Se nas últimas décadas o ensino superior aderiu decididamente à ideologia mercantil, as suas condiçons laborais também se fôrom devagar equiparando às reinantes na rua. Incerteza e precariedade dominam mesmo postos qualificados, num processo amparado por um labirinto normativo que dificulta a compreensom desde o exterior. A Assembleia de Investigadoras de Compostela irrompe neste cenário disposta a afiançar conquistas e a levar para a frente demandas históricas deste sector.
A nom renovaçom do convénio coletivo na Universidade de Santiago de Compostela origina um vazio que deixa os investigadores na
indefensom
Num espaço difuso entre a docência e a pesquisa, a comunidade de investigadores pré e pós-doutorais leva muito tempo luitando por concretizar o seu papel na universidade e por definir exatamente as suas funçons laborais, rachando umha indefiniçom que permite esconder abuso e corte de direitos. Nos inícios desta década, o movimento Precari@s, de âmbito estatal, conseguiu importantes logros: os bolseiros e bolseiras passavam a ser consideradas trabalhadoras de pleno direito, com cotizaçons à seguridade social e direito a prestaçons, horários estipulados e prática da docência regulamentada.
A baixada dos salários do programa de Formaçom de Professorado Universitário (FPU) no curso 2013–2014 motivou um novo ciclo de protesto, ligado à dinâmica mobilizadora que agitou o Estado na fase mais dura dos cortes. Na combinaçom de demandas individuais e coletivas originou-se o movimento ‘Dignidade Investigadora’, que já tem protagonizado vários cabeçalhos.
Incumprimentos da Junta
Em 2016, a Assembleia de Investigadoras nascia na USC. Organizada de modo horizontal, agrupando mais de duzentas pessoas que preparam a tese ou investigadores já doutores, e com porta-voz rotatório, véu à tona da atualidade com duras acusaçons contra a Junta da Galiza. ‘O pouco interesse do governo autonómico pola investigaçom está a gorar a vocaçom de muitas pessoas’, afirmam. Laura Pereira, investigadora pré-doutoral em Filologia, di-nos que o atraso na convocatória de ajudas hipoteca gravemente a dedicaçom profissional dos doutorandos. ‘Há quem tenha que botar quase um curso trabalhando sem ajudas, pois ainda que o curso começa em Setembro, nom cobrará até Maio’. Nos casos mais extremos, isto levou ao abandono do projeto, à emigraçom ou à mudança de destino laboral.
A Conselharia de Educaçom ainda nom respondeu à demanda em favor do cumprimento do calendário de ajudas
Nom é este o único obstáculo que o executivo do PP lhe pom à comunidade investigadora na Galiza. O facto de nom se ter renovado o convénio coletivo na USC origina um vazio legislativo que provoca indefensom: ‘agora mesmo, com este convénio no ar, a indemnizaçom pós-contrato nom existe, o que é umha manifesta ilegalidade’, acrescenta Pereira. E desde que as irregularidades se acumulam, também o fam as denúncias e as reivindicaçons: ‘aspiramos a que se contem as nossas horas de docência e se paguem além do salário base; pois nom se pode esquecer que a nossa dedicaçom central é a pesquisa, e queremos que se leve em conta o trabalho extra que fazemos de apoio ao professorado’.
Demandas de justiça tam elementar secundam-se amplamente em quase todo o arco parlamentar, e merecem o apoio solidário do movimento estudantil. Quanto ao suporte político institucional, assiste-se sobretodo a gestos pontuais: ‘sustentam-nos nos meios ou nas câmaras de representaçom pedindo a execuçom de partidas orçamentárias, têm celebrado reunions com Dignidade Investigadora’. Obviamente, o PP dá a calada por resposta, e a Conselharia de Educaçom ainda nom respondeu à demanda em favor do cumprimento do calendário de ajudas. ‘Nom há demasiadas dúvidas acerca de a quem beneficia a situaçom atual’, dim-nos da Assembleia: ‘se o trabalho na universidade se fai o mesmo, mas sem vagas, sem gasto estatal, sem qualidade…mais cómodo e mais operativo para o PP’. O deterioramento do público aparece, mais umha vez, como verdadeiro programa político por trás da desídia e a inaçom.
O conhecimento como empresa?
Esta batalha concreta por direitos que recuam, como tantas outras que se livram na arena do nosso contexto geopolítico, tem lugar com o pano de fundo da grande contra-revoluçom neoliberal das últimas décadas. Umha mudança de paradigma social e laboral que comove os alicerces dumha instituiçom centenária e essencialmente conservadora como é a universidade. Desde o seu interior erguem-se algumhas vozes qualificadas, como a de Bermejo Barrera. O professor da USC tem escrito em várias ocasions sobre o contraditório de mergulhar numha lógica empresarial e produtivista o ensino superior, que nasceu para empreender a autonomia do pensamento, o conhecimento independente de rendimentos imediatos e a autoridade intelectual, por acima de outras consideraçons utilitaristas. Para fazer digno de ser financiável o que de seu nom produz rendimento, di Bermejo, recorre-se a um discurso de dupla verdade e ambiguidade, artelhado por umha linguagem constantemente cambiante e nevoenta. Umha burocracia fiscalizadora decidiria as linhas que se potenciam e as que se desbotam em funçom de interesses políticos disfarçados de critérios crematísticos.
"É habitual o investigador adquirir hábitos de vassalagem, guiado pola teima de produzir mais e mais para ganhar a almejada estabilidade que nom chega"
Isto conduz a um panorama laboral diferenciado do resto dos setores e com umhas complexidades específicas, segundo nos conta Lisandro Cañón. Doutor em História Contemporánea pola USC e atualmente investigador pós-doutoral, Lisandro afirma que nas faculdades se intensificam as tendências fortes do sector fabril ou dos serviços, singularizando-se: ‘é habitual o investigador adquirir hábitos de auto-exploraçom e vassalagem, guiado pola teima de produzir mais e mais para ganhar a almejada estabilidade que nom chega’. Lógica de fábrica aplicada de jeito mui forçado a um âmbito distinto: ‘no canto de medirmos o impacto dumha pesquisa de Humanidades na sociedade ‑que em todo caso é lento e dificilmente traduzível a termos económicos- interpretamos que um investigador tem mais peso porque produz mais volume. É um absurdo’, di-nos Cañón. ‘Devêssemos interpretar os fundos para os grupos de investigaçom como doaçons que nos fai a sociedade para lhos devolvermos em forma de conhecimento, nom como recursos patrimoniais para concorrermos com o grupo do lado ou entre nós mesmos’. Assim, o nível elementar de solidariedade que criara o sindicalismo, conclui o investigador, ‘é mesmo difícil de atingir no meio universitário’.