Dizia Outeiro Pedralho no seu Guía de Galicia: “A rocha granítica e xistosa predominante, o mar e a atmosfera atlântica, o prolixo tapete vegetal e a ação de uma longa história camponesa, são os principais fatores dos aspetos variadíssimos – dentro de uma lei geral que tende à expressividade dos matizes melhor que das formas –, da paisagem da Galiza”.
Ainda que a maioria das pessoas tenha uma ideia intuitiva do significado da palavra paisagem, seria muito difícil chegar-se a um acordo na definição. O primeiro a tentar essa façanha foi o grande naturalista Alexander von Humboldt (1849), para ele a paisagem seria “o carácter duma área”. Muito mais recentemente, a Convenção Europeia da Paisagem (2000) falava em: “qualquer parte do território tal como a percebe a população, cujo carácter seja resultado da ação e da interação de fatores naturais e/ou humanos”.
Já o francês Olivier Dollfuss, na sua obra de referência L’Espace Géographique, entendeu as paisagens como o fruto da ação humana no espaço; diferenciando em função desta intervenção três grandes famílias de paisagens: as naturais, as modificadas e as organizadas. Na Galiza, como em geral na Europa, não existem paisagens naturais, “aquelas que não foram submetidas, em data recente polo menos, à ação do homem”; nem tampouco paisagens modificadas, fruto da ação das tribos de caçadores e colectores; portanto, as nossas são paisagens organizadas, “resultado duma ação meditada, combinada e contínua sobre o meio natural”.
Desde a Revolução Neolítica as nossas paisagens estão profundamente antropogenizadas. São paisagens modeladas conscientemente pola mão humana, que têm sofrido transformações constantes ao longo da história.
Desde a Revolução Neolítica as nossas paisagens estão profundamente antropogenizadas. São paisagens modeladas conscientemente pola mão humana, que têm sofrido transformações constantes ao longo da história. Com o surgimento da agricultura e o desenvolvimento da pecuária, os bosques, naquela altura predominantes, paulatinamente abriram espaço a um mosaico agroflorestal. Mas a partir da década de 50 do século XX, devido ao intervencionismo estatal no âmbito florestal e a um processo de modernização económica que chega até aos nossos dias, o ritmo vagaroso das mudanças que secularmente afetaram o nosso meio acelerou-se de maneira insuspeita. Iniciaram-se então uma série de alterações dramáticas que tiveram e estão a ter consequências diretas sobre as paisagens galegas:
- O despovoamento e envelhecimento demográfico do interior do país, com o abandono das culturas tradicionais.
- A concentração da população nas cidades e na faixa costeira, fenómeno a que se uniu a turistificação dos últimos anos, e que se conjugou com a urbanização de zonas do litoral que se tinham preservado em bom estado de conservação.
- A intensificação do modelo produtivo agropecuário, sendo especialmente relevantes as concentrações parcelares. Estas atingiram uma quinta parte da superfície galega e modificaram o minifundismo agrário, para além de terem eliminado de forma sistemática elementos da paisagem como corredoiras, árvores caducifólias, sebes e valados.
- O aumento das plantações florestais, com tendência para a monocultura de espécies do género Eucaliptus.
- O represamento dos principais rios com barragens para a produção de energia hidroelétrica.
- A presença maciça de parques eólicos nas nossas serras, com forte impacto visual.
- A construção de importantes infraestruturas de comunicação, como autoestradas, caminhos de ferro (p. ex. o AVE) ou grandes portos. Estes últimos perturbaram de forma significativa as correntes marinhas com afetação dos areais costeiros.
- A dessecação ou alteração de zonas húmidas (Antela, Cospeito, Baldaio, Gândaras de Budinho…).
- A deturpação da arquitetura popular, com importação de modelos alheios e introdução de novos materiais, que acabaram em intervenções construtivas pouco respeitadoras com os nossos valores culturais (o chamado “feísmo”).
Acreditamos que uma boa parte destas mudanças eram inevitáveis e mesmo necessárias para o progresso económico do país. Longe de nós um essencialismo estático na visão das paisagens galegas, entendemo-las como entes dinâmicos que mudam com as diferentes circunstâncias históricas e produtivas. No entanto, julgamos que seria preciso o estabelecimento de medidas corretoras, que impedissem uma fratura radical com o nosso passado, porque sabemos que quando falamos de paisagem, não pensamos apenas em território e património natural, mas também em cenários vitais, em geografias íntimas, em espaços identitários… lidamos com um conceito complexo, extremamente poliédrico e polissémico, que envolve aspectos cognitivos, percetivo-sensoriais, psíquico-emocionais e ‑como não?!?- culturais. A valoração de uma determinada paisagem é um fenómeno eminentemente cultural! Pensemos no prazer ou na rejeição que em cada um de nós pode produzir a contemplação de uma carvalheira, de um eucaliptal ou de uma gândara.
Em 2008 aprovava-se a Lei de Proteção da Paisagem da Galiza, que dividiu o território administrativo em doze Grandes Áreas Paisagísticas: Serras Orientais; Serras Sul-orientais; Chairas e Fossas Luguesas; Chairas, Fossas e Serras Ourensanas; Ribeiras Encaixadas do Minho e do Sil; Costa Sul-Baixo Minho; Galiza Central; Rias Baixas; Chairas e Fossas Ocidentais; Golfo Ártabro; Galiza Setentrional e Marinha-Baixo Eu. Esta lei contempla também “a possibilidade de delimitar Áreas de Especial Interesse Paisagístico em função dos valores naturais e culturais de determinadas zonas geográficas” para as incorporar num Catálogo das Paisagens da Galiza, que representará o inventário da nossa riqueza paisagística.
Mas infelizmente, e com a licença do mestre Pedralho, nos “montes em serra doce, em cúpula e meda”, nos “vales amplamente articulados” e nas “gândaras” da Galiza ocidental, nas “formas heróicas, duras, de vales estreitos” da Galiza oriental, “nos arcos do litoral bravo”, “nos seios da costa de rias” o processo de destruição continua. Desaparecem imagens que, guardadas nas nossas memórias, constituem parte da identidade individual e coletiva. Desaparecem as paisagens das nossas vidas.