Há algum tempo que o movimento social vinculado ao ativismo linguístico na Galiza reparou em que a modernizaçom da tradiçom oral era um caminho fértil que estava ainda sem explorar. Assim, é bem analisarmos as funçons da poesia oral dentro dos novos movimentos sociais, numha construçom oposta à da normalizaçom cultural, proposta polas instituiçons, que submete a cultura emergente, frágil, precária, a umha inerente anormalidade da qual resulta difícil desprender-nos. Construirmos portanto umha cultura do poético nom política, mas para o político, que tenha em conta, por um lado, o(s) conflito(s) como inerentes de qualquer acontecimento social e, por outro lado, com umha ideia da poesia, e das artes em geral, afastada da pomposidade e da academia, como ferramenta ativa (Even-Zohar, 2005) que contribua para a experimentaçom de novas formas de consumo (nom apenas literário), de partilha de ideias e de experiências de participaçom coletiva.
Hoje contamos com diversos projetos envolvidos arredor da regueifa que, em bem poucos anos, conseguiram atingir diferentes grupos que vam de crianças da Semente que aprendem a improvisar brincando, grupos de mulheres de regueifa feminista que elaboram materiais e acumulam experiências de diferentes encontros (1) no caminho do empoderamento ou obradoiros em liceus e municípios interessados na proposta de utilizarmos a tradiçom oral para fazermos possíveis as ideias hoje. Cantarmos a mudança e construirmos as revoluçons em verso.
A caraterizaçom da regueifa contribui à existência dum campo de possíveis do qual o movimento social galego lança a mao para produzir discursos com reivindicaçons políticas
Referentes e disponibilidades
A literatura de tradiçom oral, desta volta com o centro de interesse na improvisaçom em verso, tinha ademais referentes de relativo sucesso mobilizador no País Basco ligados ao movimento abertzale. É o caso do bertsolarismo, que conta com um histórico viçoso e que atualmente reúne milhares de pessoas nos campeonatos nacionais celebrados cada quatro anos, ocupando posiçons centrais no sistema cultural basco com agentes de referência nas esferas cultural e política, para além de conseguir aglutinar hoje sensibilidades e reivindicaçons de diferente tipo.
A improvisaçom em galego também contava com umha, sempre relativa, mas evidente disponibilidade (2). Esta disponibilidade (Even-Zohar, 2005) responde ao facto de encontrarmos algumhas opçons no campo cultural galego que facilitam a incorporaçom e consolidaçom de práticas performativas e de repertórios antagonistas, se calhar com maior elasticidade do que no caso basco do bertsolarismo devido à escassa institucionalizaçom e nom-profissionalizaçom do nosso movimento. Está patente ademais no que é referido à conservaçom e reconhecimento da própria improvisaçom na tradiçom cultural e literária galega, hoje materializada na regueifa sendo a improvisaçom oral em verso (tradicional) mais estendida.
Oralidade e resistência cultural
Esta disponibilidade permite ao movimento social em volta da regueifa fazer reinscriçons da mesma, num sentido similar ao proposto por Edward Said (2004) em contextos pós-coloniais. Assim, umha apropriaçom e umha releitura em chave subversiva que parta dos movimentos submetidos para a construçom dumha resistência cultural.
É a própria caraterizaçom da regueifa como prática performativa improvisada, como acontecimento nom previsto, a que contribui para a existência dum campo de possíveis do qual o movimento social galego lança a mao, para produzir discursos em relaçom com as diferentes reivindicaçons políticas: de género, ecologistas, linguísticas, territoriais, etc. Eis a poesia como ferramenta ativa e para a açom social.
Deveríamos pensar a regueifa como modo de relaçom e como a construçom doutros modos autónomos possíveis. Pensar as poéticas com compromisso como ‘ninhos de autonomía’
Nova regueifa: Novos cenários e modos de fazer
Podemos (e de facto interessa-nos) pensar a nova regueifa como umha manifestaçom relativamente autónoma que introduzimos dentro do espectro amplo que Arturo Casas (2015) tem denominado como nom lírico, com resistências à tipologizaçom e estatismo da academia e a crítica, dificilmente catalogável (apenas) dentro do artístico, o qual quebra em muitos casos com os esquemas de reconhecimento e construçom de prestígios dos círculos centrais do sistema cultural hegemónico. Também, claro, é evidente que nom pode ser apenas catalogável e reduzível para umha sorte de ativismo político mais clássico, o que por outra parte é a cada vez menos comum na etapa pós-modernista, onde a cultura foi (só) aparentemente reconhecida e redistribuída, é consensual e está implícita, em maior ou menor grau, em qualquer manifestaçom que se situe no espaço público.
Há tempo que muitos dos projetos de base, nom institucionalizados, precários, nom profissionalizados, (os mais) resistentes, etc., venhem cedendo um espaço amplo (se nom central) e umha série de funçons representativas a materiais e símbolos que até há alguns anos estavam restritos para círculos hegemónicos, menos politizados, normalizadores e afastados de estratégias de conflito. Assim a (aparente) conjuntura entre o político e o campo das artes e da cultura, originou novos e interessantes materiais, experiências e modos de fazer (3) para os movimentos sociais. Cabe perguntar-se se existe ou estamos legitimadas para referir-nos a algumha manifestaçom concreta como arte para o político. Se podemos dizer que o artístico, o poético, pode ser político e vice-versa.
Quanto de eficaz é a poesia, a regueifa, para a mobilizaçom dum despejo ou umha manife e como se mede?
Podemos tirar algum tipo de conclusom provisória a partir das observaçons práticas dos processos. Por um lado, seria bem definir quais os interesses, funçons, eficácias possíveis, que existem da perspetiva dos movimentos sociais que se nutrem desta prática. Em segundo lugar, e nom obviando o caráter do artístico, deveríamos responder a quais os interesses de introduzir alguns dos habitus, práticas, desse campo e se existe transferência, entendimento, reconhecimento, do político para o artístico. Por último, pensar a regueifa como modo de relaçom e como a construçom doutros modos autónomos possíveis. Pensar as poéticas comprometidas como ninhos de autonomia.
Quanto de eficaz é a poesia, a regueifa, para a mobilizaçom dum despejo ou umha manife e como se mede?
1. É o caso dos Encontros de Mulheres Repentistas da Galiza promovidos polo coletivo Regueifesta.
2. Isaac Lourido apontou algumhas destas questons em: Lourido, I. (2015), “Marginalidad social y antagonismo político en la poesía de Patricia Heras”, in Cid, A.; Lourido, I. (eds.), La poesía actual en el espacio público, Bruselas, Éditions Orbis Tertius, p. 219–236.
3. Claramonte, J. (2001), Modos de hacer : arte crítico, esfera pública y acción directa, Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca.