Ao tubérculo que os indígenas chamavam papa ou pappa, os espanhóis logo lhe encontrárom semelhanças com a castanha europeia; Pedro Cieza de Leom dá notícia na sua La Crónica del Perú, explicando que era junto com o milho a base alimentícia dos índios, e que “es a manera de turmas de tierra, el cual después queda tan tierno por de dentro como castaña cocida”. Foi Cieza quem levou as patacas para Castela e desse lote algumha foi chegar ao Papa, quem por sua vez enviou mostras a Filipe de Sivry, governador de Mons, de quem as recebeu finalmente o botânico Charles de L’Ecluse (Clusius) e introduz o cultivo em 1588 nos Países Baixos. Clusius desenhou umha pequena lámina com a nova espécie, denominando‑a tartufoli, “pequena trufa”. Logo depois, em 1590, umha reproduçom da lámina chega a Gaspar Bauhin, em Basileia, quem a cultivou no seu jardim e lhe impujo o definitivo nome científico de Solanum Tuberosum.
Introduçom na Europa: um problema conceitual
Até aqui a história da receçom botânica ou científica da pataca na Europa, bem menos interessante do que a sua história político-social. A popularizaçom do seu cultivo, nom obstante o seu grande rendimento, foi bastante serôdio em relaçom com a descoberta, sobretudo pola razom de nom ser panificável e, também, por um obstáculo mental: a pataca, por muito que se comparasse formalmente com a castanha, ao medrar baixo a terra nom guardava semelhança com nengum outro alimento conhecido ‑excetuando, como se viu, a elitista trufa‑, favorecendo todo tipo de preconceitos. À margem do mais favorável caso ibérico, a pataca nom conseguiu popularizar-se no resto de Europa até meados do século XVIII, em boa medida graças aos esforços de Antoine Auguste Parmentier. Outro audaz divulgador do tubérculo índio foi Francis Drake, quem enviou a planta para John Gerarde para que a cultivasse nos seus jardins de Londres, realizando em 1596 um pioneiro estudo sobre a espécie. Mesmo noutro dos afamados povos de comedores-de-patacas, o irlandês, a pataca nom triunfou no começo em 1565, quando a levou à ilha o negreiro e pirata John Hawkins, tendo que aguardar polo definitivo sucesso até a reintroduçom do cultivo em 1584.
a introduçom da pataca supujo um enorme incremento da soberania alimentar do povo camponês, obtendo do tubérculo um rendimento nutricional 150% maior do que o obtido ao semear com cereais a mesma superfície de terra.
Para o caso galego estudárom em detalhe a sua introduçom historiadoras como María Xosé Rodríguez Galdo e Fausto Dopico ou Antonio Meijide Pardo. A fabulosa pataca (junto com o milho) tirou-nos, literalmente, as castanhas do lume: coincidindo com a crise provocada pola tinta do castinheiro no alimento base da dieta popular galega, a introduçom da pataca supujo um enorme incremento da soberania alimentar do povo camponês, obtendo do tubérculo um rendimento nutricional 150% maior do que o obtido ao semear com cereais a mesma superfície de terra. Este vegetal, que rematou com a fame, recebeu umha grande variedade de nomes ao longo do mosaico comarcal da naçom, indo da castanha marinha, criadilha, agostinha, castanhola, castanha índia até o nome que se rematou impondo na lusofonia e que também se achava na Galiza: batata. A relaçom com a castanha mantivo-se por tanto tempo na memória que na década de 1960, quando o antropólogo Carmelo Lisón Tolosana realiza o seu trabalho de campo na Galiza, os vizinhos de Adro de Rodis (Cerzeda), ainda lhe especificam que num ramo que faziam durante os festejos da sementeira colocavam “castanhas de castinheiro”, posto que às patacas nom só ainda lhes chamavam castanhas, senom que a castanha por antonomásia era o tubérculo, deslocando o fruto da árvore.
Um cultivo ‘underground’ e republicano
James C. Scott, no seu penetrante livro sobre as etnogêneses de sociedades contra o estado na Zomia ‑umha basta regiom montanhosa do sudeste asiático que abrange territórios de vários estados-naçons e as suas estratégias para evitarem ser estatalizadas, dedica um apartado à importância política da seleçom dos cultivos. Como é bem sabido, grandes impérios como o romano impujeram as monoculturas do cereal, do azeite e do vinho, nom só por motivos de imperialismo cultural, senom porque se trata de alimentos suscetíveis de serem facilmente acumulados, expropriados e transportados a grandes distâncias sem que se estraguem, favorecendo o fluxo de capitais ao serviço da metrópole.
Igualmente, umha das primeiras açons do governo franquista de guerra foi a criaçom do Sindicato Nacional del Trigo para abastecer as suas tropas à conta do espólio do trabalho labrego, causando fortes resistências no agro galego. Pois bem, James C. Scott dá conta de como as sociedades tradicionalmente resistentes à estatalizaçom foram escolhendo de preferência os cultivos de tubérculos, pois estes eram mais fáceis de ocultar ao estado e às suas características e podiam resistir às açons militares de rapina melhor do que os cereais. Aliás, ao nom serem suscetíveis dumha acumulaçom forte, deviam ser comidos ou distribuídos rapidamente; isto é, nom eram umha base material propícia para a criaçom de estratificaçom e desigualdades sociais.
Assim as cousas, o cultivo da pataca na Galiza tivo umha história política particular, marcada polo conflito com a Igreja, que pretendia vetar este alimento por afrodisíaco e suposto causante de graves doenças, mesmo de lepra. A verdadeira razom desta guerra eclesiástica contra as patacas nom foi outra, conforme explica o antropólogo Marcial Gondar, que a interpretaçom da disposiçom jurídica que obrigava os camponeses a “pagar diezmos y primicias a la Iglesia de Dios”, mas só dos produtos que medrem sobre a face da terra. Isto é, a substituiçom das culturas de cereais polas de patacas era também umha ferramenta política que permitia ao povo, legalmente, evitar a extraçom dos seus excedentes, que muitas vezes nem eram tais. Quando por exemplo Ramón Sánchez, crego de Brigos, dá argumentos teológicos aos seus paroquianos para lhe pagarem o dízimo da colheita de patacas, nom há outra interpretaçom possível que a política. A teologia é unicamente a forma que adota a oposiçom do poder eclesiástico ao rápido empoderamento popular que supujo a expansom do cultivo da castanha de Índias.
Ainda, a pataca protagonizou um outro episódio revolucionário na França quando, com a revoluçom e contra a fome, chegárom-se a cultivar estas plantas nos cortesaos jardins das Tulherias. “É também esse tempo” ‑assegura Martínez Llopis- “quando aparecem em Paris os primeiros grandes restaurantes estabelecidos polos chefes de cozinha das casas nobres que tinham ficado sem emprego ao desaparecerem os seus senhores, fugidos, encarcerados ou imolados pola implacável guilhotina”. No ano III da República, umha desconhecida Mme. Mérigot publica umha apologia revolucionária da pataca, solenemente intitulada La Cuisinière républicaine qui enseigne la manière d’accommoder les pommes de terre avec quelques avis sur les soins nécessaires pour les conserver. Vivam as patacas!