Este foi um outono quente em Viana do Bolo, logo de que em outubro se fizesse pública uma providência do Tribunal Superior de Justiça da Galiza suspendendo cautelarmente a autorização que a Junta outorgou em 2022 para permitir que a mina de estanho e tântalo da Penouta voltasse a operar como mina a céu aberto.
Em realidade a mina de mais de 100 hectares já estava a funcionar desde 2013 sob o pretexto de uma autorização para reprocessar os depósitos de resíduos que ficaram abandonados desde finais dos anos 80. Durante esta última década, longe de cumprir as promessas de remediação ambiental, continuou a poluição com metais pesados (arsénio, mercúrio, cádmio e chumbo, entre outros) nos regos próximos.
Em 2018 o próprio serviço municipal de águas teve que denunciar em várias ocasiões a empresa mineira pela contaminação do sistema fluvial de que se obtém o subministro para a vila de Viana do Bolo. No ano seguinte a empresa é sancionada pela Confederação Hidrográfica Minho-Sil, mas apenas tem que pagar 10.000 euros, pois o organismo não fez análises dos quatro metais mais perigosos presentes nas águas. No final de 2020 o abastecimento de água de Viana teve que ser interrompido pela falha dum dos depósitos de resíduos mineiros. Com o início da exploração a céu aberto, que se iniciou mesmo antes da autorização formal em 2022, também se incrementaram os danos à população local pela contaminação atmosférica com partículas finas e pelos danos aos cursos de água.
Os impulsores do projeto da Penouta são os empresários venezuelanos Serafino Iacono, Miguel de la Campa e Jaime Pérez Branger, mais conhecidos na Colómbia pela sua atuação à frente da petroleira Pacific Rubiales e da mineradora de outro Grand Colombia Gold
No entanto, foi a proximidade ao espaço da Rede Natura 2000 de Pena Trevinca o que motivou a demanda de Ecologistas em Ação, depois de que durante o trâmite ambiental a Junta ignorasse todas as alegações feitas por meia dúzia de coletivos. Frente às advertências de contaminação com metais pesados ou a ausência de uma avaliação sobre os efeitos na Rede Natura 2000, a Declaração de Impacto Ambiental apenas indicou que estas não tinham relação “co ámbito no que se desenvolve o proxecto, referentes a cuestións que os correspondentes órganos competentes xa tiveron en conta”.
O Tribunal Superior de Justiça sim as teve em consideração quando foi elevado recurso contencioso, desatando uma tormenta, na qual a empresa mobilizou o quadro operário, sindicatos, políticos locais e comunicação social para tentar influenciar a decisão judicial de levantar ou não a suspensão cautelar da autorização.
Más companhias: quem está detrás da Penouta?
Nas manifestações organizadas pela empresa em Viana e na Corunha a ira foi dirigida contra a organização ecologista que iniciou a demanda, numa tentativa de influenciar o tribunal deslegitimando e criminalizando o movimento ambientalista. Poucas pararam para perguntar quem está detrás da empresa supostamente modelar e aparentemente canadense que dirige o espetáculo.
Até 2015, Strategic Minerals chamou-se Pacific Strategic Minerals. A mudança de denominação procurava consolidar um certo ar de respeitabilidade e ocultar o seu vínculo com os negócios dos seus principais acionistas e diretivos. Os principais impulsores do projeto da Penouta não são outros que os empresários venezuelanos Serafino Iacono, Miguel de la Campa e Jaime Pérez Branger, mais conhecidos na Colômbia pela sua atuação à frente da petroleira Pacific Rubiales e da mineradora de ouro Gran Colombia Gold.
Logo do fracassado golpe de estado contra Hugo Chávez em 2002, Iacono, de la Campa e Pérez Branger, junto com Franscisco Arata, construíram um novo empório petroleiro na Colômbia que os acolheu. Da mão dos presidentes Álvaro Uribe e Juan Manuel Santos, e logo de receber 440 milhões de dólares da fundação do ex-presidente Bill Clinton, Pacific Ribiales chegou a produzir mais de 300.000 barris diários, na altura 30% da produção nacional. Nas eleições presidenciais de 2014 a empresa fez achegas às campanhas eleitorais por valor de 2,7 milhões de euros apesar de ter na altura dívidas multimilionárias.
Tal como descrevem numerosos relatórios, incluindo “Petróleo: Acumulación de agua y tierras en la Altillanura”, “El costo humano del petróleo”, “Pacific Rubiales: el coloso petrolero que cayó” e o documentário “Operación Pacific Rubiales”, detrás do negócio foram-se acumulando escândalo após escândalo: uso de paramilitares para atemorizar, sequestrar, estuprar e assassinar ativistas indígenas, ecologistas, sindicalistas e labregas; vulneração de direitos laborais e criação de sindicatos amarelos; poluição de rios e aquíferos; portas giratórias; evasão de impostos em paraísos fiscais; controlo da comunicação social e demandas contra jornalistas independentes; monopolização de terras; e finalmente, a quebra de 2016 que boa parte dos acionistas consideraram fraudulenta.
Só em 2012 foram assassinadas 32 pessoas implicadas nos conflitos com a petroleira em Puerto Gaitán, após o despedimento injustificado de 13.000 trabalhadores, incluindo mais de 3.000 afiliados do sindicato majoritário Unión Sindical Obrera. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos chegou até a ditar medidas cautelares para obrigar o governo colombiano a proteger ativistas e representantes das comunidades locais. Durante a sua atividade, a empresa converteu em zona de guerra mais de 55.000 hectares de terras agrárias e indígenas no departamento de Meta, submetidas ao férreo controle do exército, polícias, paramilitares e a segurança privada, todas a serviço de Pacific.
Durante a sua atividade, a Pacific converteu em zona de guerra mais de 55.000 hectares de terras agrárias e indígenas no departamento de Meta, em Colómbia
Em paralelo, os mesmos empresários lideraram outro projeto polémico de mineração de ouro, o da também falida Gran Colombia Gold, sempre através de empresas interpostas canadenses. A empresa, após ocupar aproximadamente 9.000 hectares na zona de Segovia-Remedios, recorreu novamente ao exército colombiano e a organizações paramilitares ligadas ao narcotráfico como o ‘Clan del Golfo’ para atacar e extorquir as comunidades de mineiros artesanais e encobrir denúncias por contaminação das águas.
Todo este empório foi criado sobre uma complexa trama empresarial formada por mais de 100 empresas em até 20 países distintos, incluindo paraísos fiscais como as Ilhas Virgens Britânicas e jurisdições opacas como Panamá. De facto, várias das empresas ligadas ao grupo estabelecidas pelo gabinete fiscal de Mossack Fonseca aparecem nos célebres ‘Panama Papers’. Uma das empresas registradas em Panamá é precisamente Pacific Strategic Minerals Corp.
Evasão à Galiza
É nos momentos prévios ao colapso e fuga de capitais que os três empresários venezuelanos da Pacific se fazem com a mina da Penouta e outros direitos mineiros na Galiza, aplicando os aprendizados da Colômbia para pacificar uma população local com promessas de emprego e aparência de sustentabilidade, sob a premissa que iria apenas reprocessar os resíduos e restaurar ambientalmente o espaço da antiga mina.
Em 2016 a empresa assina um convénio de colaboração com o Concelho de Viana do Bolo para “agilizar os trâmites necessários” e começa a patrocinar festas e atividades desportivas e a distribuir propaganda em centros de ensino enquanto recebe milhões de euros de fundos europeus (Horizon e FEDER), incluindo uma parceira do projeto ‘Tarântula’ que visava “desenhar estratégias de comunicação, difusão e participação da sociedade civil adaptadas para a obtenção e mantimento da licença social para operar”, eufemismo para a engenharia social e a contrainsurgência suave.
A estratégia teve êxito e em 2020, enquanto a empresa era sancionada pela Confederação Hidrográfica Minho-Sil, o rei espanhol Felipe VI e a ministra do ambiente Teresa Ribera entregaram a Strategic Minerals o “Premio Europeos de Medio Ambiente a la Empresa”, consolidando o lavado de cara a um capital formado por volta dos negócios petroleiros da Pacific. Na realidade, sob uma auto-imagem de produtora de coltan ‘livre de conflitos’, a empresa também importou as nefastas praxes ambientais que caracterizaram a passagem de Iacono, de la Campa e Branger pela Colômbia.
Porém, a evasão à Galiza não se limitou à antiga mina de Ruiz Mateos. Como dava conta o Novas em 2020, da mão de Francisco García Polonio, verdadeiro traficante de direitos mineiros através da sua empresa Salamanca Ingenieros, Pacific fez-se também com os permissos de investigação ‘Maite’, ‘Carlota’ e ‘Macarena’, que precisamente levam os nomes da mulher e filhas deste, assim como ‘Alberta II’. Estas licenças nos concelhos de Aviom, Beariz, Boborás, Covelo e A Lama ocupam uma zona da Serra do Suido que fora designada em 2008 e 2011 para a sua inclusão na Rede Natura 2000, mas que a Junta nunca chegou a catalogar como tal. A falta de proteção de habitats prioritários como os do Suido motivou, precisamente, um procedimento de infração contra o Estado espanhol por parte da Comissão Europeia.
As administrações fecham os olhos ante os danos ambientais causados pelas empresas e ante os obscuros antecedentes de empresários que trazem consigo uma nefasta bagagem de vulnerações de direitos humanos.
Em 2023 os mesmos empresários criaram uma nova empresa nominalmente canadense, IberAmerican Lithium para avançar com várias novas minas de lítio sob estas licenças. Em imagens tomadas este mês de setembro, apanhou-se transitando por terrenos vizinhais um 4x4 com John Morris Pereira, geólogo também ao serviço de Savannah e Lusorecursos, proprietárias dos dous projetos de lítio que levaram à atual crise política em Portugal com a demissão do primeiro ministro António Costa. IberAmerican afirma ante os seus inversores que ainda pretende executar 50 sondagens antes de finalizar 2023.
Também no verão deste ano é criada a empresa ‘Metais Estratéxicos S.L.’ para adquirir a polémica mina San Finx, em Lousame, representada pelo administrador doutro dos negócios de Serafino Iacono no Estado espanhol, a mina de Lomero-Poyatos em Huelva, que pretende botar a andar através da também canadense Denarius Metals Corp. Uma das primeiras ações da nova empresa foi demandar ativistas de Ecologistas em Ação por um inexistente delito de danos logo após uma ação de protesto. Mesmo que o julgado de Noia acabou por arquivar a causa, a estratégia é reminiscente à utilizada por Pacific na Colômbia contra moradoras, ativistas e jornalistas.
‘Refugiados fósseis’
O caso da Pacific ilustra o novo ciclo da mineração na Galiza, consolidado pela iminente lei europeia de matérias primas críticas (CRMA) que reduzirá os tempos de tramitação, limitará ainda mais a participação pública e outorgará a minas como as da Penouta, a Serra do Suído ou Lousame a consideração de projetos de “interesse estratégico europeu”, facilitando o acesso a financiamento e outros incentivos.
Neste novo ciclo, as administrações fecham os olhos ante os danos ambientais causados pelas empresas e ante os obscuros antecedentes de empresários que trazem consigo uma nefasta bagagem de vulnerações de direitos humanos, corrupção, instrumentalização dos trabalhadores e ataques às comunidades locais.
Na Europa, estes traficantes de petróleo, gás e carvão viraram da noite para a manhã ‘campeões climáticos’ e baluartes da ‘mineração verde’, recebendo, como acontecera na Colômbia, o apoio incondicional de Junta, alcaides, partidos políticos, sindicatos e o próprio lobby mineiro, a Câmara Oficial Mineira da Galiza, cujo presidente, Juan José López Muñóz, também é empregado na Penouta como responsável de “negócio circular”.
Longe de aprender de experiências como a de Corcoesto, onde a mineradora utilizou uma empresa interposta em Panamá para iniciar um multimilionário litígio contra a Junta através do sistema de arbitragem entre Estado e investidor (ISDS na sua sigla em inglês), o governo galego abriu as portas de par para ‘refugiados fósseis’ como os ex-Pacific. A sua vinda e influência sobre as instituições políticas e empresariais ameaça replicar na Galiza o cenário desolador que deixou atrás na Colômbia.