
O livro não está pronto, então não posso falar muito sobre ele. Estes dias na Galiza fiz uma pesquisa sobre a origem da palavra “saudade” porque é uma palavra galega: soidade. Começou aqui, a primeira pessoa que escreveu soidade foi o poeta Nuno Eanes Cêrcio no século XIV. Falei com os filólogos Souto Cabo e Elias Torres e entrevistei o historiador Xosé Manuel Sánchez para entender como era Santiago no século XIV quando a palavra surgiu. No próximo livro a Galiza vai estar presente. O livro vou focar na emigração, a emigração dos Açores, de Madeira e de Cabo Verde. Podia fazer um livro focado na emigração galega mas como saudade é mais conhecida no mundo lusófono estou focando nessas três ilhas e… pronto, a Galiza vai entrar no começo e no final.