Muitas das grandes transformaçons urbanas nom fôrom originadas por umha teoria ou por um plano urbanístico: umha nova tecnologia construtiva, umha decisom política, umha estratégia bancária ou um descobrimento médico podem fazer que a cidade mude em poucas décadas.
Umha das últimas mutaçons com um grande impacto na urbanidade das cidades galegas, e na qual o urbanismo nom participou na sua origem, foi a derivada da entrada em vigor da conhecida como “Lei anti-tabaco” em 2006 e, sobretodo, da posterior modificaçom introduzida em 2011.
A partir da aprovaçom destas leis muitos locais de hotelaria começárom a introduzir mudanças para se adaptarem a umha nova realidade normativa que, por muito que se lhes desse voz aos setores económicos afetados, já era um absoluto consenso social: o tabaquismo é um problema de saúde pública e, a partir desse momento, só se poderia fumar em espaços ao ar livre. As transformaçons introduzidas nestes locais tenhem a ver, portanto, com a criaçom de espaços abertos ou semi-abertos para se adaptarem à lei sem modificar o costume social de fumar nos restaurantes, nos bares e nos pubs, reconhecido como negativo mas enormemente estendido.
Além desta dimensom política e sociológica concreta, em termos urbanísticos a proibiçom total de fumar em espaços coletivos fechados implicou umha transformaçom radical da “cota zero” da cidade, o plano do espaço urbano onde se desenvolve a vida pública.
Esta transformaçom é devida ao facto de os locais de hotelaria serem umha das peças chave dos tecidos urbanos complexos e que tenhem umha atividade social intensa, mas também dos âmbitos mais difusos e contemporâneos da cidade-território. A relevância em termos qualitativos do que significam os bares, as cafetarias e os restaurantes nas sociedades europeias também pode ser medida do ponto de vista quantitativo, á luz dos dados que nos fornecem diferentes estudos (normalmente realizados por instituiçons interessadas). Se o espanhol é sempre um dos estados com mais locais deste tipo por habitante do mundo, e a Galiza, por sua vez, umha das comunidades com maior taxa do estado, podemos imaginar o impacto que terám as suas transformaçons nas ruas e nas estradas-ruas galegas.
As principais materializaçons deste processo de criaçom de espaços abertos ou semi-abertos nos locais de hotelaria seriam a multiplicaçons de esplanadas no espaço público, a apariçom de inovaçons tipológica como o retranqueio das fachadas e o pulo às edificaçons complexas que incluem espaços livres ou abertos.
A multiplicaçom das esplanadas no espaço público
A forma de criaçom de espaços ao ar livre mais estendida foi sem dúvida a expansom da superfície dos locais de hotelaria sobre o solo público: mesas e cadeiras a formarem esplanadas e ocuparem passeios, praças e jardins. Esta estratégia, que tem séculos de história, experimentou um crescimento tam rápido que provocou a apariçom de certos conflitos polo uso do espaço urbano e pola sua mercantilizaçom. Umha situaçom que fijo surgir novas regulaçons municipais para fazer frente aos problemas dumha excessiva privatizaçom do espaço público.
A forma de criaçom de espaços ao ar livre mais estendida foi sem dúvida a expansom da superfície dos locais de hotelaria sobre o solo público: mesas e cadeiras a formarem esplanadas e ocuparem passeios, praças e jardins. Esta estratégia, que tem séculos de história, experimentou um crescimento tam rápido que provocou a apariçom de certos conflitos polo uso do espaço urbano e pola sua mercantilizaçom.
Mas o debate segue aberto. As administraçons atuárom nos casos em que a ocupaçom da via pública polas esplanadas implicava um problema de segurança em caso de emergência, um problema de mobilidade e acessibilidade para os fluxos pedonais ou um problema grave de convivência cidadá pola sua massificaçom. Mas naqueles casos em que “apenas” estám a ser comprometidos os usos públicos do espaço urbano frente aos privativos, estám a ser muito mais permissivas.
Algumhas notas mais rápidas e breves ajudam-nos a ter em conta outras questons neste debate, se se parte dumha perspetiva crítica. Em primeiro lugar, podemos observar como, em comparaçom com o resto de esplanadas da praça junto ao Panteom de Roma, a do McDonald’s é praticamente um equipamento público que, por um euro, assegura o descanso e umha estadia espetacular durante o tempo que se quiger. Outro razoamento diferente é que o nos indica, num momento em que o problema do esvaziado das ruas e da falta de atividade comercial é, em quase todos os contextos urbanos, muito mais grave do que a sua massificaçom ou privatizaçom (pensemos nos dados da evoluçom do setor da comida a domicílio ou das compras pola internet em geral), que devemos reconhecer que as esplanadas sempre dam vida à cidade. Umha terceira nota tem a ver com que as esplanadas tamém podem ocupar o espaço público reservado na atualidade para o veículo privado, como podemos apreciar na da Parrillada Fuentes em Meicende, na da cafetaria Maripepa em Silheda ou na do restaurante Pizza Pop em Ogrobe.
A apariçom dos retranqueios nas fachadas / Os retranqueios nas fachadas
A inovaçom tipológica mais estendida é com certeza a do retranqueio da fachada dos locais para gerar um espaço estancial aberto e em contacto direto com a rua. Um novo espaço que nom apenas ocupa o solo público, como as esplanadas convencionais, senom que implica umha expansom do espaço público percebido através dum umbral difuso que enriquece a experiência urbana: frente à ocupaçom das esplanadas, a generosidade dos retranqueios.
Um novo espaço que nom apenas ocupa o solo público, como as esplanadas convencionais, senom que implica umha expansom do espaço público percebido através dum umbral difuso que enriquece a experiência urbana: frente à ocupaçom das esplanadas, a generosidade dos retranqueios.
Estes novos espaços materializam-se de jeitos mui diversos, desde retranqueios mínimos em que só se instala um pequeno balcom de atendimento ou um banco, até a criaçom de autênticas salas de estar com todos os detalhes de domesticidade. Além disso, complementam os portais, os muros e as montras, fazendo mais complexa a pele da cidade e permitindo umha maior perceçom de gente nas ruas, um parâmetro fundamental em termos de vitalidade, de segurança e de interesse urbano.
O problema desta forma arquitetónica é que nom cumpre com a legislaçom, dado que em realidade, e como é bem sabido, é ilegal fumar nestes espaços. A lei é clara neste sentido: “no âmbito da hotelaria, entende-se por espaço ao ar livre todo espaço nom coberto ou todo espaço que estando coberto estiver rodeado lateralmente por um máximo de duas paredes, muros ou paramentos”.
Os retranqueios de que estamos a falar som sempre cobertos e na grande maioria dos casos tenhem três laterais fechados (a nova fachada do local afastada e os dous limites do local ou do edifício com as parcelas anexas) e só um lateral aberto em contacto com a rua. Os únicos casos em que se cumpriria a lei seriam os dos locais em esquina, como a cervejaria 122 na rua Juan Flórez ou o bar La Urbana, na praça Josep Sellier Loup, os dous na Corunha, já que contam com dous lados fechados e dous lados abertos. Haveria outros casos especiais, como o da cafetaria El Reloj na rua de Santa Catalina, na mesma cidade, que ao ter umha forma triangular tem só dous lados fechados.
Contodo, há umha importantíssima variabilidade formal em termos de altura, de proporçom largo-fundo ou do grau de abertura do oco, que determina completamente as condiçons ambientais de cada um destes espaços. Tendo em conta as suas achegas à cidade, é possível que pague a pena imaginar como seguir a fomentar a sua apariçom. Poderiam diferenciar-se, por exemplo, segundo a sua forma e condiçons ambientais em termos de renovaçom do ar, um parâmetro facilmente objetivável. Tamém se poderia impedir o serviço nelas no caso de que seja permitido fumar, obrigando as pessoas usuárias a terem que pedir no interior dos locais as suas consumiçons.
O pulo às edificaçons com espaços livres ou abertos / As edificaçons com espaços livres ou abertos
Outra das consequência importantes da nova lei foi o pulo aos edifícios complexos que incluem espaços ao ar livre na parcela ou áreas abertas nas próprias construçons. No contexto do capitalismo imobiliário espanhol é quase extraordinário que a colmatagem total da parcela pola edificaçom e do volume construível por espaços fechados nom sejam já as únicas possibilidades que se contemplam. Esta questom é normal noutros países, sobretodo naqueles em que dominam os tecidos de baixa densidade ou em que as edificaçons isentas e de pequeno tamanho ainda podem fazer parte dos centros urbanos com normalidade.
Outra das consequência importantes da nova lei foi o pulo aos edifícios complexos que incluem espaços ao ar livre na parcela ou áreas abertas nas próprias construçons.
Se centrarmos o foco da nossa análise na cidade da Corunha poderíamos salientar diferentes tipos destas edificaçons. Em primeiro lugar, locais que ocupam mas nom colmatam toda a sua parcela, polo que disponhem de espaços livres utilizáveis como esplanadas. Trata-se de espaços às vezes abertos diretamente ao espaço público, como a cafetaria Copacabana nos jardins de Méndez Núñez ou novos locais de estrada-rua como o McDonald’s ou o Burger King na Agrela, que mostram como nem sequer dependem do acesso a umhas vistas especiais ou a um contexto urbano consensualmente agradável.
Às vezes, estes espaços estám desenhados para que seja necessário atravessar o local como filtro para aceder a eles, em casos como a cafetaria-discoteca Moon 57, em Sam Roque de Fora. Nesta mesma categoria, nom podemos deixar de mencionar dous espaços já desaparecidos, mas que permanecem na memória coletiva da cidade: a esplanada arvorada da cervejaria Estrella Galicia nos Quatro Caminhos, situada junto à que era a fábrica até inícios dos anos 70, e a esplanada com piscina da discoteca Pachá, aberta até meados dos anos 90 nas Júvias de Arriba.
Outra variante desta primeira tipologia é a reutilizaçom de instalaçons com outras atividades prévias que dispunham de espaços livres, de modo que os novos locais hoteleiros usam estas superfícies como esplanadas. Seriam os casos da vinhoteca-cervejaria La Brújula, em Marçám, ou do pub El Guateque, na Agrela.
Além deste primeiro tipo e das suas variantes encontramos múltiplas possibilidades. Desde locais com umha entrada tradicional configurada como um espaço livre emparreirado que hoje se usa como esplanada – seria o caso do Café-bar La Parra em Monte Alto ou do restaurante Calixto em Santa Cruz – até edificaçons complexas com espaços livres em cotas altas e com umha certa condiçom de miradouros. Este último seria o caso do bar O Portiño, junto ao porto de Sam Pedro, a tasca A Toquera nas Júvias, o café-restaurante La Pérgola no Castro de Elvinha, o café-miradouro Atalaya nos Jardins de Méndez Núñez ou o novo Burger King na avenida da Passagem. Também podem aparecer esplanadas de uso coletivos em cotas altas dentro de edificaçons em altura, como no Casino Atlántico nos jardins de Méndez Núñez, no restaurante Pescador em Portonovo ou na cafetaria do albergue Arraigos em Melide.
A última das tipologias detetadas está baseada numha estratégia maravilhosa: a ocupaçom com as esplanadas dos locais de terrenos e parcelas nom edificadas, normalmente num espaço contíguo, como acontece na cervejaria Conde no bairro da Milagrosa em Lugo ou no café-bar Pastor em Sárria. Mas às vezes acontece que estas esplanadas se situam frente ao local, como no café-bar Larada em Malpica. Cumpre ressaltar que esta forma de criaçom de espaços livres vinculados à hotelaria, que por desgraça é cada vez mais impensável nos centros das cidades, é umha das múltiplas possibilidades de uso que oferecem os tecidos urbanos de edificaçom descontínua, mui comuns na Galiza, mas mediaticamente doestados como simples “paisagens de medianeiras”.
A apariçom dum novo limite alheio ao mundo do urbanismo aumentou a sua diversidade formal e a sua relaçom com a rua dum jeito mui sensível, até o ponto de poder afirmar que a vida nas cidades melhorou com esta mudança também da perspetiva urbanística.
Ainda que som muitos os problemas associados aos locais de hotelaria da perspetiva da precariedade laboral, da convivência cidadá, da crítica feminista ou do modelo de lazer-consumo que fomentam – por indicar só alguns exemplos de questons em debate na atualidade – trata-se dumha peça material importantíssima como espaços estanciais de sociabilidade dentro da diversidade de lugares e atividades a que aspira umha cidade interessante. A apariçom dum novo limite alheio ao mundo do urbanismo aumentou a sua diversidade formal e a sua relaçom com a rua dum jeito mui sensível, até o ponto de poder afirmar que a vida nas cidades melhorou com esta mudança também da perspetiva urbanística.
Enquanto umha boa parte do grémio está apanhado no buraco do urbanismo legal e imobiliário, ou entretido na luita contra o chamado “feismo” das cores das vivendas e dos fechos-sommier, o sistema Estado-Mercado segue a gerar bolhas e processos urbanos contra o direito à cidade. O Ministério da Saúde, por seu turno, é quem se ocupa agora de melhorar a urbanidade do território.