Marina Chiavegatto chegou do Brasil à Galiza há dez anos. O nosso património musical tradicional surpreendeu-na de tal maneira que um dos seus primeiros trabalhos no país foi umha curtametragem sobre mulheres e música tradicional. Ao abrir esta porta, conheceu a história da fábrica ‘Hilados y Tejidos Vilasantar’ da boca das suas protagonistas, que dava trabalho a mais de 300 mulheres do rural na comarca das Marinhas na primeira metade do século passado. O acesso à gestom do dinheiro que ganhavam mudou a sua mentalidade e o devir da sua vila, Présaras. O documentário ‘Tecido Resistente’ fala do empoderamento das mulheres, numha época em que este conceito nem existia, e tira do esquecimento umha das muitas revoluçons silenciosas da Galiza em que as protagonistas tenhem rosto de mulher.
Como descobres esta história?
A história chega a mim por casualidade, fai quatro anos eu estava fazendo umha curta sobre mulheres cantareiras em Présaras, alí conhecim duas mulheres que cantavam na coral da vila e que som protagonistas de Tecido Resistente.
Elas falárom-me da fábrica, som mulheres com um discurso mui bom e eu sabia que tarde ou cedo tinha que fazer algo com a sua história, porque falava de empoderamento feminino e de mulheres pioneiras no rural galego. Mas tinha claro que necessitava dinheiro para fazê-lo e fazer umha cousa bem feita, queria cuidar a fotografia, jogar com a imagem, ter tempo, elaborar um bom guiom e para isto o dinheiro é fundamental.
Por isso, quando a Deputaçom da Corunha convocou o Prémio Luísa Vilalta de projetos culturais, vim a oportunidade perfeita para financiar o meu projeto.
‘Tecido Resitente’ é o título escolhido para dar nome a este trabalho. Duas palavras que falam de feminismo: tecer redes entre as mulheres e resistir. Com o nome dás muitas pistas…
Quigem jogar com estes dous conceitos que ti nomeias mas ademais vinculá-los à fábrica que era de tecidos, o título é umha chiscadela à fábrica e ao poder coletivo das mulheres. É a história dumha revoluçom silenciosa, da de centos de mulheres que som donas do seu destino graças ao acesso à independência económica…
No documentário saem ideias vigentes hoje em dia, como as duplas jornadas laborais das mulheres. Foi Présaras umha vila avançada na época de ‘Hilados y tejidos’ de Vila Santar?
Depois da apresentaçom do documentário, há sempre um debate e sai muito esta ideia: era Présaras o mundo ideal, nom existia o machismo nesta beirinha do país? A resposta é, evidentemente, que nom. As mulheres seguiam trabalhando na casa, como fazemos agora, com duplas e triplas jornadas laborais… e, de facto, umha mulher comenta‑o no documentário, sendo consciente de que elas eram um ‘choio’: levavam dinheiro a casa e também se ocupavam dela…mas os homens faziam a comida, encarregavam-se de levar as crianças à escola. O trabalho que existia em Présaras era na fábrica e aos homens nom lhes quedou outra que se adaptar a esta realidade. No documentário nom sai nengumha voz masculina de maneira consciente porque queria dar-lhes a elas todo o protagonismo, mas, enquanto gravamos, muitos homens contárom-me que o normalizárom. Estamos falando da década dos cinquenta. Algo totalmente inusual.
A música também está mui presente. Porque lhe quigeste dar um papel quase protagonista?
No documentário há duas músicas, a tradicional e a de ambiente, que é umha música contemporânea, vanguardista, dum artista da Corunha.
No documentário, nom sai a fábrica, nom dim conseguido fotografias dela… estivem um ano procurando-as e nom as encontrei. Dalgumha maneira quigem suprir esta ausência de imagens da fábrica e jogar muito com os contrastes, coma umha eterna contradiçom. Acentuei o dramatismo com duas músicas opostas para que a espetadora entrevisse a evoluçom do Présaras de antes com o de agora. Dumha vila rica passou-se a umha vila abandonada…
A música converteu-se na minha aliada para ensinar à espetadora como a música tradicional, umha riqueza oral e coletiva da nossa cultura, pode perder-se para dar passo a outras músicas.
Fala-me da estreia, que acolhida está a ter?
A estreia tinha que ser em Présaras, e figemo-la na escola, véu toda a vila, de facto, tivemos que projetá-la novamente porque houvo gente que ficou fora.
Esta vila deu-me muitíssimo e estas mulheres também, de facto, as mulheres protagonistas tenhem vindo comigo a mais projeçons para falar depois quando há o debate. Já dim que falam mui bem e tenhem umha memória prodigiosa. Para mim é o mais importante porque o documentário é um exercício de recuperação da memória e elas lembram-se de muitíssimas cousas…
Quando projetamos o documentário, de que mais gosto é de que se produz umha identificaçom por parte doutras mulheres e nos debates posteriores procuro incluir duas ideias: como teria sido o rural galego com trabalho remunerado para as mulheres? E nós, que estamos a fazer agora? Que fica delas em nós?
De facto, em ‘Tecido Resistente’ mostra-se umha ideia chave: o acesso à gestom do dinheiro como facto fundamental para o empoderamento feminino. Que papel jogou este na toma de consciência destas mulheres?
Sim, e quero que fique claro que nom é um canto ao capitalismo. Ter acesso ao dinheiro, permitiu-lhes a estas mulheres do rural galego governar a sua vida. A Carmen é umha mulher pioneira que tomou a decisom de nom casar porque o seu moço chegou um dia bébado e tivo claro que isso nom o queria para ela. Saiu da norma social e ficou solteira coma escolha pessoal porque podia manter-se a si própria.
O homem de Julia Tojo tentou que deixasse o trabalho para ocupar-se da casa e dos filhos, ela deixou-lhe bem claro que se nom aceitava que trabalhasse, nom casariam.
Estas mulheres entenderam que o dinheiro dava-lhes poder. Poder de decisom para desenhar o seu futuro dumha maneira mais livre.
A fábrica incendia-se em 1962. Elas lembram este momento com umha tristura imensa. Mas, dalgumha maneira, algo germolara nelas. Todas conseguem seguir trabalhando. É esta a conclusom final?
Quando ‘Hilados y tejidos Vilasantar’ se incendia, 300 famílias ficam sem cobrar, pensa que muitas destas mulheres trabalhavam ali desde os 14 ou 16 anos. Os homens emigram e mandam dinheiro para a casa. Mas as mulheres conheciam o dinheiro como independência e nom queriam renunciar a esta, todas queriam seguir trabalhando e buscárom a maneira de fazê-lo. Repite-se muito esta frase: “Eu queria ter o meu, sem ter que pedir ao meu homem”. Trabalhar na fábrica cambiara-lhes a mentalidade.
De facto, creio que naquela altura muitas mulheres também trabalhavam na Corunha na Fábrica de Tabacos, mas o seu caso era diferente, porque tenho entendido que elas davam-lhe todo o que ganhavam o seu homem, portanto, nom eram independentes.
Dos feminismos reivindica-se muito a recuperaçom de referentes com nome de mulher para as meninhas, em diferentes âmbitos. Mas quantas luitas coletivas protagonizadas por mulheres temos neste país que seria importante que as crianças conhecessem?
Muitíssimas! Nom sei se está feito de maneira consciente ou nom. As mulheres, de facto, destacamos e fazemo-nos mais fortes nas luitas coletivas. Rompendo essa competitividade que nos impujo o patriarcado e virando aliadas e mais fortes juntas. Ocorrem-se-me, por exemplo, as conserveiras, marisqueiras…Mas é importantíssimo resgatar do esquecimento estas histórias.
Com este trabalho quigem fazer umha reflexom. Que teria sido do nosso rural se tivesse havido mais Présaras? Esta é a reflexom que me interessa.
A indústria téxtil em Vila Santar
‘Hilados y tejidos de Vilasantar’ foi umha fábrica têxtil que se assentou em Présaras (Vila Santar) em 1882 da mao de José Núñez de la Barca e Luis Miranda.
Em 1905 ocupava a 300 trabalhadoras e mais de 20 obreiros (homens).
A fábrica trabalhava peças de linho e algodom que figérom que durante o primeiro terço do século XIX o têxtil galego vivesse tempos de esplendor.
As mulheres começavam a trabalhar na fábrica aos 14 anos e percebiam um salário de 37 pesetas semanais.
O trabalho das mulheres fora da casa e o esplendor da industria téxtil converteu Présaras numha vila conhecida com todos os serviços e as melhores festas da comarca.
Após a guerra civil espanhola, a perda de poder adquisitivo e a entrada no mercado de teias da França, Bélgica, Inglaterra e a entrada no mercado do algodom catalám, que rebentou preços, esta industria entra em decadência. Em 1962 a fábrica sofre um incêndio e fecha.
A gestom da economia familiar por parte das mulheres mudou o modelo social da época.