Rok Brossa é um dos ativistas internacionalistas que colaborou na criaçom da Comuna Internacionalista de Rojava, o território curdo situado no norte da Síria onde se está a construir o confederalismo democrático enquanto se luita militarmente contra o Daesh. Brossa estivo mais de um ano em Rojava e neste mês de março visitou vários centros sociais galegos para dar a conhecer a situaçom atual do povo curdo ‑cujos territórios encontram-se sob os estados turco, sírio, iraquiano e iraniano- e para falar da relevância das práticas internacionalistas no nosso tempo.
Qual é a importância de ser internacionalista no século XXI?
Entendemos o internacionalismo como a criaçom de umha identidade que transcende o estado-naçom e que gera umha ética do comum à hora de fazer frente ao fascismo. Ser capazes de ir aos territórios onde é mais necessária a ajuda para enfrentar as agressons do capitalismo e do fascismo. Hoje, o internacionalismo está a vertebrar-se em distintas linhas. Umha é o ecologismo e entender a importância da defesa do território. Outra é a realidade desde os movimentos de mulheres. A análise que nasce no Curdistám é ver como a lógica da opressom e do monopólio da violência do estado-naçom é umha herdança das dinâmicas patriarcais. Há que ver a luita da libertaçom da mulher como um valor intrínseco nessa construçom do internacionalismo. Sem dúvida, o modelo de umha sociedade fora da lógica do estado-naçom também é um valor nessa vontade internacionalista.
Há que vincular essa identidade do internacionalismo com toda a sua história desde a Primeira e a Segunda Internacional, com factos históricos importantes como as brigadas de 1936 no estado espanhol ou a coordenaçom entre diferentes movimentos de libertaçom nacional e anticolonial. Isto leva-nos a umha conexom com os povos indígenas, que lográrom manter a sua forma de vida e identidade à margem da lógica do capitalismo e do estado-naçom.
Que significa ser umha comuna? E, em concreto, umha comuna internacionalista?
Ser umha comuna significa recuperar identidade coletiva, essa necessidade de ser sociedade que em ocidente estamos perdendo. O capitalismo, com esse forte motor ideológico que é o liberalismo, busca potenciar em extremo a individualidade.
Cada vez mais internacionais interessam-se polo que ocorre e queremos ser capazes de transmitir as experiências e os conhecimentos que adquirimos em Rojava, para que outra gente com a mesma vontade poda encontrar o caminho um pouco mais fácil. Queremos gerar um imaginário de estudo e de conhecimento da história do internacionalismo para nom perder essa tradiçom tam importante para os movimentos revolucionários do mundo. É a nossa primeira pedra para gerar um internacionalismo capaz de ajudar a um processo de revoluçom global, que no fundo é o processo que estamos intentando construir.
Há diferenças na prática de confederalismo democrático em Rojava e noutras zonas do Curdistám?
O marco ideológico de confederalismo democrático é comum mas à hora de aplicá-lo difere em funçom da sociedade. Está baseado numha série de linhas ideológicas e prioridades sociais em que fundamentar um processo de transformaçom social, mas é consciente de que se tem que adequar à sociedade que se está a transformar. O marco de confederalismo democrático em Rojava ou Bakur ‑território curdo no estado turco- será distinto do confederalismo que podemos fazer em ocidente. À hora de desenvolvê-lo em Europa, o primeiro que temos que fazer é estudar e conhecer a nossa sociedade, ver quais som os problemas mais importantes que enfrentar.
Em Rojava, esse imaginário de confederalismo democrático pudo levar-se até o máximo exponente, gerindo todos os pontos da sociedade. Isto foi sobre todo pola falta de estado, o qual permite criar um marco onde autogerir todas as necessidades da sociedade, como a educaçom ou a sanidade, mas também a justiça.
Em Bakur é distinto. O estado turco é mui forte e agressivo a nível militar. Aí as cooperativas que começam a desenvolver-se, a raiz do marco do DTK ‑Congresso pola Sociedade Democrática‑, focam-se mais no económico. É um modelo sobre o qual o estado turco começa umha brutal ofensiva militar a partir de 2015.
Em Bashur, a realidade na zona com o Iraque é distinta. O proto-estado desenvolvido polo governo regional do Curdistám conta com um modelo puramente liberal e capitalista. Aí as necessidades baseam-se em gerar formaçom ideológica para entender o confederalismo democrático e pô-lo em prática para frenar esse golpe neoliberal.
Como é a situaçom atual de ameaça sobre Rojava?
Desde o 15 de dezembro, quando é anunciada a retirada dos EUA da Síria, encontramo-nos em emergência pola ameaça da Turquia. Este estado leva anos a dizer que tem intençom de invadir Rojava e pôr fim ao processo de autonomia do movimento de libertaçom do Curdistám no norte da Síria. Turquia acumula tanques e soldados na fronteira.
Na Síria o conflito é complexo a muitos níveis, os curdos procuram construir umha terceira via, mas com a ameaça das grandes potencias pairando sobre o seu projeto de autonomia. Umha Rojava livre ou um Curdistám livre nom tem futuro se está cercado por estados liberais capitalistas que querem acabar com o confederalismo democrático. A única forma de assegurar este processo é que esta revoluçom se estenda. E nom só com processos novos, mas também com a conexom com outros em andamento como pode ser na América Latina. No movimento zapatista, houvo declaraçons de colaboraçom e de crescimento conjunto. As ameaças que venhem do outro lado som mui grandes, mas as soluçons que se estám a buscar som mui amplas.
Quais som as principais mostras de cumplicidade entre o estado espanhol e Turquia?
Há uns meses, Binali Yildirim, primeiro ministro da Turquia, visitava Espanha e declarava que este é o estado europeu que melhor entende a Turquia. Vemos as similitudes, nom é? Essa composiçom multiétnica de um estado que trata de homogeneizar diferentes povos que mantenhem a sua identidade e cultura. No estado espanhol, vimos um dos últimos grupos armados que levou a confrontaçom contra o estado a um terreno armado. Essa realidade conectou-se noutros sistemas como Hizmet, a organizaçom islámica de Fethullah Gülen, cuja estrutura inspirou-se na do Opus Dei à hora de criar umha organizaçom que procura penetrar e controlar o estado.
Vemos muita relaçom a nível diplomático, sobre todo armamentístico. Espanha está-se a consolidar como potência exportadora de armas e Turquia, sem dúvida, é um desses grandes compradores. Quando países da Uniom Europeia começam a retirar as suas tropas da base de Incirlik, Espanha é o único estado membro da OTAN que mantém o seu contingente ali para operar nesse escudo de mísseis que Turquia tem apontando para Síria.
Um exemplo paradigmático é o do azeite das olivas de Afrim. Após a ocupaçom turca deste território, todas essas oliveiras, que eram o sustento de famílias curdas, estám a ser saqueadas polas milícias islamistas, que com o apoio turco ocupárom Afrim. Filtrou-se um documento que afirmava a cooperaçom entre Espanha e Turquia para a distribuiçom desse azeite, no qual Espanha receberia‑o de maos da Turquia em troca de 80 milhons de euros. Expunha-se que 22 milhons seriam enviados diretamente aos grupos jihadistas que ocupam Afrim. Nom se conseguiu ampliar a informaçom, pois a fonte que o filtrou corre o risco de ser descoberta e perseguida. Realizárom-se perguntas no Parlamento Europeu e há vários jornalistas seguindo este tema, porém, continuamos investigando para denunciar esse acordo ilícito. Grande parte desse azeite corre o risco de ser vendido ao mundo com marca de origem do estado espanhol, quando é um azeite manchado de sangue das famílias curdas.
Nasce organizaçom de apoio ao povo curdo
Em outubro nasceu a Plataforma Baran Galiza, organizaçom com os objetivos de apoiar a luita do povo curdo e difundir o ideário da revoluçom de Rojava, baseada no confederalismo democrático. “Queremos partilhar com as pessoas da Galiza os diferentes conteúdos dessa revoluçom”, indicam da plataforma.
Esta organizaçom colhe o seu nome do sehid Baran Galicia, nascido em Ourense e morto em fevereiro de 2018 defendendo Afrim. No passado dia 16 de março, a Plataforma organizava umha homenagem em Compostela para lembrar este combatente internacionalista.
Antes desta atividade, a plataforma Baran Galiza já organizara em conjunto com a Marcha Mundial das Mulheres e Mar de Lumes umha palestra em Vigo com Necibe Qeredaxi, do Comité Europeu de Jineolojî –a ciência sobre a liberaçom da mulher no movimento curdo–.
“Estamos a analisar a possibilidade de trazer à Galiza para o próximo ano um acampamento de Jineolojî”, assinalam da plataforma. Acrescentam que “nos encontramos numha situaçom de alerta para fazer convocatórias imediatas para acionar a solidariedade internacionalista” ante um possível ataque turco.