Periódico galego de informaçom crítica

Por umas políticas de habitação próprias

por
uxía amigo

O es­touro da bo­lha hi­po­te­cá­ria sen­tiu-se com força na Galiza. A mesma força com que fo­mos in­va­di­dos pela maré de ci­mento du­rante dé­ca­das. A ex­pan­são ur­ba­nís­tica sem con­trolo e a es­pe­cu­la­ção fo­ram o per­feito caldo de cul­tura para a atual crise ha­bi­ta­ci­o­nal. Os des­pe­jos, as su­bi­das dos ar­ren­da­men­tos e as di­fi­cul­da­des de acesso à ha­bi­ta­ção não são pro­ble­mas iso­la­dos, an­tes, o sin­toma por trás de um plano que tem a sua ori­gem nos es­cri­tó­rios dos tec­no­cra­tas do de­sen­vol­vi­men­tismo franquista. 

A oferta de ha­bi­ta­ção no Estado ca­rac­te­riza-se por um do­mí­nio quase to­tal do mer­cado, es­tima-se que a ha­bi­ta­ção pú­blica re­pre­sente ape­nas 2,5 % do to­tal. Sendo uma das per­cen­ta­gens mais bai­xas da Europa, em claro con­traste com ca­sos como o su­eco e o fin­lan­dês com cerca de 30%. Assim mesmo, existe uma aposta clara na pro­pri­e­dade que, igual­mente, con­trasta com ou­tros es­ta­dos, onde o ar­ren­da­mento ou as as­so­ci­a­ções e co­o­pe­ra­ti­vas ha­bi­ta­ci­o­nais são as for­mas mais co­muns de posse da habitação.

A oferta de ha­bi­ta­ção
no Estado ca­rac­te­riza-se por um do­mí­nio do mercado”

No en­tanto, em con­tra do que ge­ral­mente se alega, es­tas ca­rac­te­rís­ti­cas não têm a ver com uma idi­os­sin­cra­sia pró­pria do Estado es­pa­nhol ou uma cul­tura so­cial da pro­pri­e­dade. Foram uma de­ci­som po­lí­tica to­mada a par­tir do de­sen­vol­vi­men­tismo para re­for­çar a pro­pri­e­ta­ri­za­ção. Em 1950, no Estado, 51,4% do par­que ha­bi­ta­ci­o­nal en­con­trava-se em re­gime de ar­ren­da­mento. Década a dé­cada, esta ci­fra foi re­du­zindo-se, pro­gres­si­va­mente, até che­gar aos 15,6% em 2015, na sequên­cia das po­lí­ti­cas pú­bli­cas e re­for­mas ha­bi­ta­ci­o­nais ado­ta­das pe­los go­ver­nos pos­te­ri­o­res a 1978. Ao mesmo tempo, o Estado apos­tava e con­ti­nua a apos­tar no de­sen­vol­vi­mento do se­tor da cons­tru­ção como um dos prin­ci­pais mo­to­res eco­nó­mi­cos. Alimentando, as­sim, a má­quina da ex­pan­são urbanística.

O custo des­tas de­ci­sões po­lí­ti­cas foi muito ele­vado em ter­mos so­ci­ais. Na me­dida em que a pro­pri­e­dade e o mer­cado eram a única al­ter­na­tiva para o acesso à ha­bi­ta­ção, o cré­dito tor­nou-se cada vez mais ne­ces­sá­rio. A ló­gica acu­mu­la­tiva do mer­cado re­for­çou a ge­ra­ção do cha­mado de «cré­dito in­sus­ten­tá­vel» di­ri­gido às pes­soas em si­tu­a­ções mais vul­ne­rá­veis, frá­gil e sus­peito, co­mum aos sis­te­mas de acesso à ha­bi­ta­ção as­sen­tes na pro­pri­e­dade e co­nhe­cido da in­ves­ti­ga­ção so­ci­o­ló­gica e eco­nó­mica. Em 2017, o co­lapso do se­tor fi­nan­ceiro, as prá­ti­cas tó­xi­cas de mui­tas en­ti­da­des e a re­es­tru­tu­ra­çom do mer­caão de tra­ba­lho pu­se­ram à prova a fra­gi­li­dade deste sis­tema. Como re­sul­tado, a par­tir de 2011, de­ze­nas de mi­lha­res de fa­mí­lias fo­ram ex­pul­sas das suas ca­sas num pro­cesso ma­ciço de des­pe­jos que pros­se­gue, na atu­a­li­dade, sob a forma do des­pejo por falta de pa­ga­mento do arrendamento.

Este pro­cesso que re­sul­tou no iní­cio de mais de 750.000 pro­ce­di­men­tos de exe­cu­ção hi­po­te­cá­ria tem, no nosso País, umas ca­rac­te­rís­ti­cas pró­prias e par­ti­cu­la­res. A es­tru­tura da pou­pança e da pro­pri­e­dade é no­ta­vel­mente dis­tinta à dou­tras par­tes do Estado. Galiza ca­rac­te­riza-se pela pou­pança face ao cré­dito sendo que dis­po­mos duma quan­ti­dade maior de ha­bi­ta­ção em pro­pri­e­dade do que a mé­dia es­ta­tal. O im­pacto dos cré­di­tos in­sus­ten­tá­veis e as re­cen­tes su­bi­das do ar­ren­da­mento têm vindo a afe­tar os gru­pos so­ci­ais mais ca­ren­ci­a­dos, con­quanto não te­nham as mes­mas ca­rac­te­rís­ti­cas que nou­tras par­tes do Estado. 

uxía amigo

Ora bem, a ha­bi­ta­ção na Galiza ca­rac­te­riza-se, con­tudo, por um par­que en­ve­lhe­cido e em más con­di­ções. Em Compostela, Vigo ou A Corunha, a maior parte do par­que é an­te­rior a 1981 sendo que re­pre­senta tam­bém uma per­cen­ta­gem im­por­tante nas res­tan­tes ci­da­des e vi­las do País. As de­fi­ci­ên­cias as­so­ci­a­das a este tipo de es­to­que são im­por­tan­tes em re­la­ção a as­pe­tos como a hu­mi­dade e a tem­pe­ra­tura, o que se pode li­gar com o apa­re­ci­mento de do­en­ças res­pi­ra­tó­rias em pes­soas de curta e de avan­çada idade.

As res­pos­tas po­lí­ti­cas na Galiza à crise ha­bi­ta­ci­o­nal de­vem aten­der para os pro­ble­mas de acesso e apos­tar no par­que pú­blico de ha­bi­ta­ção bem como nou­tras for­mas de posse dis­tin­tas da pro­pri­e­dade. No en­tanto, de­vem ter ainda em conta a na­tu­reza da nossa oferta para me­lhor ge­rir­mos os re­cur­sos exis­ten­tes e me­lhor en­fren­tar­mos as pro­ble­má­ti­cas pró­prias. A re­ge­ne­ra­ção sus­ten­tá­vel, por exem­plo, ou a re­cu­pe­ra­ção para o se­tor pú­blico de inú­me­ras edi­fi­ca­ções em ruí­nas, de­viam ser pri­o­ri­dade nas po­lí­ti­cas pú­bli­cas ga­le­gas de habitação.

Atualmente, há cada vez mais in­te­resse em co­lo­car a aten­ção em aquilo que se está a pro­por em ter­ri­tó­rios com uma dis­tri­bui­ção do par­que ha­bi­ta­ci­o­nal e den­si­dade po­pu­la­ci­o­nais muito di­fe­ren­tes das nos­sas. Algumas des­tas pro­pos­tas são úteis, mas con­vém de­fi­nir po­lí­ti­cas pú­bli­cas que di­gam res­peito à re­a­li­dade do País. O que po­día­mos ter feito já, visto que o pró­prio qua­dro com­pe­ten­cial nos atri­bui a com­pe­tên­cia ex­clu­siva em ma­té­ria de habitação. 

A ha­bi­ta­ção ca­rac­te­riza-se por um par­que envelhecido”

Desde 2013 que uma sé­rie de Comunidades Autónomas (en­tre as quais, Catalunha, Valência, Navarra e a Comunidade Autónoma Basca) es­tão a de­sen­vol­ver im­por­tan­tes re­for­mas ha­bi­ta­ci­o­nais com pers­pe­tiva so­cial. A Galiza teve a opor­tu­ni­dade de se jun­tar a es­sas ini­ci­a­ti­vas. O Governo do bi­par­tido ti­nha apro­vado a lei 18/2008 de ha­bi­ta­ção da Galiza que nos co­lo­cava na van­guarda em ma­té­ria de po­lí­ti­cas so­ci­ais de ha­bi­ta­ção. Foram ado­ta­das ga­ran­tias le­gis­la­ti­vas como a ação pú­blica em de­fesa dos di­rei­tos ha­bi­ta­ci­o­nais (muito ino­va­dora na al­tura) e, as­sim mesmo, de­sen­vol­vi­das po­lí­ti­cas de re­ge­ne­ra­ção ur­bana sustentável. 

Contudo, o Governo de Feijóo a par­tir de 2009 ope­rou uma sé­rie de re­for­mas que in­ter­rom­pe­ram este de­sen­vol­vi­mento e des­fi­ze­ram al­gu­mas das me­lho­rias in­tro­du­zi­das. Assim, pas­sá­mos de li­de­rar as trans­for­ma­ções em ma­té­ria de po­lí­ti­cas so­ci­ais de ha­bi­ta­ção a ocu­par os úl­ti­mos lu­ga­res. A ino­pe­rân­cia de­li­be­rada deste exe­cu­tivo é uma aposta clara no mer­cado e o prin­cí­pio da in­ter­ven­ção so­cial mí­nima, a po­lí­tica de não de­sen­vol­ver políticas.

O agre­gado fa­mi­liar surge como um ele­mento fun­da­men­tal da dig­ni­dade da pes­soa e faz parte da­quilo que co­nhe­ce­mos como «mí­nimo vi­tal». É um di­reito so­cial e en­con­tra-se re­co­lhido em vá­rios tex­tos in­ter­na­ci­o­nais como um di­reito hu­mano. Porém, a con­fi­gu­ra­ção da oferta de ha­bi­ta­ção no País, di­fi­culta o seu cum­pri­mento efe­tivo e co­loca em risco mui­tos gru­pos so­ci­ais em si­tu­a­ção de es­pe­cial vul­ne­ra­bi­li­dade. Convém que ado­te­mos po­lí­ti­cas ati­vas de ga­ran­tias ha­bi­ta­ci­o­nais. Mas, acima de tudo, é pre­ciso que isto te­nha sem­pre em vista as con­di­ções par­ti­cu­la­res do nosso território.

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