Periódico galego de informaçom crítica

Representaçom e exílio

por
María Casares numha cena de ‘or­feu’ de Jean Cocteau (1950).

Roland Barthes es­ti­mava que a re­la­çom en­tre ge­o­me­tria e te­a­tro es­tava na van­guarda da his­tó­ria da arte como prá­tica que re­a­liza cál­cu­los so­bre aquela parte das cou­sas que é ob­jeto do olhar (1). Esta é, se­gundo o fi­ló­sofo, a base do con­ceito de re­pre­sen­ta­çom no ci­nema e o te­a­tro, nos quais o ponto de vista de­ter­mina e jus­ti­fica a es­co­lha da re­a­li­dade que será re­pre­sen­tada na obra.

Queremos en­fiar a per­so­na­li­dade de Maria Casares no cen­te­ná­rio do seu nas­ci­mento com este con­ceito de re­pre­sen­ta­çom. Casares pas­sou a in­fân­cia na Galiza, me­drou em Madri e exi­lou-se e mor­reu na França, onde vi­veu e tra­ba­lhou a maior parte da sua vida. Mas a atriz nos seus es­cri­tos e de­cla­ra­çons, es­pe­ci­al­mente nas suas me­mó­rias ti­tu­la­das Residente pri­vi­le­gi­ada, nunca dei­xou de con­si­de­rar-se ga­lega. Converte-se as­sim num sím­bolo do exí­lio da II República, um sím­bolo que, ao cabo, é umha re­pre­sen­ta­çom. A cons­ci­ên­cia de Maria Casares de ser re­pre­sen­ta­çom de algo apa­rece já na sua ado­les­cên­cia em Madri: “Foi em Madri, com cer­teza, que, pola pri­meira vez, to­mara cons­ci­ên­cia de que me cum­pria “re­pre­sen­tar” al­guém ou algo, a meu pai, a fi­lha de um ho­mem da República, umha certa Espanha. Transformara-me, pro­vi­so­ri­a­mente, em per­so­na­gem pú­blica e se até da­quela, a pe­sar da re­pu­ta­çom dos Casares na Galiza, es­ca­para à toma de cons­ci­ên­cia de pri­vi­lé­gios e de car­gas que esta si­tu­a­çom me exi­gia, em Madri, de­viam co­me­çar a pe­sar tanto acima da mi­nha moça exis­tên­cia, que iam mo­de­lar o meu com­por­ta­mento, o meu ca­rác­ter, a mi­nha sen­si­bi­li­dade, a con­di­çom da mi­nha exis­tên­cia; e, de qual­quer jeito, car­re­gar-me, sem nen­gumha sorte de dú­vida, de umha ma­du­rez pre­coce e, se ca­lhar, de um des­tino.” (2)

Já logo, no exí­lio, tam­bém as­su­miu certa ati­tude sim­bó­lica a res­peito do seu es­tar no mundo, re­fle­tida nes­tas palavras:“Herdei uni­ca­mente o pro­fundo sa­ber dos meus com­pa­tri­o­tas ga­le­gos, es­pa­lha­dos de sem­pre polo mundo adi­ante e a sua doce mor­ri­nha, fonte mi­la­greira de gran­des ener­gias; e dos ou­tros, dos es­pa­nhóis que ti­nham que vir, pos­suía já o fundo sen­tido da re­pre­sen­ta­çom, en­car­nava-os já ao anun­ciá-los, a eles a to­dos os que es­ta­vam por vir, de paí­ses cada vez mais afas­ta­dos.” (3)

A vo­ca­çom de atriz surge nela bem cedo, com as di­fi­cul­da­des acres­cen­ta­das de fazê-lo num país es­tran­geiro e em plena apren­di­za­gem do idi­oma, mas está for­te­mente de­ci­dida. De novo a cons­ci­ên­cia da re­pre­sen­ta­çom, dar voz a se­res, a dis­cur­sos ou­tros: a in­ter­pre­ta­çom, logo a re­pre­sen­ta­çom, de novo, como su­bli­ma­çom da vida. Mas tam­bém o nom lu­gar. Maria Casares iden­ti­fi­cou-se com o exí­lio e com a pro­fis­som de atriz, umha cons­tante es­ta­dia no nom lu­gar, sem­pre en­tre dous mun­dos: a cena e a vida, o exí­lio e a per­tença. Muitas das per­so­na­gens às que deu vida es­tám nes­sas mar­gens, nes­sas fron­tei­ras en­tre dous mun­dos ou mesmo en­tre duas re­a­li­da­des: a prin­cesa do Orfeu de Cocteau, en­tre os vi­vos e os mor­tos ao mesmo tempo ou a Lady Macbeth de Shakespeare que se de­bate en­tre a vi­o­lên­cia do po­der e a vida do­més­tica re­ser­vada às mulheres.

Maria Casares nunca re­tor­nou à Galiza, fi­cou como es­sas per­so­na­gens en­tre dous mun­dos: num ato de re­pre­sen­ta­çom per­ma­nente, mas sem pre­sença, di­ri­gindo o olhar cara a esse pe­daço de re­a­li­dade vendo‑a tal e como que­ria que fosse.

  1. Roland Barthes: “Diderot, Brecht, Einsestein” em Lo ob­vio y lo ob­tuso: Imágenes, ges­tos, vo­ces, Barcelona: Paidós, 2002.
  2. Maria Casares: Residente pri­vi­le­xi­ada, Inhás-Oleiros (A Corunha) : Trifolium, 2009.
  3. Ibídem.

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