Por vezes sugem conceitos que barulham a realidade mais que clarifica-la; que venhem criar confusom em vez de luz, ou polo menos quando nom som bem usados. Há uns anos um bom amigo fazia brincadeiras falando da ocultaçom da realidade que suponhem algumhas palavras que empregamos a cotio: o ponto limpo, o centro de emprego, o centro de saúde…
Deixando de lado o humor, de uns anos para aqui o conceito de “relaçom tóxica” estendeu-se por todos os círculos para explicar que umha relaçom está a correr mal, que há discussons, problemas, malos rollos, broncas. Som todas essas relaçons “simplemente” tóxicas ou muitas deles agocham violência e nom as estamos a nomear bem?
"Quando muitas mulheres saem do papel esperado de terem o tipo de relaçom que os homens desejam (e aqui nom existe um único modelo), começam muitos dos problemas nas relaçons afetivas"
Na minha experiência, depois de anos a trabalhar numha associaçom com mulheres vítimas de violências machistas, o que com frequência acontece é que quando muitas mulheres saem do papel esperado de terem de ter o tipo de relaçom que os homens desejam (e aqui nom existe um único modelo), começam muitos dos problemas nas relaçons afetivas. Certamente, o que Simone de Beauvoir chamava “ser-para-outros/as” segue a conformar a base da identidade feminina nas suas relaçons pessoais.
Ainda que o patriarcado nos exprima por toda a parte, construímos também focos de resistência: as mulheres estamos na rua reivindicando o acesso à cidadania, mas nom apenas o acesso aos direitos, senom o acesso pleno a sermos pessoas com desejos próprios e com um projeto de vida próprio, tecendo redes entre nós mesmas e negociando de igual a igual com os homens. Com frequência, isto gera um grande conflito em muitas relaçons heterossexuais porque racha tanto a ideia de masculinidade como de feminidade tradicional, que se baseia em que os homens devem seguir o seu projeto vital e as mulheres ser o “capítulo amoroso” desse projeto. E umha vez que começam as discussons, coam-se as temidas palavras: “temos umha relaçom tóxica”.
"E se começamos a chamar as cousas polo seu nome? O que acontece quando as mulheres tratamos de negociar com os homens nas nossas relaçons?"
Se procurares em Santo Google vai-che dizer o que supostamente é umha relaçom tóxica: controla a tua vestimenta, menospreza-te, nom te valora como pessoa nem respeita os teus desejos… Pronto, é umha relaçom tóxica, a culpa é da relaçom. Nom do sistema patriarcal. Depois de me mergulhar na rede e ouvir como som usadas estas duas palavras tenho umha grande confusom entre o que é umha relaçom tóxica e o que é maltrato. E se começamos a chamar as cousas polo seu nome? Que acontece quando as mulheres tratamos de negociar com os homens nas nossas relaçons? Negociar as limpezas, negociar os cuidados, negociar os tempos laborais, negociar as questons económicas, negociar os horários… com frequência, as supostas relaçons tóxicas começam quando as mulheres se atrevem a enfrentar umha negociaçom com homes que nom estám afeitos a conceberem as relaçons como espaços de negociaçom.
Como Kate Millet já comentara na década de 1970: o patriarcado opera com a máxima eficácia nas relaçons pessoais; e temos de voltar a olhar o que aí está a acontecer, e que ferramentas temos para identificar se existe maltrato nas nossas relaçons. A violência machista campa com absoluta liberdade, está a falhar a prevençom, está a falhar a atençom às vítimas, e está a falhar a deteçom da violência. Quer dizer, está a falhar chamar a violência polo seu nome. Esquecemos a habilidade do patriarcado inventando conceitos para tapar a realidade, e como tenta agochar as relaçons de dominaçom entre homens e mulheres. O que nom é nomeado, já sabemos que nom existe; o que mal se nomeia, pois tampouco existe.