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RebeliOns

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Vistas das Ons desde Sam Genjo | xa­bier vieiro

Às por­tas do Oceano Atlântico, fe­chando a ria de Ponte-Vedra, re­pou­sam dei­ta­das no mar as ilhas de Ons e Onça. Do con­ti­nente, a Ons se­me­lha umha longa serpe calma e queda, acom­pa­nhada da co­e­lheira Onça, que du­rante os se­ráns se con­verte no aco­bi­lho das úl­ti­mas ho­ras do sol. Nestas pe­que­nas ilhas do sol-pôr de­sen­vol­veu-se umha his­tó­ria de co­mu­ni­dade e luita pola pro­pri­e­dade da terra que as on­das do tempo quase apagaram.

As fon­tes do­cu­men­tais e a me­mó­ria po­pu­lar as­si­na­lam as pri­mei­ras dé­ca­das do sé­culo XIX como data de che­gada das pri­mei­ras fa­mí­lias, que se con­ver­te­riam nas an­te­pas­sa­das da atual gente das Ons. Até en­tom, a his­tó­ria da Ilha era bem con­fusa. Em 899, Afonso III do­ava Ons e ou­tras ilhas atlân­ti­cas à Igreja com­pos­te­lana. No sé­culo XVI, apa­rece como afo­rada da ilha a fa­mí­lia Montenegro, tendo lu­gar desde en­tom vá­rios plei­tos en­tre a igreja e esta fa­mí­lia. No me­di­evo, Ons foi ha­bi­tada por mon­ges, fi­cando na me­mó­ria po­pu­lar um mos­teiro que nunca se des­co­briu. Nos sé­cu­los se­guin­tes es­tas ilhas ser­vi­ram de aga­cho a ex­pe­di­çons pi­ra­tas, polo que en­tre os XVII e XIX Ons se en­con­tra desabitada.

O Marquês de Valadares

Álvaro das Casas re­co­lhe no seu ar­tigo ‘A Illa de Ons’, pu­bli­cado no nú­mero 131–132 da re­vista Nós, as im­pres­sons que nele dei­xou esta ilha de­pois dumha es­ta­dia de 10 dias em 1932. Neste texto, das Casas re­co­lhe a his­tó­ria po­pu­lar so­bre a che­gada das fa­mí­lias an­te­pas­sa­das. Assim, in­dica que três fa­mí­lias che­ga­ram de Loira, pa­ró­quia do con­ce­lho de Marim, e que ali se es­ta­be­le­ce­ram sem li­cença de nin­guém. “O dono ‑conta das Casas‑, que era o marquês de Valadares, che­gou tempo de­pois para botá-los fóra mas em pouco es­teve que nom o ma­tas­sem: os que po­de­ría­mos cha­mar fun­da­do­res, os seus fi­lhos, pa­ren­tes e ou­tros con­ti­nen­tais que vi­nhé­rom trás de­les su­ble­vá­rom-se, e se o fi­dalgo nom per­deu a vida na re­volta foi por­que (…) con­se­guiu fu­gir com umha dorna para Bueu”.

Os tra­ba­lhos de in­ves­ti­ga­çom so­bre a his­tó­ria das Ons, re­a­li­za­dos polo có­nego Salustiano Portela Pazos e mais re­cen­te­mente por Xosé Manuel Pereira Fernández, re­co­lhido e com­ple­men­tado polo pro­fes­sor Celestino Pardellas em vá­rios ar­ti­gos da re­vista Aunios, dá-nos umha vi­som com­ple­men­tar a este tes­te­mu­nho. Em 1810 a Junta Provincial de Armamento e Defesa de­cide re­a­li­zar umha for­ti­fi­ca­çom mi­li­tar nas Ons e di­vide a Ilha em par­ce­las cul­ti­vá­veis que en­tre­gará como “açons de pri­meira classe” às pes­soas que che­gam para tra­ba­lhar, as quais te­rám que pa­gar um câ­none ao ca­bido com­pos­te­lano. A for­ti­fi­ca­çom fica ina­ca­bada e es­toura o con­flito so­bre a pro­pri­e­dade da terra.

A fa­mí­lia Montenegro, à que per­tence a es­posa do marquês de Valadares, re­clama a pro­pri­e­dade da ilha. Também nessa época, um ho­mem, que os in­ves­ti­ga­do­res iden­ti­fi­cam com o chefe de obras, acu­mu­lara “açons de pri­meira classe” e ofe­re­cia os ter­re­nos à gente de pa­ró­quias ache­ga­das para se ins­ta­la­rem nas Ons. Durante todo este tempo, a ilha foi-se en­chendo de ca­sas e ca­si­nhas. Na dé­cada de 30 do sé­culo XIX, re­si­den­tes da ilha es­cre­vem à Rainha re­gente so­li­ci­tando que se lhes per­mita o usu­fruto das suas ter­ras e mos­trando-se dis­pos­tas a pa­gar um câ­none à fa­zenda. Porém, pouco de­pois o Marquês de Valadares con­se­gue que se lhe re­co­nheça como dono da ilha. Só se pode pen­sar que o Marquês con­se­guiu tal pro­pri­e­dade trás re­pri­mir os pro­tes­tos da gente ins­ta­lada nas Ons.

O feu­da­lismo do polvo

Em 1919 com­pra a ilha o mé­dico Manuel Riobó Guimeráns e o vi­zi­nho das Ons Marcial Bernadal. Após de­sa­cor­dos en­tre eles, fica Riobó como único pro­pri­e­tá­rio da ilha, con­cer­tando vá­rias hi­po­te­cas so­bre a mesma e cri­ando umha Sociedade Mercantil. Esta so­ci­e­dade terá o mo­no­pó­lio da co­mer­ci­a­li­za­çom do polvo cap­tu­rado pola gente das Ons, quem só po­dem ven­der à em­presa de Riobó. É en­tom quando se re­viva a luita pola pro­pri­e­dade da terra. A es­cri­tora Marta Lemos Jorge, no seu li­vro A bordo das Ons, re­co­lhe como em 1921 som des­ti­na­dos à ilha dous guar­das ju­ra­dos. Nesse mesmo ano, Riobó apre­senta umha de­nún­cia por de­sor­dens, afir­mando que es­ses guar­das ju­ra­dos som in­cre­pa­dos po­las vi­zi­nhas e vi­zi­nhos, quem tam­bém re­a­li­zam açons de ocu­pa­çons de ter­ras para as tra­ba­lhar. “Increpados ‑ex­pom a de­nún­cia de Riobó- po­los guar­das polo que re­a­li­za­ram, con­tes­ta­ram que o fi­gé­ram por­que eram os úni­cos e ver­da­dei­ros do­nos e que o re­pe­ti­riam sem­pre, pois a terra era de quem a tra­ba­lhava (…)”. Trás es­tes fei­tos, Riobó vol­ta­ria a Ons acom­pa­nhado de agen­tes da Guarda Civil para re­pri­mir a rebeliom.

Este le­van­ta­mento teve que con­tar com a or­ga­ni­za­çom e apoio desde as co­mar­cas ma­ri­nhei­ras mais pró­xi­mas, pois o pró­prio Riobó na de­nún­cia as­se­gura que se cri­ara umha so­ci­e­dade que or­ga­ni­zava a luita e que mesmo vi­nhé­ram à Ilha ora­do­res de Ponte-Vedra e Vigo. Nestas re­vol­tas, as vi­zi­nhas e vi­zi­nhos em­pre­ga­vam umha das ar­mas ca­ra­te­rís­ti­cas das Ons: a funda, a qual ser­via tanto para es­pan­tar as gra­lhas como para re­sis­tir os em­ba­tes da Guarda Civil.

Após re­pri­mir o pro­testo, Riobó cas­tiga o povo de Ons fa­zendo-lhe as­si­nar um es­crito em que se lhe re­co­nhece como único dono das ilhas e se lhes proíbe ter gado pró­prio, pas­sando este a ser pro­pri­e­dade de Riobó.

Reflorestaçom e república

Ao mor­rer Manuel Riobó em 1930 a pro­pri­e­dade da Sociedade Mercantil que di­rige a Ilha pas­saao seu fi­lho Didio e re­a­pa­rece, en­tom, a luita pola pro­pri­e­dade da terra. Por um lado, a vi­zi­nhança res­posta à re­flo­res­ta­çom com pi­nheiro que Didio Riobó iní­cia na ilha cei­vando o gado a pas­to­rear nas zo­nas va­la­das em que se re­a­li­zam as plan­ta­çons. Por ou­tro lado, as tra­ba­lha­do­ras e tra­ba­lha­do­res, com a che­gada da República, re­cla­mam a apli­ca­çom da Lei Agrária e a par­ce­la­çom das ter­ras. Também na etapa de Didio, os ma­ri­nhei­ros co­me­çam a ven­der o polvo fora da ilha, pois Riobó pre­ten­dia re­bai­xar o preço. A res­posta do pro­pri­e­tá­rio ante isto será bi­va­lente: por um lado cas­ti­gará à vi­zi­nhança re­ti­rando-lhes o gado e, por ou­tro, apu­rado po­las dí­vi­das, fará mo­vi­men­tos para que a ad­mi­nis­tra­çom re­pu­bli­cana ex­pro­prie a Ilha, o que su­po­ria para ele umha com­pen­sa­çom económica.

Na década de 70 começa o êxodo cara a Bueu, provocado pola falta dum porto na Ilha para barcos com motor

Numha re­por­ta­gem pu­bli­cada em El Pueblo Gallego o 27 de se­tem­bro de 1933, o jor­na­lista e fu­turo al­calde de Bueu Johan Carballeira re­co­lhe a voz da gente das Ons, que con­ta­vam com a as­ses­so­ria de Fernández Cambeiro, o mes­tre da Ilha. Um ho­mem que es­tava a tra­ba­lhar nas la­bo­res do mi­lho, acom­pa­nhado do seu fi­lho, ex­plica a Carballeira que é o que que­rem: “Pois o que sem­pre pen­sa­mos e qui­gé­mos: que a terra seja nossa; que o Estado in­ter­ve­nha dumha vez e apar­cele a ilha distribuindo‑a equi­ta­ti­va­mente en­tre to­dos os ha­bi­tan­tes”. A pe­sar das pro­mes­sas e as boas pa­la­vras desde Madrid, tal ex­pro­pi­a­çom nunca che­gou a fa­zer-se, e o ge­no­cí­dio fas­cista e a pos­te­rior re­pres­som pro­vo­cará tam­bém o apa­ga­mento das rei­vin­di­ca­çons da gente da ilha.

Em ou­tu­bro de 36, Didio Riobó, de ideias re­pu­bli­ca­nas, apa­re­cia en­for­cado. Após a sua morte, a Ilha é ce­dida a Gaspar Massó, ir­mao de José Maria Massó, o eterno al­calde de Bueu du­rante o fas­cismo e ele­mento ativo nos as­sas­si­na­tos po­lí­ti­cos do 36. Gaspar Massó fará os trâ­mi­tes para que o es­tado fran­quista fi­que com a pro­pri­e­dade da Ilha.

Por en­tom, a fá­brica de salga de polvo fe­cha e os ma­ri­nhei­ros de Ons ex­pan­dem a sua ati­vi­dade a no­vos pes­quei­ros e no­vos pon­tos de venda. Na dé­cada de 70 co­me­çará o êxodo cara a Bueu, de­vido à che­gada do mo­tor às em­bar­ca­çons de pesca. A falta dum porto de atra­que na Ilha para os bar­cos no­vos, os ma­ri­nhei­ros viam-se obri­ga­dos a es­ta­be­le­cer-se em Bueu, para pouco a pouco ir indo as suas fa­mí­lias trás eles ao con­ti­nente. Atrás fi­cava umha his­tó­ria de luita e co­mu­ni­dade. “A gente era mui unida, muito mais do que em terra”, lem­bram ainda a gente da Ilha.

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