Roland Barthes estimava que a relaçom entre geometria e teatro estava na vanguarda da história da arte como prática que realiza cálculos sobre aquela parte das cousas que é objeto do olhar (1). Esta é, segundo o filósofo, a base do conceito de representaçom no cinema e o teatro, nos quais o ponto de vista determina e justifica a escolha da realidade que será representada na obra.
Queremos enfiar a personalidade de Maria Casares no centenário do seu nascimento com este conceito de representaçom. Casares passou a infância na Galiza, medrou em Madri e exilou-se e morreu na França, onde viveu e trabalhou a maior parte da sua vida. Mas a atriz nos seus escritos e declaraçons, especialmente nas suas memórias tituladas Residente privilegiada, nunca deixou de considerar-se galega. Converte-se assim num símbolo do exílio da II República, um símbolo que, ao cabo, é umha representaçom. A consciência de Maria Casares de ser representaçom de algo aparece já na sua adolescência em Madri: “Foi em Madri, com certeza, que, pola primeira vez, tomara consciência de que me cumpria “representar” alguém ou algo, a meu pai, a filha de um homem da República, umha certa Espanha. Transformara-me, provisoriamente, em personagem pública e se até daquela, a pesar da reputaçom dos Casares na Galiza, escapara à toma de consciência de privilégios e de cargas que esta situaçom me exigia, em Madri, deviam começar a pesar tanto acima da minha moça existência, que iam modelar o meu comportamento, o meu carácter, a minha sensibilidade, a condiçom da minha existência; e, de qualquer jeito, carregar-me, sem nengumha sorte de dúvida, de umha madurez precoce e, se calhar, de um destino.” (2)
Já logo, no exílio, também assumiu certa atitude simbólica a respeito do seu estar no mundo, refletida nestas palavras:“Herdei unicamente o profundo saber dos meus compatriotas galegos, espalhados de sempre polo mundo adiante e a sua doce morrinha, fonte milagreira de grandes energias; e dos outros, dos espanhóis que tinham que vir, possuía já o fundo sentido da representaçom, encarnava-os já ao anunciá-los, a eles a todos os que estavam por vir, de países cada vez mais afastados.” (3)
A vocaçom de atriz surge nela bem cedo, com as dificuldades acrescentadas de fazê-lo num país estrangeiro e em plena aprendizagem do idioma, mas está fortemente decidida. De novo a consciência da representaçom, dar voz a seres, a discursos outros: a interpretaçom, logo a representaçom, de novo, como sublimaçom da vida. Mas também o nom lugar. Maria Casares identificou-se com o exílio e com a profissom de atriz, umha constante estadia no nom lugar, sempre entre dous mundos: a cena e a vida, o exílio e a pertença. Muitas das personagens às que deu vida estám nessas margens, nessas fronteiras entre dous mundos ou mesmo entre duas realidades: a princesa do Orfeu de Cocteau, entre os vivos e os mortos ao mesmo tempo ou a Lady Macbeth de Shakespeare que se debate entre a violência do poder e a vida doméstica reservada às mulheres.
Maria Casares nunca retornou à Galiza, ficou como essas personagens entre dous mundos: num ato de representaçom permanente, mas sem presença, dirigindo o olhar cara a esse pedaço de realidade vendo‑a tal e como queria que fosse.
- Roland Barthes: “Diderot, Brecht, Einsestein” em Lo obvio y lo obtuso: Imágenes, gestos, voces, Barcelona: Paidós, 2002.
- Maria Casares: Residente privilexiada, Inhás-Oleiros (A Corunha) : Trifolium, 2009.
- Ibídem.