
Nos próximos meses empreenderemos umha travessia rumo ao desconhecido. O destino será o Turquestám russo, conhecido como Ásia central soviética desde a década de 20 do século passado. O Turquestám ‑País dos Turcos- é umha antiga regiom que se estendia do mar Cáspio até os confins da Mongólia. Hoje, começamos um percurso polas atuais Repúblicas pós-soviéticas da Ásia Central. O objetivo será conhecermos mais um bocado a realidade desta parte isolada do continente asiático.
O Turquestám russo –para o diferenciar do oriental– tem na cordilheira do Tian Shan, prolongamento do Pamir, um dos pontos de referência geográfico. Para acabarmos de colocar no mapa a primeira das Repúblicas a desenvolver, faltaria apontar o segundo maior lago de montanha do mundo, o Issyk-Kul, e mais o Vale de Fergana.
O Quirguistám: Retrospetiva histórica
A orografia montanhosa do norte da Rota da Seda facilitou modos de vida nómadas entre as tribos que moravam na regiom. Muitas delas falavam línguas altaicas e poderiam ser consideradas de prototurcos ou protomongois. Os quirguizes som indo-europeus turquisados, que vivérom espalhados nas margens do rio Ienissei. Os primeiros testemunhos da sua existência acham-se na Sibéria Central, por volta do século I. Contudo, nom aparecem na história até o século IX, quando derrotam ao império nigur situado na atual Mongólia. A sua localizaçom atual vem do ano 924, quando as tribos quirguizes eram derrotadas polos Jitám e começam a migrarem para as montanhas do Tian Shan, na procura de vales férteis.

No século XVII, já assentados na zona, vencérom –junto com o cazaques– os moradores das montanhas da Dzungaria. Após passar baixo a soberania chinesa, os quirguizes fôrom independentes entre 1750 e 1830, até que o Canato de Kokand conseguiu submetê-los. Finalmente, em 1864 o império russo delimita a fronteira oriental do seu império, apanhando boa parte do território quirguiz.
A condiçom de povo errante, mais a assimiliaçom russa explica o nom existir dum sentimento de naçom quirguiz bem forjado.
A condiçom de povo errante, mais a assimiliaçom russa explica o nom existir dum sentimento de naçom quirguiz bem forjado
República Socialista Soviética do Quirguistám
O controlo soviético foi inicialmente estabelecido na regiom em 1919. O Oblast Autônomo Kara-Quirguiz nasce junto com a República Socialista Federativa Soviética da Rússia (RSFSR). O termo Kara-Quirguiz foi utilizado até meados de 1920 polos russos, para distingui-los dos cazaques, que também eram referidos como quirguizes.
Para compreender a delimitaçom territorial das Repúblicas da Ásia Central há que fazer mençom à divisom dos territórios durante o período soviético. Algumhas naçons dependiam unicamente da sua situaçom geográfica para se separarem da URSS. Podia formar uma República Socialista Soviética (RSS) todo ente que tivesse fronteira com um país estrangeiro ou um litorâneo marítimo a um mar aberto. Esta medida foi concebida para os Tártaros da Rússia nom formarem umha RSS. Outras naçons eram Repúblicas socialistas Soviéticas Autónomas (RSSA), sempre ligadas a umha RSS ou à RSFSR. Em 1926 o Quirguistám constituía-se em RSSA da URSS, e depois dez anos tornaria-se RSS.
Principais cidades
A capital do Quirguistám, Bisqueque, outrora chamada Pishpek –no Canato de Kokand– e depois Frunze, em graça do general do Exército Vermelho nado lá, está situada no norte do país. Foi importante via de passo da Rota da Seda, pola sua localizaçom a meio caminho entre a cidade mais povoada do Cazaquistám –Almaty– e a atual capital do Uzbequistám, Tasquente. Hoje é o centro da atividade internacional da regiom.
Osh é a segunda cidade da República quirguiz. Localizada no sulista Vale de Fergana é umha zona muito arrigada às tradiçons. A maioria da populaçom é praticante do Islam – baseado na escola moderada hanafí, dentro do sunismo– e som bem visíveis, as diferenças nas vestiduras. Neste Vale, onde se produzírom sérios conflitos interétnicos, encontram-se as fronteiras do Quirguistám, Tajiquistám e o Uzbequistám.
Língua
O quirguiz é umha língua de origem túrquica que pertence ao ramo quipchaque, tal e como o Cazaque, o Nogai Tatar e o Karakalpak. Desde a independência do Quirguistám –1991– coexistem duas línguas oficiais: o russo, pola sua pertença durante décadas à Uniom Soviética; e o quirguiz, assinalada a segunda língua do país em 1991. Outra língua muito falada –porém nom oficial– é o uzbeque, devido às migraçons massivas através do Vale de Fergana.
A língua marca fortemente as diferenças norte-sul. Falar russo no norte vê-se sofisticado e educado. No sul há umha tendência –nom generalizada- a verem os quirguizes russófonos com deslealdade. Hoje, quase todo o ensino é em russo. Existem escolas em língua quirguiz, mas nom há muitas.
Desde a independência do Quirguistám –1991– coexistem duas línguas oficiais: o russo, pola sua pertença durante décadas à Uniom Soviética; e o quirguiz, assinalada a segunda língua do país em 1991
Política atual

O Quirguistám é umha república unitária multi-partidista, composta de um Parlamento –o Jogorku Kenesh– unicameral. Desde a sua independência tem um forte componente regionalista, legado da administraçom soviética.
O Partido Comunista da Kirgiziya (PCK) chefiou o governo durante a RSS. Após o colapso da URSS, o PCK passava a ser o Partido Democrático do Povo. O novo partido vencia nas primeiras eleiçons democráticas e Askar Askayev convertia-se no presidente do Quirguistám independente.
A década de 90 foi o período mais estável da república. Com a aprovaçom da constituiçom de 1993 houvo fortes avanços em direitos fundamentais, tais como a nom discriminaçom por motivos de género, éticos ou de religiom, ou a despenalizaçom da homossexualidade. Contudo, as principais reformas na agenda estavam a ser desenhadas com políticas em prol do livre mercado e a democracia liberal, em cumplicidade com ocidente. A mais disto, enquanto o presidente usava o clientelismo e abusava de interesses particularistas, umha alternativa opositora real começava a se organizar. A pressom fazia que Akayev cedesse perante os blat –clans– do sul, deixando muito descontente o norte. A sua soluçom foi adotar um rol de regulador de conflitos, o que levou a obter mais concentraçom de poder. A consequência foi umha viragem para um regime abertamente neopatrimonialista com perseguiçom de rivais políticos, controle dos principais ativos do país e fraude eleitoral.
As semelhanças com os vizinhos centro-asiáticos eram evidentes. Em 2005, todos os blat –exceto o de Talas, chefiado polo presidente – abandonárom as luitas internas para evitarem a transferência do poder de Akayev a um aliado. Assim, o crescente descontente popular provocava a histórica Revoluçom das Tulipas. Em consequência, produz-se a convocatória de eleiçons onde a oposiçom saia vencida. Além disso, os observadores internacionais admitiam que o processo nom cumprira os padrons democráticos. Os protestos fôrom massivos e mais de 10.000 pessoas cercárom a morada do presidente, que fugia em aviom a Moscovo.
Kurmabek Bakiyev foi o seguinte presidente da República. Tratou de buscar a legitimidade democrática e substituir o modelo de democracia dirigida que pretendia Akayev. Infelizmente a situaçom do país continuou instável e autoritária. Em 2009, o governo russo retirava o apoio a Bakiyev e aos clans do sul, o que provocaria graves distúrbios e umha ameaça de guerra civil. Após a fuga de Bakiyev para Bielorrússia declarava-se um governo provisional, baixo o liderado de Rosa Otunbáeva. A redaçom de umha nova constituiçom permitiu estabelecer limites, para que um único partido nom dominasse todo o sistema político. Já na década atual, o socialdemocrata Almazbev Atambayev vencia nas eleiçons e proclamava novamente a estabilizaçom o país. Longe de programar medidas em prol da democracia, submete a referendo o acrescentamento dos poderes do presidente, além de sérios retrocessos em direitos sociais. Sendo assim, começam fortes pressons da comunidade internacional, que o levam a renunciar ao cargo. Em 2017 o Partido Social-democrata quirguiz volta a vencer as eleiçons e Sooronbay Jeenbekov, primeiro ministro com Atambayev, torna-se o atual presidente da república.
Embora a falta de estabilidade institucional, o país quirguiz tem uma dinâmica política diferente do resto de repúblicas da Ásia Central. O investigador da UNED, Rubén Ruiz Ramas explica que “além de ser conhecida como a ilha da democracia, na verdade nom o é. Porém, os seus sucessos e fracassos distinguem o Quirguistám dos seus vizinhos”. Também acrescenta que este regime teve “umha trajetória fundamentada na retórica dumha procura da legitimidade democrática das instituiçons e governantes”.
A nossa viagem
Hoje descobrimos a Torre de Burana, perto de Tokmak. Agora, já de volta em Bisqueque, estamos num dos maiores bazares ao descoberto da Ásia, o Osh bazar. Aqui vamos apanhar umha marshrutka –transporte típico soviético– e cruzaremos o país, de Bishkek a Osh, a ritmo de música manasch. Chegadas ao destino, atravessaremos a Torre karakhanid de Özgön, degustaremos plov –umha das escassas opçons veganas– para logo ficarmos em pousio contemplando o oásis de Fergana, desde a montanha sagrada de Solimom. Amanhá partiremos bem cedo para a M41, Rodovia Pamir, onde dará para tocarmos as nuvens.