Periódico galego de informaçom crítica

Quando som as mulheres as que sofrem a repressom, a luita social perde pulo”

por
ena bar­ba­zán

Gustavo Castro fala com tran­qui­li­dade ape­sar de todo o que car­rega nas suas cos­tas. Foi ca­su­a­li­dade que ele es­ti­vesse na casa da sua com­pa­nheira de luita e amiga, Berta Cáceres, o dia que dous si­cá­rios con­tra­ta­dos pola hi­dro­e­lé­trica Desarrollos Energéticos S.A. (DESA) en­trá­rom e a as­sa­si­ná­rom en­quanto dor­mia. A ele dê­rom-no por morto, con­ver­tendo-se as­sim na única tes­te­mu­nha dum caso que co­mo­ci­o­nou o ati­vismo la­tino-ame­ri­cano. Castro tivo proi­bido aban­do­nar Honduras du­rante o mês que se­guiu ao as­sas­si­nato, pois se lhe ten­tou acu­sar de o ter co­me­tido ele. Depois, por medo, tivo que se man­ter es­con­dido, e agora pensa em vol­tar para o seu país. Pronto para con­ti­nuar na luita, Castro nom perde a es­pe­rança de que o es­forço de to­das poida mu­dar as cousas.

Qual é o vosso tra­ba­lho com a or­ga­ni­za­çom Otros Mundos?
Otros Mundos pro­cura de­fen­der as co­mu­ni­da­des in­dí­ge­nas fronte às açons dos go­ver­nos e das gran­des em­pre­sas mul­ti­na­ci­o­nais, que ar­ra­sam com todo e as­sas­si­nam aque­las pes­soas que ten­tam fre­nar o seu avanço im­pla­cá­vel. Mas so­bre­todo, Otros Mundos co­me­çou a tra­ba­lhar ar­reu quando se co­me­çá­rom a im­plan­tar os Tratados de Livre Comercio na América Latina, que im­pli­ca­vam mais in­ves­ti­men­tos nas em­pre­sas, o que pro­vo­cava que as gran­des mul­ti­na­ci­o­nais lhes dis­pu­tas­sem à po­pu­la­çom os seus ter­ri­tó­rios. Fôrom com es­tes tra­ta­dos que, por exem­plo, se ou­tor­gá­rom mui­tas con­ces­sons para cons­truir pre­sas (Fenosa, Iberdrola, Endesa es­ta­vam den­tro da cri­a­çons des­tas pre­sas para con­tro­lar a ener­gia que pro­por­ci­o­nam), inun­dando zo­nas enor­mes de selva e des­truindo todo ao seu passo. Também no sec­tor mi­neiro. O go­verno me­xi­cano en­tre­gou 45000 con­ces­sons mi­nei­ras (a me­tade do pró­prio ter­ri­tó­rio me­xi­cano) o que pro­voca um im­pacto am­bi­en­tal ter­rí­vel e con­verte a México numha gram mina para a ex­plo­ra­çom por parte dou­tros paí­ses. Eu sem­pre co­mento que Canadá, um dos paí­ses que tem mais con­ces­sons mi­nei­ras em América la­tina ‑apro­xi­ma­da­mente 70% da mi­na­ria me­xi­cana é ex­plo­rada por em­pre­sas ca­na­den­ses- nom tem mi­nas no seu pró­prio país, por­que quem que­re­ria cons­truir mi­nas no seu pró­prio ter­ri­tó­rio quando a mi­na­ria é umha das ati­vi­da­des ex­tra­ti­vas mais da­ni­nhas para o mé­dio am­bi­ente e para a saúde dos seus ha­bi­tan­tes? Isso sem con­tar com a quan­ti­dade inu­mana de água que ne­ces­si­tam para fun­ci­o­nar (de 1 a 3 mi­lhons de li­tros de água por hora) e o facto de con­ta­mi­na­rem os rios e a zona que as ro­deia. E agora, a mai­o­res, te­mos a in­dus­tria da palma de azeite, que fijo que as co­mu­ni­da­des in­dí­ge­nas dei­xas­sem de plan­tar mi­lho ou fei­jós, es­pé­cies au­tóc­to­nes, e mu­das­sem por palma, en­car­ce­rando a quem se ne­gar ou ten­tar tom­bar es­tas no­vas plan­ta­çons. Todo em nome do progresso.

"O 70% da minaria mexicana é explorada por empresas canadenses, mas nom as fazem no seu próprio pais, por ser das atividades extrativas mais daninhas para o médio ambiente e para a saúde dos seus habitantes"


Todo isto tendo em conta que este su­posto pro­gresso nom achega nada aos ha­bi­tan­tes des­tas zo­nas ex­plo­ra­das, todo o be­ne­fí­cio vai às em­pre­sas. De facto, o que fam é des­lo­ca­rem mi­lha­res de pes­soas pola des­tru­çom que pro­vo­cam. Isso com a com­pra­cên­cia do go­verno, que muda as leis para que toda esta des­trui­çom seja le­gal, para o en­ri­que­ci­mento de eli­tes na­ci­o­nais e internacionais.
É por isto que se ini­ciou um pro­cesso de re­sis­tên­cia cara a cara com as co­mu­ni­da­des que so­frem esta ex­plo­ra­çom em nome desse su­posto de­sen­vol­vi­mento. Levamos tempo fa­zendo mo­bi­li­za­çons, reu­ni­ons, dando in­for­ma­çom na rua e nas rá­dios… E a con­clu­som é que nom só é im­por­tante in­for­mar e fa­zer ver o pro­blema, se­nom tam­bém pro­cu­rar umha so­lu­çom, e as­sim foi como pen­sa­mos que a ver­da­deira so­lu­çom es­tava num pro­jeto al­ter­na­tivo e im­pul­sa­mos um de agro-eco­lo­gia e de bio-cons­tru­çom, ten­tado fu­gir do con­ceito do de­sen­vol­vi­mento ca­pi­ta­lista e pro­cu­rar umha al­ter­na­tiva lo­cal. E esse é no pro­cesso em que es­ta­mos na atualidade.

 

E essa luita de que fa­las tem mui­tas mu­lhe­res na ca­beça. Mulheres como Berta Cáceres.
Sim, acho nom é umha mu­dança, se­nom que penso que as mu­lhe­res sem­pre es­ti­vé­rom ali, na luita, sem­pre fô­rom pro­ta­go­nis­tas dos pro­ces­sos de mu­dança, só que an­tes nom se lhes dava tanta vi­si­bi­li­dade, ou era umha vi­si­bi­li­dade di­fe­rente. Como di­zia, os tra­ta­dos de li­vre co­mér­cio im­pli­cá­rom, en­tre ou­tras cou­sas, umha baixa nos sub­sí­dios às tra­ba­lha­do­ras já que os go­ver­nos aca­bam usando esse di­nheiro para in­ves­tir nas gran­des mul­ti­na­ci­o­nais. A falta de sub­sí­dios e aju­das con­tri­buiu à crise eco­nó­mica, com pre­ca­ri­e­dade la­bo­ral, de­sem­prego e paro, e todo isso so­mado à con­ta­mi­na­çom dos ter­ri­tó­rios, o que pro­vo­cou que mui­tas pes­soas, na imensa mai­o­ria ho­mens, ti­ves­sem que emi­grar, des­lo­car-se, em gran­des números.

ena bar­ba­zán

Os ni­ca­ra­guen­ses mar­cha­vam para Costa Rica, por exem­plo, ainda que a mai­o­ria, como os gua­te­mal­te­cos ou hon­du­re­nhos a EUA. O que im­pli­cava isto? Que eram as mu­lhe­res as que fi­ca­vam na terra, defendendo‑a. Tinham ao seu cargo os fi­lhos, a fa­mí­lia, junto com a pro­te­çom da água e do ter­ri­tó­rio, con­tra os ata­ques cons­tan­tes do go­verno e das mul­ti­na­ci­o­nais. E para mim, ainda que nom é a única ra­zom, acho que esta re­a­li­dade ex­plica bas­tante por que as mu­lhe­res, quando em mui­tos ca­sos nem se­quer se lhes per­mi­tia ser do­nas da sua pró­pria terra, aca­bá­rom na ca­beça da luita em mui­tas oca­si­ons, ainda que, com cer­teza, esta nom é a única razom.
Na atu­a­li­dade, os fe­mi­ni­ci­dios se­guem a au­men­tar e a vi­o­lên­cia con­tra as mu­lhe­res é mais vi­sí­vel que nunca, e isto tem a ver com a ten­ta­tiva do go­verno por ini­bir a luita. Para pôr-te em con­texto, há anos eram as mu­lhe­res e as cri­an­ças as que en­ca­be­ça­vam as ma­ni­fes­ta­çons por­que eram aos ho­mens a que se le­va­vam pre­sos. Porém, isto já nom é as­sim, agora apre­sam as mu­lhe­res, tor­tu­ram-nas, vi­o­lam-nas e in­clu­sive as ma­tam. Para a po­lí­cia e o go­verno, as mu­lhe­res con­ver­tê­rom-se num ter­ri­tó­rio de dis­puta, e está a de­mons­trar que, quando som as mu­lhe­res as que so­frem as con­sequên­cias por se mo­bi­li­za­rem, a luita so­cial perde pulo, frena-se. Polo que para mim nom é que haja mais mu­lhe­res na luita, se­nom que te­nhem mais vi­si­bi­li­dade, nom só por­que en­ca­be­çam a pro­testa, mas por­que, tris­te­mente, cada vez há mais fe­mi­ni­ci­dios re­la­ci­o­na­dos com es­tes pro­tes­tos, fe­mi­ni­ci­dios com mo­ti­va­çom po­lí­tica. E a pe­sar do risco que cor­rem, se­guem a ser elas as que en­ca­be­çam a mai­o­ria de ma­ni­fes­ta­çons e assembleias.

“A melhor forma que temos de ajudar-nos entre países é apoiando os processos locais que temos nos nossos territórios”

Efetivamente a luita nom se frena, con­ti­nua e in­cluso se fai máis forte.
Claro, e nom é só umha luita para de­fen­der o mé­dio am­bi­ente, se­nom tam­bém para de­fen­der os di­rei­tos hu­ma­nos. Para mim, os di­rei­tos hu­ma­nos e o mé­dio am­bi­ente som duas cou­sas que nom se po­dem des­li­gar, quando se pro­tege um está-se a pro­te­ger o ou­tro. E quando se ataca um, está-se a ata­car o ou­tro. Por exem­plo, a mina ca­na­dense de GoldCorp pro­voca mi­lha­res de ca­sos de cân­cer en­tre os in­dí­ge­nas que vi­vem na zona em que se criou. E tam­bém con­ta­mi­nou a terra e os rios que a ro­deiam. Se a saúde e o di­reito à ali­men­ta­çom som di­rei­tos hu­ma­nos, en­tom é ób­vio que, de­fen­dendo a terra da exis­tên­cia des­tas mi­nas, tam­bém se de­fen­dem os di­rei­tos da­que­les que as ha­bi­tam. É um cír­culo vi­ci­oso, a con­ta­mi­na­çom pro­voca morte e des­trui­çom, o que por sua vez pro­voca des­lo­ca­men­tos e po­breza. E se­gui­mos a lui­tar jus­ta­mente por isso, por­que é umha ques­tom de vida ou morte, nom te­mos ou­tra. Nom po­de­mos ca­lar, e cada vez mais sec­to­res da so­ci­e­dade vem-se afe­ta­dos po­los tra­ta­dos de li­vre co­mér­cio, que con­ta­mi­nam, ma­tam e, de­vido aos re­cor­tes, con­tri­buem à pri­va­ti­za­çom da saúde e do en­sino. da sa­ni­dade e da educaçom.

“Os direitos humanos e o médio ambiente som duas cousas que nom se podem desligar, quando se protege um está-se a proteger o outro”

Sem dú­vida, to­dos de­ve­ría­mos unir-nos a es­sas mo­bi­li­za­çons e so­li­da­ri­zar-nos com a causa.
Sim. Mas eu nom quero fa­lar do que de­vem ou po­dem fa­zer desde ou­tros lu­ga­res. Nom creio que de­va­mos di­zer-vos que fa­zer desde aqui, por exem­plo. Ou desde a China. Com cer­teza que ter umha rede de acom­pa­nha­mento é im­por­tante, e lo­grar umha so­li­da­ri­za­çom dou­tros paí­ses. É ver­dade que gra­ças à pre­som in­ter­na­ci­o­nal con­se­guí­rom-se avan­ços em Honduras ou México que dou­tro modo nom te­riam sido pos­sí­veis. Por exem­plo, se se lo­grou al­gum tipo de jus­tiça no caso de Berta foi, em parte, gra­ças a esta pre­som, e es­ta­re­mos sem­pre agra­de­ci­das. As em­pre­sas que ex­plo­ram os ter­ri­tó­rios la­tino-ame­ri­ca­nos som na sua mai­o­ria es­tran­gei­ras, polo que se se vê afe­tada a sua ima­gem, e se de­mons­tra que es­tám a vi­o­la­rem di­rei­tos hu­ma­nos, isto afeta-as di­re­ta­mente. Polo que sim que é muito im­por­tante que se fa­gam cam­pa­nhas onde se fale das açons des­tas em­pre­sas. Mas, ao tempo, a me­lhor forma que te­mos de aju­dar-nos en­tre paí­ses é apoi­ando aos pro­ces­sos lo­cais que cada um te­mos no nosso ter­ri­tó­rio. Por exem­plo, a mim no es­tado es­pa­nhol abraiou-me a de cam­pa­nhas que há, a quan­ti­dade de mo­bi­li­za­çons que se fi­gé­rom po­los pan­ta­nos, por exem­plo, ou em Múrcia, com o caso do AVE. Ou aqui na Galiza, as ma­ni­fes­ta­çons em con­tra da Mina de Touro. Eu mesmo fum a umha des­tas ma­ni­fes­ta­çons em con­tra desta mina e acho há que lhe dar toda a vi­si­bi­li­dade pos­sí­vel. Que a gente se mo­bi­lize na Galiza ajuda-nos em Honduras ou em México, por­que umha cousa que é im­por­tante ter clara é que nós nom lui­ta­mos em con­tra das mi­nas ou pre­sas por­que es­te­jam no nosso ter­ri­tó­rio, se­nom que o fa­ze­mos para pro­te­ger a todo o mundo, por­que o mé­dio am­bi­ente é algo que nos afeta a to­das, e que haja um ver­tido em Honduras aca­bará re­per­cu­tindo em todo o pla­neta. Por iso creio fun­da­men­tal que se luite lo­cal­mente, por­que o tipo de vi­o­lên­cias som as mes­mas, e nor­mal­mente es­tám pro­vo­ca­das po­las mes­mas empresas.

Por úl­timo, no caso de Berta Cáceres, como vai o pro­cesso? Há avan­ços que per­mi­tam que se faga justiça?

ena bar­ba­zán


Polos pro­ces­sos de as­sas­si­nato e de as­sas­si­nato em ten­ta­tiva há 8 im­pu­ta­dos. Em 2 de março, coin­ci­dindo com o se­gundo ani­ver­sá­rio do as­sas­si­nato de Berta, en­car­ce­rou-se um no­veno, o pre­si­dente da junta di­re­tiva da em­presa DESA. Foi mui im­por­tante por­que por fim co­me­ça­mos a ache­gar-nos aos au­to­res in­te­lec­tu­ais da sua morte, tanto David Castilho como aos mem­bros da fa­mí­lia Atala, umhas das mais po­de­ro­sas de Honduras. Em ju­nho vai ha­ver o juízo [Nota: esta con­versa re­a­li­zou-se an­tes desta vista. Finalmente o juízo oral fi­cou mar­cado para se­tem­bro] con­tra os oito pri­mei­ros acu­sa­dos ‑o juízo con­tra David Castilho ainda pode de­mo­rar dous anos- e vai ser fun­da­men­tal que haja umha pre­som in­ter­na­ci­o­nal grande, já que se­gundo como vaia este juízo, as cou­sas po­dem mu­dar ou nom. É algo pa­re­cido ao que se está a pas­sar agora com o caso de La Manada, onde a sen­tença que se lhes dê pode ser um to­que de aten­çom para toda a so­ci­e­dade. Esperemos que se en­ca­mi­nhe a fa­zer jus­tiça, eu man­te­nho a esperança.
O que tam­bém gos­tava di­zer é que se há vi­o­lên­cia, tam­bém ha­verá mais es­pe­rança. Porque se há vi­o­lên­cia, as pes­soas mo­bi­li­za­rám-se para se pro­te­ge­rem, pro­te­ge­rem a vida e o seu ter­ri­tó­rio. Nem nada nem nin­guém po­derá pa­rar isso.

 

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