Nos últimos tempos, uma série de notícias estão a chamar a atenção da sociedade galega. Todas têm em comum o tamanho considerável dos mamíferos que as protagonizam.
No dia 30 de agosto deste ano, várias orcas (Orcinus orca) atacavam um veleiro da Armada Espanhola a duas milhas de Corruvedo, rompendo-lhe o leme. Desde meados desse mês e durante as seguintes semanas viram-se grupos familiares de orcas nas costas galegas, que chegaram a interagir com um elevado número de embarcações. Os casos mais graves acabaram em acometimentos e danos estruturais aos barcos, algo insólito a nível mundial. A CEMMA (Coordenadora para o Estudo dos Mamíferos Marinhos) explicou que não é infrequente que as orcas, perseguindo bancos de atum (Thunnus), se aproximem do litoral ou entrem nas rias; já o comportamento agressivo destes animais pode ter sido responsabilidade de alguns dos juvenis que, numa etapa de aprendizado, estariam a ensaiar técnicas de caça grupais. Devemos assinalar que, apesar da má reputação que acarreta a alcunha de “baleias assassinas”, nem são baleias, tratando-se duma espécie da família dos golfinhos, nem nunca um ser humano foi atacado por orcas em liberdade.
Em setembro, o Bottlenose Dolphin Research Institute (BDRI) [sic], com sede no Grove, dava conta de uma “extraordinária concentração” de baleias-azuis (Balaenoptera musculus) e baleias-comuns (Balaenoptera physalus) alimentando-se na costa das Rias Baixas. Até 9 baleias-azuis e 19 baleias-comuns foram observadas em entre o arquipélago das Sies e o de Ões, numa pequena zona próxima à costa, por vezes, só a duas milhas desta. A baleia-azul é o maior mamífero que já existiu, chegando a atingir 30 m de comprimento e mais de 180 t de peso. Destes rorquais perdera-se a memória nas costas galegas. Os últimos foram observados em alto mar em 1984. Mas em 2005 foi encontrado em Ribeira um indivíduo morto, em avançado estado de decomposição. Por fim, no dia 9 de setembro de 2017, um pesqueiro enxergou e gravou uma baleia-azul em frente de Monte Louro (Muros) duns 20 metros de comprimento (provavelmente, um subadulto). Duas semanas depois observava-se um segundo exemplar de 24 m em águas de Ões. Os registros da espécie, da qual restam uns 25.000 exemplares em todo o mundo e apenas 400 no Atlântico, repetiram-se em 2018 e 2019. O regresso deste gigante aos mares da Galiza à procura do krill, o seu alimento, constitui, portanto, um facto de indubitável importância científica. O krill (pequenos crustáceos que fazem parte do zooplâncton) ocorre nas Rias Baixas durante a época estival, como consequência dum fenómeno de afloramento costeiro de águas subsuperficiais africanas carregadas de nutrientes.
Em setembro até 9 baleias-azuis e 19 baleias-comuns foram observadas em entre o arquipélago das Sies e o de Ões, numa pequena zona próxima à costa, por vezes, só a duas milhas desta
Em maio de 2020, tornava-se público um vídeo dum urso-pardo (Ursus arctos) no P. N. dos Montes do Invernadeiro. O exemplar levava um ano sendo seguido nesse parque natural mediante câmaras de caça. Desde o século XIX não se tinham evidências da presença de ursos no Maciço Central Ourensano. No mesmo mês e polo mesmo procedimento de “armadilhas fotográficas”, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas confirmou “o aparecimento e a presença de polo menos um exemplar” de urso no P. N. de Montesinho, numa área raiana da freguesia de Espinhosela (Bragança, Portugal).
O mesmo animal foi também detetado do outro lado da fronteira, onde atacou um colmeal na aldeia seabresa da Teixeira. A nova foi um sucesso em Portugal, onde, segundo conta o livro Urso-pardo em Portugal – Crónica de uma Extinção de M. Brandão e P. Caetano, o último urso português teria sido caçado no dia 2 do mês de dezembro de 1843 no planalto da Mourela (Serra do Jurês). Ainda assim, houve um avistamento posterior que já temos comentado nestas mesmas páginas. No dia 16 de junho de 1946, em Coucieiro, perto da alfândega de Ponte Varjas (Concelho de Padrenda, Galiza), o lavrador Camilo Lhoves, com a ajuda de várias pessoas, matava a um urso que, muito provavelmente, teria descido das serras portuguesas do Laboreiro ou do Soajo.
Raro é o dia em que não encontramos nos jornais galegos novas dos ataques ao gado do mais emblemático dos carnívoros europeus, o lobo (Canis lupus). Segundo os últimos estudos feitos, calcula-se que o lobo ocupa mais do 90% do nosso território, colonizando nas duas últimas décadas zonas onde já não se lembrava a sua presença. Estima-se o seu número em 600–800 exemplares, distribuídos numas 90 alcateias, sendo a população do noroeste ibérico a mais numerosa da Europa Ocidental.
Em maio de 2020, tornava-se público um vídeo dum urso-pardo (Ursus arctos) no P. N. dos Montes do Invernadeiro. O exemplar levava um ano sendo seguido
Os javalis (Sus scrofa) estão a provocar mais de 3.000 acidentes de trânsito anuais no nosso país. Multiplicam-se as perdas que produzem nas culturas de milho (Zea mays) e patacas (Solanum tuberosum). Os porcos-bravos, tidos por escassos no século XIX (Seoane, 1861), tornam-se praga no XXI, invadindo mesmo zonas periurbanas (Lugo, Santiago, Vigo, Ferrol, Oleiros…).
Mas não são estes os únicos grandes mamíferos que vem incrementar as suas populações, também se estão a expandir polo território galego outras espécies como corços (Capreolus capreolus), veados (Cervus elaphus), rebeços (Rupicapra pyrenaica), cabras-bravas (Capra pyrenaica), gamos (Dama dama)…
O padre Stoppani foi o geólogo que cunhou no século XIX o termo “Era Antropozoica” para se referir à época mais recente da história do planeta, aquela marcada polos efeitos da humanidade sobre os ecossistemas. Este Antropocénico, que teria começado com a Revolução Industrial, está-se caracterizar por uma degradação ambiental cada vez maior.
Como explicarmos, então, a aparente contradição de que se produza uma recuperação da nossa megafauna, quando no planeta Terra enfrentamos a chamada sexta extinção massiva? A resposta está na proibição mundial da caça de cetáceos de 1986 e numa Galiza cada vez mais urbana e menos rural, com abandono do campo, aumento da superfície florestal e diminuição significativa das licenças de caça.
A Galiza “vazia” ou não há mal que por bem não venha.