A vizinhança da comarca teme a chegada do verão pelo progressivo deterioro da atenção primária, primeiro e principal ponto de assistência às cidadãs. A redução dos quadros de pessoal nos diferentes centros de saúde e PAC colocam em grave risco de colapso uma área geográfica que chega a triplicar a sua povoação durante o período estival.
É vox populi a situação da sanidade pública na Galiza. Todas as áreas sanitárias estão em risco de colapso por um coquetel idêntico: a desarticulação sistemática da atenção primária. O Salnês, que inclui os concelhos de Ogrove, São Genjo, Meanho, Meis, Ribadumia, Cambados e Vila Nova de Arouça, posiciona-se não obstante no infausto pódio. “Chegou-se a nomear a comarca como zona zero da desfeita na sanidade pública”, afirma José Manuel Ribadomar, porta-voz de SOS Sanidade Pública O Salnés.
O primeiro detonante da longa cadeia de responsabilidades no desmoronamento da atenção primária é o orçamento. A redução das partidas ao “primeiro nível da sanidade” afetou “irremediavelmente” o resto do sistema sanitário, como os hospitais e serviços de urgências, assinalam da plataforma.
Abrir caminho para a privada
Por parte dos movimentos sociais apontam que a origem deste conflito nasce num intento por substituir o atual modelo pela iniciativa privada. “Este deterioro chega para favorecer a sanidade privada, que não destaca por ter as melhores infraestruturas profissionais, tecnologias de diagnóstico ou tratamento nem por estar na primeira linha em investigação ou formação… Todo isso é património da nossa sanidade pública”, assegura Ribadomar.
Deste modo, a sanidade privada “alimenta o enfraquecimento do atual modelo para poder medrar”. Pretende, acaso, converter-se assim na única alternativa, tanto para pacientes como para profissionais.
Um desastre a câmara lenta
O travasse de pessoal da sanidade pública à privada era um fenómeno inexistente antes da atual crise, mas que agora começa a se manifestar após o deterioro das suas condições laborais. “Não são restituídos todos os postos, reduzem os quadros de pessoal, fecham centros de saúde no rural e dificultam o acesso ao sistema sanitário, sobretudo das pessoas idosas”, denunciam desde SOS Sanidade Pública O Salnês.
“Antes, por exemplo, tinhas cita com a tua facultativa aos dois dias de solicitá-la, mas ano a ano foi acrescentando o tempo de espera até chegar a hoje em dia”, protesta Ribadomar. Coincidem com esta valoração o pessoal do PAC como o doutor Miguel López del Pueyo. “É comum passar as guardas no PAC atendendo pacientes cujos médicos de família acumulam demoras de uma semana, dez dias, quinze… pelo que não lhes fica mais remédio que vir aqui para serem atendidas”, explica este especialista de atenção primária.
Temporada alta sem médicas
De fazermos reconto, as cifras seriam terroríficas. No passado verão, a área sanitária do Salnês e Ponte Vedra fechou as agendas dos médicos de família de São Genjo e Ogrove. Neste último concelho, ademais, passaram nos últimos anos de contar com sete doutoras a só duas (para uma povoação de mais de 10.000 habitantes).
“Uma das principais afetadas deste desmantelamento são as crianças, que foram ficando sem pediatras, ante o qual a única solução do Sergas foi partilhar uma pediatra entre vários Concelhos”, comenta o ativista do Salnês. Os problemas são comuns a todos os concelhos da comarca, onde vivem mais de 110.000 pessoas.
Esta cifra, que chega a duplicar ou triplicar durante os meses de junho, julho e agosto, dota o cenário de maior gravidade. “Em vez de reforçar os serviços de urgências num lugar tão turístico como este o que fizeram delata uma falta de previsão do Sergas muito preocupante”, declaram desde a plataforma em defesa da sanidade pública.
PACs e serviços de urgência de Cambados, Vila Garcia, Ogrove e São Genjo ficaram sem pessoal facultativo nos mesmos dias, o que provocou uma importante saturação nos hospitais do Salnês e em Montecelo (Ponte Vedra), além do próprio risco de deixar sem a principal assistência sanitária um nutrido grupo de povoação.
“Em vez de reforçar os serviços de urgências num lugar tão turístico como este o que fizeram delata uma falta de previsão do Sergas muito preocupante”
A isto somam-se-lhe os feches dos centros de saúde de Meis, deslocando as suas usuárias a concelhos vizinhos, e a degradação do serviço de transporte sanitário. “A ambulância de suporte vital avançado do Salnês (ambulância medicalizada) conta com menos pessoal que a meia galega, já que só opera um técnico de transporte em vez de dois”, informa Ribadomar. Este pessoal e equipamento, que não logra cobrir toda a sua área geográfica, vê-se ademais deslocado do seu centro habitual para São Genjo, sem notícias dum possível reforço.
Em paralelo cumpre mencionar também “o transporte sanitário não urgente, que passa por muitos problemas à hora de dar uma correta assistência a doentes, porque a empresa que tem a concessão nem cumpre com o seu pessoal nem com o serviço”.
Perante estas evidências, o pessimismo instala-se entre a vizinhança, que vê nos anteriores dados a evidência clara de que, no seguinte verão, nada mudará.