Existe umha brincadeira no mundo literário anglosaxón sobre umha autora que vai escrever umha novela distópica e que nos cinco anos que tarda em fazê.lo a distopia torna-se real. Este mecanismo é similar ao que subjaze a Longa noite. Desde a primeira linha de guiom nom podemos evitar pensar na pertinência e atualidade desses textos de há mais de 60 anos. As imagens pertencem a um nom tempo e um nom lugar, só aquilo que as imbrica com o após-guerra civil espanhol som as obras literárias e testemunhos escritos que as guían. Todo o demais da narraçom estabelecemo-lo os espetadores e as maravilhosas imagens de Eloy Enciso e Mauro Herce. É um cinema que nos fai trabalhar, que nom aceita um consumo passivo, prói no pensamento e fai que agromem semelhanças e extrapolaçons que ferem e doem. Ferem e doem, provavelmente, porque as sentimos mais perto do devido.
Desde a primeira linha de guiom nom podemos evitar pensar na pertinência e atualidade desses textos de há mais de 60 anos. As imagens pertencem a um nom tempo e um nom lugar.
Longa noite estrutura-se em três partes, cada umha delas marcada por umha forma da palavra. Na primeira predominam os diálogos e corresponde à chegada do retornado, a sua tomada de contacto com um mundo de que estava afastado, daí o acaído uso da dialética, como sintoma da estranheza do estrangeiro que nom o é realmente: interroga e é interrogado.
Na segunda parte os monólogos tomam protagonismo, e neles Anxo, o retornado, acha a explicaçom de muito do que se passa ao seu redor. Nesta parte do filme o discurso elabora-se em torno a umha palavra que acolhe porque tenta buscar sentido e consegue a identificaçom através do relato da experiência própria: tu és como eu porque me vejo refletido na tua situaçom. Sucede como se a estranheza da primeira parte se estendesse a toda a sociedade. Anxo entende entom que, em certo modo, todos somos retornados e que todos estamos alheados. O monólogo do personagem de Henrique sobre o medo, tomado dumha obra de Rodolfo Fogwilh e parte do monologo de Celsa sobre o ostracismo, dum ensaio de José María Aroca, explicam como funciona a repressom e o que há trás dela. O que fica é um fundo abatimento.
A terceira parte vai da mao dumha voz em off, que reconhecemos como a de Anxo, que lê testemunhos epistolares de presas e presos, enquanto a noite que dava certo acobilho ao retornado vai esvaecendo. A claridade do dia nom afasta os pesadelos da noite senom que lhes outorga realidade, teremos que viver com o negrura interior que nos deixou a longa noite. A síntese do alheamento individual da primeira parte com o alheamento coletivo da segunda parte desemboca numha identificaçom da estranheza, do desacougo e do mau-estar como o algo próprio dos que estamos vendo o filme: passárom 80 anos pero ainda somos capazes de identificar a alongada sombra da longa noite nessas verbas documentais e no negror das imagens.
Cabe perguntar-nos também polas condiçons materiais de possibilidade do filme. Nom só pola disposiçom dumha produçom e umha distribuiçom que assumem responsabilidades mais alem dos lucros, mas também porque estamos diante dum produto afastado da indústria do entretenimento que predomina no cinema. Galiza leva tempo artelhando umha cinematografia própria e ao mesmo tempo diversa que se pode reconhecer com a etiqueta de Novo Cinema Galego. Este pequeno pero efetivo ecossistema permite produçons como O que arde e Longa noite no 2019, bem como outros exemplos em anos anteriores, o próprio Enciso com Arraianos em 2012. Devecemos por confirmar que outro cinema é possível.