Como tantos outros aspetos, a nossa visão sobre a resistência das línguas está condicionada por uma olhada racista e colonial. Muitas vozes solidarizam-se desde a Galiza com o bretão, o francês do Quebeque ou mesmo o sorábio, mas o volume baixa até desaparecer se falarmos do nuosu, o hindi fijiano ou o wayuu. Na hierarquia xenófoba, a África subsaariana ocupa o derradeiro posto: além do suaíli, poucas serão as línguas autóctones deste território que poderá nomear uma galega média, por mui conscientizada que estiver sobre a ecologia linguística.
Como com outras línguas menorizadas, o desprezo polo próprio instalou-se nas mentes da população discriminada africana. A situação fica exemplificada nas conhecidas palavras de Amílcar Cabral, a quem nem a luta anticolonial nem a condição de falante de crioulo livraram da defesa do glotocídio: “A nossa língua para escrever é o português. Afinal, o português (língua) é uma das melhores coisas que os tugas nos deixaram”.
Nesta citação destacam especialmente as palavras “para escrever”. Se bem é impossível impedir que uma língua se fale, a escritura reserva-se para a variedade de prestígio. A imagem estereotipada que temos da literatura em línguas africanas é a dum relato contado à sombra dum baobá, mas se falarmos de literatura escrita só virão à nossa mente autoras em línguas coloniais, de Senghor até Ondjaki. E, contudo, já no século III se escrevia literatura religiosa em ge’ez; e as falantes de canúri, hauçá ou uolofe usavam os traços árabes antes de que a Europa impusera o alfabeto latino e o tráfico de escravas.
Em 1962, o Congresso de Escritoras Africanas de Expressão Inglesa marcará um ponto de inflexão no significado das palavras “literatura africana”. O título do evento já excluía nomes como os de Shaaban bin Robert, “o pai do suaíli” ou D. O. Fagunwa, autor do primeiro romance em iorubá. Contudo, os debates do congresso significarão o fim das línguas coloniais como opção natural e inevitável para a literatura escrita africana. No ano seguinte, o nigeriano Obi Wali escreve “The Dead End of African Literature?”, onde defende que a única saída para uma verdadeira literatura africana é escrever em línguas autóctones.
Ao congresso assistira um estudante queniano, James Ngugi, que vinha de escrever o seu primeiro romance, inédito, em inglês. A polémica latente deixa‑o marcado, numa época em que também descobria o pensamento de Frantz Fanon. Cinco anos depois, abandona o cristianismo, cambia o nome polo de Ngũgĩ wa Thiong’o e começa a escrever em gikuyu, a sua língua natal e a única em que se expressará literariamente desde 1977. Nos anos 80 recolhe as suas próprias reflexões sobre o debate no volume Decolonising the Mind: The Politics of Language in African Literature.
Leopold Sédar Senghor justificava o seu uso literário do francês argumentando que “é uma língua com vocação universal”. Hoje, a obra de Ngũgĩ wa Thiong’o está traduzida a um cento de línguas em todo o mundo e o seu nome soa, ano trás ano, entre as candidatas ao prémio Nobel de literatura.