Som duas as aceiçons da etiqueta Novo cinema galego (NCG), acunhada na revista Acto de Primavera em 2010. O nome original nasceu com vocaçom profética, propagandística e inclusiva, e anunciava o irrebatível sucesso do cinema galego em festivais internacionais. Era um selo que dava fé de nascimento e que qualquer cineasta podia usar à vontade, sem limites formais nem temporais. Um lustro depois o arquivo Novo Cinema Galego apostou numha definiçom mais científica e reducionista, segundo a qual o NCG era aquele nom industrial, vanguardista, de vocaçom galega e limitado no tempo à década 2005–2015.
Os corpos, em ‘O Corno’, som das mulheres que parem, abortam, trabalham, aleitam, bailam e fodem
A primeira aceiçom olhava para o futuro e ajudou a conformar umha filmografia inovadora; a segunda olhava para o passado para analisar com rigor o acontecido. Tudo o que véu depois de 2015 nom seria estritamente NCG, mas consequências do NCG, epígonos, sucessoras, reboques, umha Segunda vaga de vocaçom industrial e profissional que, porém, soubo incorporar a madurez artística do NCG.
O corno, de Jaione Camborda, é um bom exemplo deste modelo: umha produçom ambiciosa que nom renuncia a um estilo pessoal e pausado e que obtém sem esforço um prémio da categoria da Concha de Ouro no Donostia Zinemaldia. O galardom, que supera a marca de Oliver Laxe em Cannes, é significativo pola sua dimensom social e, em consequência, porque ajuda a normalizar a utilizaçom do galego nos diálogos e a presença de umha mulher na direçom. Camborda, com olhar fresco, progride polo frutífero carreiro do neorruralismo que já trilhárom A esmorga (2014) e O que arde (2019), colheitando os mesmos êxitos de crítica e público.
Eloy Domínguez Serén estreava Os corpos (2020) durante a pandemia, e a fisicidade das imagens, a proximidade de rostos e máscaras da cˆamara, os contactos entre os corpos, as massas humanas e o barro sobre a pel, resultavam balsâmicos em pleno confinamento. O corno, com um ritmo mais pausado, comparte todas essas características, mas de um ponto de vista profundamente feminino. Os corpos, aqui, som os das mulheres que parem, abortam, trabalham, aleitam, bailam e fodem; as peles sujam-se de lama, terra, sangue e leite, tanto no trabalho como no prazer, no parto como na fugida. Camborda, de um feminismo essencialista que parte, como o de Júlia Kristeva, da própria experiência como mãe, reivindica a animalidade, mesmo a bestialidade, dos corpos humanos, que nom podem fugir da sua condiçom mamífera. Som corpos perplexos que surgem da terra, que confundem o nascimento com o orgasmo e com o aborto, que sangram e se emporcalham e deitam leite nuns atos e nos contrários (na lactaçom e na prostituiçom), que partem do pessoal (como fai a mesma cineasta) para se adentrarem no político (o autoaborto de Maria, cicatriz mediante, converte‑a em ativista), que se prostituem ou se vendem ao mercado por trinta escudos.
A primeira sequência, um longo parto de quase 10 minutos (que, com base na “escritura feminina” preconizada por Hélène Cixous, esquiva sabiamente a “olhada masculina” externa e a imagem apoteótica do nascimento para centrar-se nas sensaçons da parturiente), provê o quadro interpretativo: fala-se a partir da singularidade do corpo feminino e da ajuda solidária, ao mesmo tempo que se reconhece a cumplicidade do homem. Esta sororidade, presente ao longo de toda a película, nom renuncia a, bem ao contrário parte de, a condiçom animal mamífera, como se ilustra na penúltima sequência, em que umha manada de vacas (que lembra as cavaladas filmadas por Camborda em Rapa das Bestas [2017]) cruza o rio fronteiriço, sem permissons políticas, protegendo-se mutuamente e cuidando dos frágeis cuxos: o que umha só nom fai, o grupo consegue. A força destas duas cenas fai-nos esquecer certas debilidades e inconsistências narrativas, que forçam em demasia a suspensom da incredulidade.