As estatísticas de acidentes de trabalho do Ministério do Trabalho espanhol mostram um aumento da mortalidade no trabalho no primeiro trimestre de 2022 em comparaçom com o mesmo trimestre do ano passado. Na Galiza, entre janeiro e março de 2021 os acidentes de trabalho vitimárom 6 pessoas, já este ano fôrom 32 as pessoas mortas. Entre estas cifras incluem as 21 vítimas do naufrágio na Vila de Pitanxo nas águas da Terra Nova, mas mesmo nom entrando estas nas estatísticas o aumento em relaçom ao número de mortos no ano passado seria de 5 pessoa. Também subírom os acidentes mortais em itínere ‑aqueles que se produzem no deslocamento para o local de trabalho ou na saída deste‑, passando de 1 para 3.
É necessário enquadrar estes números na tendência que se tem registado nos últimos anos, sendo que a Galiza é umha das comunidades autónomas do Reino de Espanha a liderar no número de mortos nos seus postos de trabalho. Em termos de taxa de incidência, a Galiza foi a comunidade autónoma com maior mortalidade ocupacional em 2018 e 2019, a quarta em 2020 e a terceira em 2021. Estes dados — somados à resposta que se está a dar este ano — som suficientes para entender que existem causas estruturais que colocam em risco a vida dos trabalhadores no nosso país.
Problemas estruturais
Segundo Fernando Sabio, técnico de saúde ocupacional da central sindical CIG, há vários problemas estruturais a considerar na compreensom destas estatísticas. Um dos quais aponta tem a ver com a qualificaçom da gravidade dos acidentes, que em princípio é feita pola empresa. “Estou cansado de ver acidentes gravíssimos, mesmo com amputaçons, que som consideradas menores”, salienta Sabio. “É incrível que nom exista um sistema avalizado peoo serviço público de saúde na classificaçom do acidente de forma imediata, pois isso acaba por determinar se há ou nom investigaçom pola Inspeçom de Trabalho, com as consequências que pode ter e, sobretudo, com a possibilidade de podermos atuar para identificar as causas, corrigi-las e que isso nom volte a acontecer”, acrescenta. “Acidentes graves som o prelúdio dos mortais” garante.
Neste aspecto, Sabio apontou algumhas melhorias nos últimos anos, como a revisom polo ISSG e o SERGAS daquelas qualificaçons que parecem suspeitas, mas é umha prática recente “e ainda tem um longo caminho a percorrer”. Sabio acrescenta ainda que “o que mata é a falta de adoçom rigorosa de medidas preventivas”.
Galiza é umha das comunidades autónomas do Reino de Espanha a liderar no número de mortes em posto de trabalho: foi a primeira em 2018 e 2019, a quarta em 2020 e a terceira em 2021
Armando Iglesias, secretário de açom sindical e saúde ocupacional, aponta umha longa lista de causas estruturais que respeitam à sinistralidade laboral nosso país: “a alta temporalidade, a falta de formaçom das pessoas trabalhadoras ‑tanto no seu ofício como na prevençom de riscos laborais‑, o incremento das cargas e ritmos de trabalho, os poucos meios de controlo e vigiláncia por parte da Inspeçom de Traballo e a pouca implicaçom e responsabilidade das empresas com a prevençom e a saúde das pessoas trabalhadoras”.
A falta de responsabilidade por parte das empresas na saúde ocupacional dos seus trabalhadores dá alguns números surpreendentes. Num relatório do ISSGA que analisa os acidentes de trabalho entre 2005 e 2017 afirma-se que apenas 6 % das empresas em que morrera umha pessoa no seu posto de trabalho completaram o processo preventivo aplicando as medidas acordadas. Entre 2013 e 2017, as percentagens melhorárom, com 14,6 % das empresas a completarem o processo preventivo.
“Há muito pouca consciência a nível galego de prevençom”, garante Fernando Sabio. E acrescenta que “a própria classe política da direita, para nom falar dos empresários, continuam a ver a prevençom como um gasto”. Denuncia ainda a falta de um plano de choque galego contra os acidentes de trabalho e qualificou o orçamento da Junta para o desenvolvimento da prevençom como “muito fraco”.
Entre os perfis mais vulneráveis aos acidentes de trabalho, este sindicalista do IGC alerta para a emergência de um novo perfil de risco devido ao prolongamento da vida laboral: as pessoas com mais de 55 anos. Outro dos perfis vulneráveis que destaca é o de “jovem que muda constantemente de emprego e tem contratos de curta duraçom, porque em muitos casos chega a umha empresa e nom lhe dá tempo para conhecer as características dos seus empregos”. Pessoas doutros países e mulheres também som listadas como perfis de risco.
Morte na Repsol
No dia 26 de março, na fábrica da Repsol na Corunha, ocorreu um acidente que terminou com a vida de um trabalhador, ferindo outra pessoa. O perfil do trabalhador falecido concordava com aquele descrito por Fernando Sabio, pois fazia parte de um contrato que realizava trabalhos de manutençom na fábrica. A morte ocorreu durante umha ‘paragem’, momento em que fábricas como a da Repsol precisam interromper a produçom para inspecionar os equipamentos, processo que pode levar de 4 a 5 meses. Assim, o pessoal do contrato passou a trabalhar noutras ‘paragens’ doutras fábricas do Estado. Nessas ‘paragens’ “há muito trabalho, trabalha-se 24 horas por dia, e a cada 12 horas”, expom Ventura Agis, delegado sindical da CIG na Repsol e membro do conselho de empresa. “O ritmo de trabalho vai aumentando quando se vai achegando o final da paragem, pois os prazos querem cumprir-se porque cada dia de ‘paragem’ som milhons de euros que deixam de produzir-se”, salienta.
Agis deixa claro que esta morte nom é resultado de erro humano e tem causas estruturais. “O problema da Repsol é que cada vez mais a manutençom está a ser terceirizada e entendemos que em tal indústria deve haver algumha especializaçom. As pessoas tenhem que ter a formaçom certa para trabalhar aqui porque somos umHa equipa com umha certa complexidade”, acrescenta.
A arrogância da empresa e a indignaçom dos contratados levaram a vários dias de mobilizaçom após a morte do trabalhador. Num primeiro momento, a Repsol recusou-se a reunir-se com o pessoal subcontratado até que a ‘paragem’ estivesse concluída, mas acabou por aceitar algumhas exigências após protestos dos trabalhadores subcontratados. Em 11 de maio, a comissom de investigaçom interna do acidente foi encerrada e a empresa apresentou relatório concluindo que houvo descumprimento de procedimentos no acidente fatal. A secçom sindical da CIG Nom assinou este documento porque “nom aprofunda nas causas estruturais que provocárom o acidente e apenas mostra os erros humanos sem assumir pola empresa, que é o que está a causar esta tomada de decisons”. Um processo judicial está em andamento para determinar a causa do incidente.
Doenças ocupacionais
Outra vertente da saúde ocupacional di respeito às doenças profissionais, um campo com tradiçom de reivindicaçom sindical porque tem exigido muito trabalho para denunciar e reivindicar o reconhecimento de várias doenças deste tipo. E nom parece que já tenha sido feito tudo neste campo. O técnico da CIG, Fernando Sabio, salienta que as estatísticas oficiais ocultam os números das doenças profissionais relacionadas como o cancro. E alerta ainda para o aumento dos problemas de saúde mental, que nom estám a ser contabilizados como doenças profissionais e que podem também originar problemas cardiovasculares, que som umha das principais variáveis nos acidentes de trabalho.
O técnico da CIG, Fernando Sabio, salienta que as estatísticas oficiais ocultam os números das doenças profissionais relacionadas como o cancro. E alerta ainda para o aumento dos problemas de saúde mental
Para o ISSGA, as doenças ocupacionais mais comuns som aquelas relacionadas com posturas forçadas e movimentos repetitivos no local de trabalho. O seu relatório de acidentes de trabalho em 2020 diferencia esta rubrica entre ‘doenças por fadiga e inflamaçom das bainhas dos tendons, tecidos peritendíneos e inserçons musculares e tendinosas’ e ‘paralisia dos nervos por pressom’. Na análise por província, Ponte Vedra apresenta a maior incidência de doenças profissionais. Nesta província ocorrem 46,47 % das doenças profissionais com baixa de todo o país e 56,74 % das doenças profissionais sem baixa.
Epidemia na indústria automóvel
É precisamente na província de Ponte Vedra que a indústria automóvel tem maior presença, e é neste sector que Sabio denuncia que existe umha “verdadeira epidemia de afeçons músculo-esqueléticas” devido ao aumento dos ritmos e alteraçons à organizaçom do trabalho. Este sindicalista denuncia que som doenças “tremendamente incapacitantes” e que muitas pessoas aos 12 anos de sua carreira no sector estám até condenadas a despedimentos objetivos. És explorado, magoam-te e depois enviam-te para casa sem qualquer proteçom”. Sabio denuncia ainda que isso está a acontecer por causa da inaçom da Inspeçom do Trabalho, sobretudo pola sua delegaçom provincial em Ponte Vedra.
Este mesmo problema foi relatado pola secçom sindical da sede da CUT na fábrica da Stellantis, em Vigo. Em declaraçons ao Novas da Galiza, a CUT estima que atualmente “temos entre 5 % e 6 % de pessoas trabalhadoras em IT, ou seja, entre 300 e 400 pessoas. Poderia dizer que 80 % dessas baixas som devidas a distúrbios musculoesqueléticos e o mais curioso é que a maioria delas som baixas de mais de 6 meses. Quando isso acontece num centro de trabalho, merece umha análise da própria Inspeçom do Trabalho”.
Da CUT denunciam que os serviços de prevençom de Stellantis derivam automaticamente doenças ocupacionais para os serviços públicos de saúde
Da CUT acrescentam que dessas baixas entre 5 % e um 10 % solicitam umha mudança de contingências, procurando que se reconheça o carácter profissional destas enfermidades. “Mas só 30 % dessas doenças estám a reconhecer-se como profissionais. Portanto, o índice de doenças ocupacionais que som reconhecidos neste centro polo volume de pessoal que temos é anedótico”, enfatizam do sindicato. Denunciam também que os serviços de prevençom da empresa estám a enviar muitas doenças ocupacionais para os serviços públicos de saúde.
Para a secçom sindical do sindicato CUT em Stellantis, a saúde ocupacional tem sido umha de suas principais áreas de trabalho. No passado mês de abril, por ocasiom da celebraçom do Dia Mundial da Saúde Ocupacional, realizárom umha campanha de sensibilizaçom em torno das doenças osteomusculares e também do aumento do stress laboral na força de trabalho. “Ter uma boa saúde física e psicológica é para nós umha das exigências por tratar nos locais de trabalho”, salientam.
Dificuldades para umha perspetiva de género em saúde ocupacional
Ainda há muitas limitaçons para avançar com umha análise de género dos acidentes de trabalho. As estatísticas estatais e autonómicas desagregam por sexo os seus dados ‑os quais mostram que a mortalidade na jornada laboral e nos acidentes com baixa as vítimas som maioritariamente masculinas, e que as percentagens tendem ao equilíbrio nos acidentes em itínere e nas cifras de doenças profissionais‑, mas muitas empresas nom introduzem essas variáveis nos seus planos de prevençom. Esta é umha das deficiências que tem detetado a técnica em Igualdade da CIG, Ester Mariño: “Mesmo que sejam desagregadas nos registos, a informaçom nom é tratada por sexos. Geralmente som dados totais e é difícil encontrar estudos que fagam umha comparaçom ou analisem os dados de forma diferente.
Mariño acrescenta que nas avaliaçons de risco até recentemente, o padrom de corpo era de um homem de meia-idade. Embora tenha havido alguns progressos nesta avaliaçom, Mariño destaca que, mesmo em muitos locais de trabalho, o empregador continue um homem. “Deve-se assumir que todos os empregos devem ser adaptados para que todas as pessoas podam ocupá-los”, denuncia.
“Deve-se assumir que todos os empregos devem ser adaptados para que todas as pessoas podam ocupá-los”
A principal exigência de Mariño, mesmo na elaboraçom de planos de igualdade nas empresas, é que esta avaliaçom de risco seja completada com umha análise de riscos psicossociais “levando em conta a perspetiva de género e os problemas que socialmente afetam mais as mulheres, pois podem ter a ver com questons como a conciliaçom, os cuidados… Isso também tem impacto direto na saúde ocupacional e há muito trabalho a ser feito”, explica o técnico.
Também expom que no relacionado com a reproduçom humana existem ainda deficiências. “A proteçom das trabalhadoras grávidas muitas vezes chega tarde”, salienta; e arredor da aleitaçom materna classifica a situaçom como “lamentável”: “só se tenhem em conta riscos como químicos que podam passar ao leite, mas todo o que tem a ver com horários, temperaturas… nom existe”.
“Também é comum encontrar empregos muito feminizados, como empregadas de ajuda ao domicílio ou empregadas domésticas, que já estám sem nenhum tipo de proteçom e cuja saúde ocupacional é zero”, acrescenta Mariño. Afirma ainda que estas trabalhadoras “estarám expostas a múltiplos riscos e agressons constantes e contínuas” e que “normalmente o que acontece quando se denuncia umha destas situaçons é que trocam umha trabalhadora por outra”.