Vivemos num contexto em que o individualismo e a racionalidade economicista convencional determinam cada vez mais a forma de organização social, mas, ao mesmo tempo, subsistem “anomalias” que se enfrentam com esta lógica predominante.
Propriedades que não se podem vender nem se podem repartir? Que não se podem embargar e que não se herdam? Propriedades comunitárias vinculadas à morada e em que as populações locais se organizam em assembleia para decidir como gerir os seus recursos?. Certamente, a existência de propriedade comunitária agroma como um dos traços característicos singulares do regime de propriedade da terra da Galiza e do norte e centro de Portugal.
Esta forma ancestral de propriedade do monte, que nos diferença atualmente doutros países da Europa e do planeta, organiza comunitariamente a gestão do monte e da floresta a partir das figuras dos Montes Vizinhais em Mão Comum e dos Baldios sem entender de fronteiras administrativas. Ambas as figuras de gestão das propriedades comunitárias contam com importância quantitativa tanto na Galiza como em Portugal.
Assim, no território português, as entidades constituídas em torno aos baldios são umas 1.400 e a superfície vinculada estima-se em 500.000 hectares. Nesse sentido, segundo a Comissão Nacional para a Valorização dos Territórios Comunitários, cerca de 14% da superfície florestal de Portugal é comunitária. Pela sua banda, no caso da Galiza há umas 3.200 Comunidades de Montes Vizinhais em Mão Comum (CMVMC) que representam uma superfície de quase 670.000 hectares de propriedade comunitária, perto da quarta parte da superfície da Galiza.
Antecedentes e aproveitamentos comuns
As propriedades comunitárias exerceram tradicionalmente de base fundamental para a manutenção do sistema agrário tradicional. O monte da Galiza e do norte e centro de Portugal forneciam pasto para o gado, cereais para a alimentação das pessoas, lenha para aquecer as moradas e possibilitava a geração do estrume, que exercia de motor da fertilização das terras agrárias. Mas, as ditaduras de Franco e Salazar provocaram a usurpação das propriedades comunitárias e o começo dum caminho sem retorno para uma florestação massiva com espécies de crescimento rápido, primeiramente com coníferas e depois com o eucalipto. Esta obrigada alteraçom de usos fez desaparecer paulatinamente uma grande parte dos rebanhos de gado geridos comunitariamente no monte, além doutros aproveitamentos tradicionais, nomeadamente as estivadas.
Após a recuperação das propriedades comunitárias em finais dos anos setenta, grande parte da vizinhança tinha perdido a conexão ancestral entre população e monte. A luta vizinhal conseguiu recuperar o monte, mas eram umas propriedades muito diferentes das geridas décadas atrás. Os montes foram maioritariamente florestados e essa ocupação do território concorria com os aproveitamentos tradicionais e comunitários anteriores.
No entanto, a consecução do reconhecimento legal das propriedades foi um sucesso social que, com dificuldades, se manteve até à atualidade. A nível normativo as semelhanças são mais importantes do que as diferenças, ainda que algumas destas também haja, como a definição estabelecida para o conceito de comuneiro/comparte ou a possibilidade de partilha das rendas derivadas da gestão da propriedade. Certamente, a legislação não é tudo o boa para com as propriedades comunitárias, ainda que as recentes mudanças na legislação em Portugal pareçam ir no bom caminho.
As problemáticas e o futuro das propriedades comunitárias
Os baldios e os montes vizinhais encontram-se na atualidade com um contexto de importantes dificuldades. Nas terras do minifúndio, os latifúndios comunitários são propriedades desejadas para os interesses empresariais e especulativos. As atividades energéticas como a eólica e a biomassa, as indústrias extrativas e o processo de “modernização” e industrialização do monte constituem fortes ameaças nesta altura, mesmo agudizadas com recentes passos adiante como as culturas energéticas florestais para as grandes centrais de produção de eletricidade a partir da queima de biomassa que estão projetadas nos territórios galego e português.
Além destas questões, as dinâmicas existentes nos espaços rurais, nomeadamente o abandono das atividades agrárias, a perda da população e o envelhecimento, aparecem como enormes problemáticas para a gestão das propriedades comunitárias. Efetivamente, em sociedades idosas, pouco articuladas e com escassa população há problemas para gerir o seu território comunal.
No entanto, a própria existência das propriedades comunitárias, com as características singulares que as definem, é uma oportunidade real para a dinamização social e económica dos territórios. Nesse sentido, as propriedades comunitárias são de facto uma ferramenta de utilidade para a mudança social. Certamente, ainda que de maneira minoritária até ao momento, nas duas margens do rio Minho estão a aparecer interessantes iniciativas inovadoras nas propriedades comunitárias que, sob o paradigma da multifuncionalidade, estão a gerir o monte conforme um equilíbrio entre as funções económica, social e ambiental, empregando racionalidades que distam muito da economicista convencional.
Em definitivo, tanto as comunidades de montes vizinhais em mão comum como os baldios tiveram trajetórias e problemáticas similares até agora, servindo de suporte das sociedades tradicionais. Na atualidade as propriedades comunitárias são umas importantes ferramentas comunitárias para a gestão do território que possibilitam a oportunidade de gerir os montes e as florestas com uma racionalidade sustentável. As novas iniciativas inovadoras e os modelos sustentáveis de gestão comunitária das propriedades vizinhais são, até o momento, muito desconhecidas para a sociedade civil. Nesse sentido, torna-se preciso estabelecer novas ligações e sinergias entre os movimentos sociais e as entidades comunitárias da Galiza e Portugal que permitam o fortalecimento das iniciativas comunitárias de interesse.