O dia 14 de março foi declarado o estado de alarme e o confinamento da populaçom no estado espanhol. Parou-se parte da atividade mas a vida das pessoas, diversa e interdependente, continuou. O primeiro alarme feminista centrou-se em como esta ordem obrigava a mulheres, menores e dependentes em situaçons de violência a permanecer com os agressores sem prazo claro nem alternativas. As fontes oficiais afirmam que a violência de género estám a aumentar durante o confinamento. Mais, numha conversa com a trabalhadora social dumha associaçom, lembrou-me algo que parecemos esquecer: já havia mulheres que viviam controladas nos domicílios antes disto. O mais preocupante, em muitos casos, é a possibilidade do agravamento desses processos de violência. Como denunciava a filósofa Judith Butler, há demasiadas histórias de vida que nos advertem da falsa ideia do lar familiar como um lugar seguro. Nestas circunstancias é importante saber que podem abandonar a casa sem sançom e, se for necessário, solicitar proteçom imediata através do 112 ou da vizinhança.
Três dias depois, aprovou-se o Plano de contingência contra a violência de género que obriga a declarar a assistencial integral à violência machista como serviço essencial. Umha das açons é umha campanha institucional que, como novidade, numha das versons interpela ao compromisso vizinhal em rejeitar a violência de género e elaborou-se um guia de atuaçom e recursos. Também foi habilitada umha aplicaçom com geolocalizaçom para dar aviso às forças de segurança e assistência psicológica por um sistema de mensagens instantáneo. Em 31 de março, outro RD confirmava as medidas para manter e adaptar a assistência e a proteçom. O mesmo documento facilita a execuçom às Comunidades Autónomas e Ceuta e Melilha dos fundos do Pacto de Estado, ampliando o prazo de justificaçom que concluía no mês de junho.
O Plano de contingência contra a violência de género obriga a declarar a assistência integral à violência machista como serviço essencial
Profissionais dos Centros de Informaçom às Mulheres, onde se oferece atençom específica na Galiza, avaliam positivamente que se decretasse como serviço essencial. Além das emergências, o seu trabalho centra-se em manter o contacto com as mulheres que já estavam indo aos CIM para que sintam que continuam a contar com apoio. A nível galego, flexibilizárom-se o processamento e a resoluçom das prestaçons económicas por violência de género e convocou-se, polo segundo ano, a ajuda ao aluguer que fora anunciada meses antes. Também se garantem vagas habitacionais – algo que muitos concelhos vinham fazendo previamente – para remendar a insuficiente rede de acolhimento galega que só dispom de quatro vagas para mulheres com transtorno mental habilitadas com fundos do Pacto em 2019, que limita o acesso se existe consumo de substâncias e impede de levar consigo os animais com quem conviviam, umha das medidas que foi corrigida durante o confinamento.
Os efeitos deste momento comum mas com consequências diversas devemos avaliá-los a meio e longo prazo. O que podemos fazer é começar a avaliar desde que perspetiva e com que recursos queremos e podemos sustentar esta situaçom. Como refere Ana Cardoso, técnica de igualdade, a abordagem atual suscita numerosas dúvidas em muitas profissionais ao centrar-se nas emergências e nom fazer a abordagem dumha perspetiva integral e interseccional – apesar de ser um termo tam na moda nos discursos – optando, de novo, por linhas de açom que demonstrárom ser insuficientes antes da crise da COVID19. Tendo em conta isto, o Plano de contingência mantém umha via esgotada apesar da insistência institucional em nom revisar a sua posiçom. As açons propostas reforçam, mais umha vez, a ideia de que todas as situaçons de violência repetem os mesmos padrons, trata só umha das manifestaçons da violência machista – abandonando sem açons específicas, entre outras, as trabalhadoras sexuais em risco económico e de saúde que som objeto do Pacto de Estado; as pessoas da comunidade LGBTQI+, às quais os CIM tenhem a obrigaçom de atender, ou mantendo a especial vulnerabilidade das que se encontram em situaçom administrativa irregular. E, sobretodo, insiste na denúncia como única resposta, o que deixa a soluçom nas maos das instituiçons e retira autonomia às mulheres para escolher as suas próprias saídas.
As medidas de sensibilizaçom e prevençom que prometia a Lei integral de 2004 som minoria fronte ao reforço do punitivismo e a tutela institucional. É necessário abordar isto com políticas sociais e nom com políticas assistenciais que reproduzem a vitimizaçom. As pessoas em situaçom de violência machista desenvolvem processos de recuperaçom e resiliência próprios que deveriam ir acompanhados por umha linha de açom que incidisse na afirmaçom de capacidades e direitos. Continua a nom dar-se acolhimento às dificuldades para sair dumha situaçom em que existem complexos condicionantes e dependências afetivas e a ignorar-se a abordagem biospsicossocial de que precisa este tema. Que redutora conceçom da saúde permite interromper o regime de visitas de menores polo risco da COVID19 mas só em casos excecionais o fai com um progenitor agressor apesar de essa possibilidade estar definida na lei desde há 16 anos? A maioria da populaçom tem um grande desconhecimento dos direitos e recursos disponíveis ante estas situaçons e, quando se dá o processo de mudança, o que mais relatam as mulheres é a falta de apoio. Além disso, é fácil compreender que um problema endémico da nossa ordem social nom poderá ser resolvido com sançons ou ingressos numha instituiçom machista como é a cadeia. Continuaremos a permitir as feministas que, as forças de segurança e a justiça patriarcal, decidam o que é umha situaçom de violência e quais som as respostas válidas?
A abordagem atual suscita dúvidas em muitas profissionais ao centrar-se nas emergências e nom fazer a abordagem dumha perspetiva integral e interseccional
Se algo está a revelar esta crise é que o capitalismo, e o sistema político que o sustenta, som incapazes de assegurar o bem-estar e mesmo a supervivência das pessoas. Também se trata dum tempo que oferece a possibilidade de transformar o imaginário coletivo em torno à interdependência e a vulnerabilidade. No comunicado publicado polo Movimento Feminista de Euskal Herria após o anúncio do estado de alarme advertiam que nom iam ceder a sua agência política numha crise que todes sabemos que é de cuidados. O feminismo é pioneiro em compreender que os cuidados som um comum e reivindicar o seu reconhecimento social. É o momento de nos aliarmos para situar a vida de todes no centro de forma definitiva.
Durante o confinamento surgírom iniciativas como o #olaveciñas que se iniciou nos bairros vigueses, as projeçons nas fachadas onde se lançam mensagens de apoio vizinhal, o oferecimento de acompanhamento profissional ou as redes autogeridas de apoio e cuidados comunitários. Antes e agora existem experiências de supervivência que podem tornar-se resistências coletivas e emancipadoras que ajudem à formaçom de sujeitos com capacidade de incidir nas políticas e imaginar outras fórmulas para acabar com a violência e acompanhar os processo de reparaçom e recuperaçom integral. Um quadro normativo que se centra nas agressons extremas fai o balanço em vítimas mortais. Nom permitamos isso porque, mais umha vez, estarám a enganar-nos com a ponta do iceberg que esconde a precarizaçom das nossas vidas