
Este 2023 marca os trinta anos do nascimento de uma instituição cujo nome é bem conhecido dos habitantes da cidade que o acolhe: o CGAC, o Centro Galego de Arte Contemporânea. No entanto, nestas linhas, gostaríamos de refletir se Compostela, os seus habitantes e visitantes, e, em geral, a sociedade galega, conhecem e participam numa instituição que nasceu, segundo a sua própria declaração de missão enquanto museu, para “promover o desenvolvimento de plataformas culturais e favorecer a entrada da Galiza no circuito artístico internacional” e com uma função muito clara de “dinamizar o panorama artístico atual e refletir sobre a diversidade de conformações culturais na sociedade contemporânea”.
O edifício, da autoria do arquiteto português Álvaro Siza Vieira entre 1988 e 1993, situa esta instituição de titularidade autonómica num enclave privilegiado do urbanismo compostelano, pois localiza-se nos limites do casco histórico, num lugar que permitiu ao seu arquiteto dialogar com o passado da cidade, olhando para o convento e a igreja de Santo Domingo de Bonaval e fechando-se a sua fachada principal numa espécie de praça a partir da qual se acede aos três edifícios; utilizando para o efeito o granito, material que não pode falar melhor da Galiza e da sua tradição construtiva, e que reveste todas as paredes e tectos de um edifício que também já em 1993 olhava para o futuro, ao refletir a admiração do seu ideólogo, com a utilização de luz, linhas e volumes, pola arquitetura racionalista e polo movimento moderno.
Após três décadas de nascer o CGAC, concebido como um espaço de difusão cultural que dialogasse ativamente com a cidadania, devemos questionar-nos se cumpriu essa funçom
Pola sua parte, enquanto instituição cultural, o CGAC surge como um Centro de Arte, um produto típico dos anos oitenta e noventa que, pola sua própria definição, procurou afastar-se do conceito tradicional de museu. Neste sentido, o centro nasce com uma marcada intenção de promover a prática das artes no território em que se insere, ou seja, a produção de artistas galegas, e não só em relação às artes plásticas, mas também às artes cénicas e performativas, aproveitando a multiplicidade de espaços da criação arquitetónica de Siza para o desenvolvimento de funções teatrais ou espetáculos musicais, bem como obradoiros e iniciativas pedagógicas.
Assim, o CGAC nasceu há três décadas, situando-se num recanto da cidade que lhe permitia olhar e respeitar a sua tradição com a intenção construtiva de se abrir como um espaço de difusão cultural que dialogasse ativamente com a sua cidadania, consciente do seu grande passado histórico, a nível artístico e cultural, para que adquirisse uma nova perspectiva sobre as possibilidades de um futuro artístico compostelano e galego ainda por descobrir. Neste sentido, três décadas depois, enquanto cidadãs galegas com quem esta instituição nasceu para estabelecer uma estreita comunicação, devemos questionar-nos: tem cumprido o CGAC a função para a qual foi criado? Foi estabelecido um diálogo e participação entre o centro e a sociedade galega para a promoção e enraizamento da nossa cultura nos últimos trinta anos?
Visto que na programação do museu até junho de 2023 temos apenas a presença de Mar Caldas de Vigo na exposição temporária Caminos III, perguntamo-nos onde está a promoção da produção de artistas galegas para esta “entrada da Galiza no circuito artístico internacional”, na ausência, também, de uma exposição permanente das coleções do museu que nos fale da história recente do país e das suas artistas, numa instituição que, aliás, nem sempre foi dirigida por profissionais galegos ou estudiosos da cultura do país. Porém, ao longo dos anos, foram selecionadas para a sua direção algumas personalidades que tiveram um currículo importante em relação à gestão das instituições de arte contemporânea mas para quem a arte e a cultura galega não eram a sua área de especialização. Também valeria a pena questionar, tendo em conta a finalidade com que surge o CGAC e o edifício que o alberga, uma vez que continente e conteúdo foram criados com o propósito de falar com a sociedade compostelana, se não seria possível para esta instituição ter estabelecido um diálogo mais aberto e fluido com a cidade nestas três décadas, e não apenas com alguns habitantes, através das suas exposições temporárias desde 1995 ou ciclos periódicos de obradoiros e conferências, mas também através de uma melhor articulação com outras instituições culturais da cidade, tal como a sua Universidade, com a qual não houve comunicação e participação fluida praticamente desde a sua criação, aceitando, por exemplo, alunos estagiários da Faculdade de História, Geografia e História da Arte apenas nos últimos anos.
Um Centro de Arte Contemporânea deve constituir-se como um espaço não só de exposição, mas também de criação e revitalizaçãao da produção artística e cultural, sempre sujeito às demandas da sociedade
A nosso ver, um Centro de Arte Contemporânea deve constituir-se como um espaço não só de exposição, mas também de criação e revitalização da produção artística e cultural, sempre sujeito às demandas da sociedade, para facilitar a cada passo a busca coletiva de modos não autoritários e não verticais de ação cultural. Assim, a instituição tem que se repensar desde o âmbito do comum, devendo evoluir com o contexto sociocultural e estar sujeita a revisão e discussão contínuas, não apenas por aquelas pessoas que a dirigem, mas polo conjunto da sociedade. Pois bem, embora nos últimos anos tenha havido muito debate sobre as funções destas instituições culturais desde múltiplos organismos, existe uma premissa que não admite lugar para o equívoco e é que, sejam eles chamados de Centros de Arte ou museus, os centros de conservação e difusão artística e cultural têm um carácter de serviço público, e a sua finalidade há de ser sempre a abertura aos cidadãos, porque a sua criação e existência só fazem sentido em benefício da sociedade que os acolhe e visita.
Por isso, a partir destas linhas, apelamos à sociedade compostelana e galega para fazerem uma crítica construtiva das suas instituições culturais, para que nas próximas três décadas tenhamos um Centro Galego de Arte Contemporânea que olhe mais para a Galiza e os seus artistas e se comunique melhor com Compostela.