Em Novembro de 2013 a polícia detivo em Barcelona as anarquistas chilenas Mónica Caballero Sepúlveda e Francisco Solar Domínguez. Eram as primeiras presas dumha forte vaga repressiva do Estado espanhol contra o movimento anarquista e, até o de agora, as únicas que resultárom condenadas. Enquanto mantínhamos esta conversa o Tribunal Supremo fixou a condena em quatro anos e meio de prisom para cada umha. Compartimos aqui agora, mais ou menos ordenadas, as ideias que fomos enfiando enquanto corríamos no pátio ou através do ‘correio intermodular’. [Nota: As duas anarquistas voltárom recentemente a Chile após fora comutada o resto da condena, depois de passarem um ano em prisom, em troca da expulsom do estado espanhol].
Após umha série de operaçons policiais que culminárom com a vossa detençom, em que estado se encontra agora a repressom do anarquismo no estado espanhol?
Mónica e Francisco: Atualmente há 34 pessoas imputadas na Audiência Nacional por pertença a ‘organizaçom anarquista terrorista’. Há uns meses o Tribunal de Instruçom nº3 da Audiência Nacional arquivou a causa contra nove pessoas mais, detidas na operaçom denominada Pandora III, por nom haver indícios da pertença a organizaçom ‘terrorista’, nem da existência da mesma. Para isso contribuiu também a sentença do nosso caso, que nos absolveu de dito cargo.
há 34 pessoas imputadas na Audiência Nacional por pertença a ‘organizaçom anarquista terrorista’
A organizaçom anarquista à qual se nos queria atribuir participaçom, e da que se pretende provar participaçom à gente dos entornos anarquistas, teria o nome de GAC/FAI/FRI (Grupos Anarquistas Coordinados / Federaçom Anarquista Informal / Frente Revolucionária Internacional). Segundo a tese da fiscalia, a primeira (GAC) seria umha agrupaçom de células que planificariam diversas açons dentro do estado espanhol, enquanto a segunda e terceira seriam ‘umha marca de ataque’ que usam grupos anarquistas para reivindicar as açons. Aliás, GAC seria a ‘sucursal’ ibérica de FAI/FRI, argumento com o qual a fiscalia procurava dar peso à sua imaginativa teoria.
O tribunal que nos condenou negou taxativamente que GAC tivesse carácter terrorista, mesmo questionou que fosse umha organizaçom argumentando que estas necessariamente deviam ser hierarquizadas e estruturadas.
É importante assinalar que a maior parte de imputadas só se as acusa de pertença a esta suposta ‘organizaçom terrorista’ e todas elas se encontram na rua. Porém, há cinco moços também imputados por pertença a organizaçom terrorista, nom especificando a que ou a qual se refere, só que pertenceriam a um coletivo straight edge. [Nota: um destes moços passou 488 dias em prisom sem julgamento].
A magnitude das detençons, registos e alheamentos nas quatro operaçons antianarquistas evidentemente afetou aos espaços libertários, especialmente em Madrid e Barcelona. A isto soma-se o facto de que as acusaçons som sumamente ambíguas, dando a sensaçom de que qualquer pessoa cercana às ideias e práticas anarquistas pode rematar na cadeia. Esta sensaçom, segundo a nossa apreciaçom, acarretou certo imobilismo da atividade anarquista. Mas vemos que começa a colher novas energias e fortalecer-se depois dos golpes recebidos.
as acusaçons som sumamente ambíguas, dando a sensaçom de que qualquer pessoa cercana às ideias e práticas anarquistas pode rematar na cadeia
No vosso caso também fostes detidas, encarceradas e julgadas em Chile, um estado com bastantes semelhanças no terreno repressivo com o espanhol. Quais diferenças estades a viver entre um estado e outro?
F: Embora há bastantes semelhanças, também há muitas e marcadas diferenças segundo temos podido comprovar. No plano jurídico, se bem entendemos que em nengum estado existe isso que chamam ‘separaçom de poderes’, cremos que o estado espanhol representa um claro exemplo disto. A figura do juiz instrutor na justiça chilena nom existe, ali só é a fiscalia a que investiga e pede diligências à polícia e peritos. Em Chile tampouco existe um tribunal de exceçom como a Audiência Nacional, mesmo os casos onde se acusa por ‘terrorismo’ som levados por tribunais ordinários onde os juízes nom som cargos políticos, a diferença do que sucede nos tribunais herdeiros do Tribunal de Ordem Público franquista. Isto último chamou-nos particularmente a atençom na fase de instruçom, onde o juiz Eloy Velasco foi muito mais veemente e acusador que a própria fiscal nos interrogatórios. Algo similar sucedeu no julgamento: desde um princípio tivemos a certeza de que seriamos condenados já que a atitude e intervençons da juíza presidenta da sala eram claras e nom davam espaço a dúvidas. Na Audiencia Nacional os julgamentos som um mero trâmite além de serem bastante breves. O nosso durou três dias, a diferença do que tivemos em Chile que tardou seis meses com sessons todos os dias, umhas 180 sessons. Segundo a nossa apreciaçom a condena estava já ditada e o que se debateria eram os anos e os cargos que nos dariam. A esta sensaçom contribuírom as declaraçons policiais que se caraterizaram pola sua falta de prolixidade. Dava a sensaçom de que os próprios polícias eram cientes de que nom era necessário esforçar-se demasiado já que a condena estava assegurada.
Em Chile nom existe um tribunal de exceçom como a Audiência Nacional, mesmo os casos onde se acusa por ‘terrorismo’ som levados por tribunais ordinários
Polo contrário, no julgamento que tivemos em Chile, as declaraçons duravam dias completos, nas quais apesar de que se evidenciava falta de experiência na matéria (foi o primeiro julgamento contra um grupo de anarquistas na história recente de Chile), pudo-se apreciar o esforço por dar um relato completo e coerente. Este esforço que mostrou a polícia e fiscalia chilenas deu-se em todo o processo, o qual estivo marcado pola tentativa de buscar pessoas que se infiltraram nos espaços anarquistas para depois serem utilizados como testemunhas. Mesmo quando estivemos presos a fiscalia comprou um preso para que se acercasse a nós e depois testificasse a informaçom que conseguisse tirar. A fiscalia chilena era consciente de que com o que tinha nom podia conseguir condena algumha, o que afinal sucedeu, por isso se viu na necessidade de recorrer a esse tipo de estratégias, no entanto aqui nom lhes é necessário já que com o mínimo asseguram umha condena. A nós condenárom-nos só com indícios, nom havia nenhumha prova material, o único com o que contavam é com a nossa posiçom política já que nunca ocultamos a nossa postura anárquica.
‘O juiz Eloy Velasco foi muito mais veemente e acusador que a própria fiscal nos interrogatórios’
No plano da cobertura mediática também percebemos diferenças significativas. Quiçá isto se deva a que os processos foram diferentes: em Chile fomos catorze acusadas de ‘associaçom ilícita terrorista’ e de colocaçom de trinta artefatos explosivos, das quais fomos apenas seis a juízo com os cargos particulares já que a acusaçom por associaçom ilícita finalmente arquivou-se. Aqui fomos inicialmente cinco imputadas, das quais apenas as duas fomos a julgamento acusadas de pertença a organizaçom terrorista, estragos e conspiraçom. Em Chile os ‘bombaços anarquistas’, como foi chamado mediaticamente, foi um tema que estivo na palestra noticiosa durante anos, sendo objeto de reportagens, investigaçons e editoriais dos principais jornais do país nos quais se criticava a ineficácia policial ao nom conseguirem identificar os responsáveis do que por essa época eram mais de cem açons com artefatos explosivos. Tanto a imprensa conservadora quanto a progressista tentárom absurdamente tirar o conteúdo político às formulaçons e práticas anarquistas falando permanentemente do ‘lumpen autodenominado anarquista’. Portanto, umha vez realizadas as detençons, a cobertura do caso foi total. Publicavam-se até os mais mínimos detalhes do decorrer da investigaçom e a imprensa validou cada umha das teorias da fiscalia.
A nós condenárom-nos só com indícios, nom havia nenhumha prova material, o único com o que contavam é com a nossa posiçom política já que nunca ocultamos a nossa postura anárquica
Se bem no estado espanhol também houvo certo balbordo mediático, nom se lhe deu tanta cobertura como em Chile. Evidentemente, os meios de comunicaçom como ferramenta de poder som parte fundamental do mantimento do estabelecido, portanto sempre corroborarám a versom policial. Porém, nestes territórios nos últimos anos nom houvo umha vaga de açons anarquistas como as que se dérom (e se dam) em Chile polo que o tema nom estava em boga a nível mediático, ao que podemos adicionar que aqui, segundo a nossa perceçom, há umha clara pretensom por parte dos meios de comunicaçom do poder de ocultar determinadas notícias que dam conta de certa conflituosidade social.
M: Se bem a realidade do tratamento carcerário nas prisons do território espnahol é muito heterogéneo, já que cada direçom carcerária aplica a normativa segundo a sua interpretaçom da mesma, na minha experiência nom encontrei muitas semelhanças com o que conhecim em Chile, e isto deve-se principalmente a que ali nom existe umha política de exceçom.
Aqui ‘Instituciones Penitenciarias’ leva muitíssimos anos a utilizar diversas ferramentas para castigar os inimigos do seu prezado Estado, existe umha grande estrutura diligente capaz de isolar-te e conduzir-te ao outro estremo da península em tempo bastante curto, a dispersom nom é umha prática habitual no lugar onde provimos.
Aliás, como dizíamos anteriormente há muito tempo que nom se processava alguém pola lei antiterrorista (no momento em que nos detiveram, porque atualmente isto mudou) que nom fosse mapuche, polo que nom existia um controlo específico para presos com as ‘nossas características’. Todos nos achávamos em módulos de alta segurança, algo parecido com os de isolamento ou de primeiro grau aqui. Neles costuma haver de forma transitória presos refratários e/ou protagonistas de desordens graves ou fugas. Os que estavam permanentemente na sua maioria eram cabeças de grandes bandas de narcotráfico. No caso dos rapazes também se encontravam com ex-militantes de algumhas organizaçons revolucionárias que nos anos 80 e 90 luitárom contra a ditadura e princípios da democracia, e que voltárom à prisom por delitos como atracos.
Em Chile há muito tempo que nom se processava alguém pola lei antiterrorista (no momento em que nos detiveram, porque atualmente isto mudou) que nom fosse mapuche, polo que nom existia um controlo específico para presos com as ‘nossas características’
Para o corpo de carcereiros em Chile fomos algo assim como um ‘bicho estranho’, por umha parte compartimos formas e códigos dos antigos presos políticos, mas nom tínhamos as suas lógicas partidistas ou qualquer tipo de hierarquia. Com o resto de presos a situaçom foi parecida, apenas quem conheciam o mundo cacerário de havia tempo podiam compreender os motivos que nos levaram a prisom.
E no nível de movimentos populares? Aqui temos a imagem de que os movimentos sociais chilenos som mais combativos, em geral, que os do estado espanhol.
F: O nível de conflituosidade social que se vive em Chile é mais intenso. As diversas expressons políticas contestatárias utilizam constantemente o confronto na rua, o que em certo modo está normalizado e é olhado sem surpresa polo conjunto da sociedade.
Acho que o movimento popular mais forte que se deu em Chile nos últimos anos é o estudantil, nom o universitário, senom o dos colégios que tivérom em jaque os últimos governantes com as suas greves e ocupaçons. As suas multitudinárias manifestaçons som permanentes tornando, polo menos umha vez por semana, o centro de Santiago num verdadeiro campo de batalha. As ocupaçons dos estabelecimentos duravam em muitos casos todo o ano escolar, onde o estudantado tomava o controlo dos seus colégios levando a cabo iniciativas autónomas. Os partidos políticos por mais que tentárom apropriar-se e, portanto, apagar este movimento fracassárom estrepitosamente. Em definitiva, rejeitou-se levar o movimento polas vias cívicas e essa, acho, é a grande diferença com os movimentos populares do estado espanhol, os quais, segundo a minha opiniom, estám demasiado enquadrados na legalidade. É lamentável ver como iniciativas autónomas rematam fagocitadas pola política institucional. O civismo calhou em grande parte da populaçom e os movimentos populares nom fôrom a exeçom. Desta forma um amplo setor dos movimentos sociais optou pola via institucional dando origem a diversos partidos políticos que, como temos visto, em pouco ou nada se diferenciam dos tradicionais. Polo tanto, creio que em geral os movimentos sociais do estado espanhol representam um freio às expressons de combatividade ao intentar levá-las polo caminho legal e cívico.
Ora bem, dentro da dinâmica dos movimentos populares chilenos as expressons machistas som umha constante que, ao parecer, pouco a pouco se começa a combater com o auge de grupos feministas ativos. Polo contrário, os grupos feministas que tivem a oportunidade de conhecer em Barcelona tenhem um discurso e umha prática antipatriarcal sustentadas em anos de trabalho e luita, o qual influiu notoriamente nos movimentos populares.