Safia El Aaddam (@hijadeinmigrantes) é filóloga árabe, mora em Catalunya e acompanha crianças migrantes. É, aliás, a ativista antirracista que impulsa as campanhas #votaresunderecho, #tecedounacita e #compraantirracista no Estado espanhol.
As dificuldades para obter, ainda tendo nascido em Tarragona, a nacionalidade espanhola –à qual vam aparelhadas a cidadania e os seus direitos no Reino de Espanha– levaram Safia a criar a página web www.votaresunderecho.es, da qual coordena os três projetos mencionados. #votaresunderecho pom em contacto pessoas dispostas a cederem o seu direito ao voto àquelas que nom o podem exercer pola sua situaçom administrativa; #tecedounacita tenta marcar hora para trámites de imigraçom às pessoas que os precisarem, evitando que recorram a advogadas e máfias que se lucram de um serviço gratuito, ante a passividade da administraçom estatal por melhorar o procedimento; por último, desde a crise da COVID-19, #compraantirracista coordena voluntárias e doadoras para levar as compras a famílias em situaçom administrativa irregular, especialmente vulneráveis sob as medidas de confinamento e de restriçom da mobilidade.
A pessoa que melhor pode apresentar as tuas campanhas és tu: como descreves brevemente o teu labor para quem nom te conhece?
Falando objetivamente, penso que é umha revoluçom digital quanto a voluntariado em Espanha, que luita contra o racismo institucional e tenta recuperar os direitos que nos estám roubando: direito a voto, direito a comer, direito a marcar hora para trámites de maneira gratuita. Já movemos mais de 10 000 pessoas.
Consegues separar o ativismo da tua vida privada? Contas com umha rede de cuidados que te ajude a gerir todo o que impulsas e os seus efeitos?
Consigo, ainda que sendo racializada é um pouco complicado: penso que as pessoas racializadas, polo facto de viverem numha sociedade racista, cada dia fam ativismo quando se enfrentam a situaçons racistas.
O que mais me esforço em conseguir é separar o ativismo da minha vida pessoal por redes sociais. Entom, sim, comecei a me cuidar e por sorte tenho pessoas ao meu redor que me apoiam, junto com umha equipa de voluntárias que me ajuda a gerir as campanhas.
“Vivendo numha sociedade racista, cada dia fazemos ativismo quando nos enfrentamos a situaçons racistas”
Umha das características das tuas campanhas é a horizontalidade: as pessoas participam ativamente nelas através de gestos diretos e quotidianos. Aliás, as pessoas beneficiárias podem igualmente ser voluntárias e trabalhar mao a mao com aquelas que cedem os seus privilégios.
Exato: Nom somos “coitadas” que necessitamos ajuda, ou que fagam as cousas por nós. Somos pessoas às quais o Estado está a arrebatar os seus direitos e queremos que luites mao a mao connosco.
Neste sentido, tés refletido sobre o aspeto “pedagógico” das tuas campanhas?
Ainda que nom seja o objetivo principal, sim acredito em que as minhas campanhas educam as pessoas e isso vê-se nas respostas que obtenho: a gente di-me diretamente que descobre novas realidades. Se nunca o precisaste nom podes imaginar que para marcares umha simples hora haja detrás um grupo de Telegram de mais de cem pessoas a se coordenarem para tentar encontrar patrons nos horários da web, atualizando um excel com dados de centos de solicitantes, recebendo e enviando confirmaçons… Muitas pessoas abrem os olhos.
A nacionalidade por ius soli em lugar de por ius sanguinis, e o direito a voto nom vinculado a ela, mas à residência, é umha das principais reivindicaçons de #votaresunderecho. Demandares a participaçom política mediante o sistema eleitoral fai sentido levando em conta que o coletivo migrante nom pode eleger as representantes que criam as leis que o afetam, numha sociedade de que fai parte fundamental. Porém, há muitos outros jeitos de criar democracia além desse sistema eleitoral, caso do direito de manifestaçom. Achas que ele é também um privilégio que as pessoas migrantes nom desfrutam plenamente agora mesmo?
Penso, sim. No momento em que as pessoas migrantes podem ser expulsas do país por algum delito que lhes for atribuído numha manifestaçom já nom estamos em igualdade de condiçons. Baseio-me nas manifestaçons em Catalunya pola sentença do procès: nelas detiveram pessoas com NIE que acabárom com o documento retirado ou em CIE e com ordens de deportaçom, como foi o caso dum moço marroquino em Lleida, Ayoub. Entom, o direito a voto é um privilégio, mas também o direito a se manifestar: quando tés a nacionalidade nom sais com zero medos, mas tampouco sais com o temor de que talvez che atribuam um delito que ameace a vida que conheces.
Nas tuas redes sociais falas habitualmente da fragilidade branca, as más reaçons quando som assinalados os nossos privilégios. Lembras algumha anedota especialmente relevante a este respeito?
A mais recente: um vídeo que publiquei sobre o racismo no acesso à vivenda. Era um tiktok de umha mulher que primeiro sai com o véu e encontrava um monte de problemas; depois, quita o véu e fai-se passar por “espanhola”, apresentando-se como Laura, e o tratamento é totalmente diferente. Ironicamente, a mulher exagera muito para focar a diferença. Pois em resposta a esse vídeo recebim muitíssimas mensagens dizendo que “aos brancos também lhes costa encontrar apartamento”. Evidentemente, era umha paródia: claro que nom che ponhem um café na mesa e podes encontrar umha pessoa desagradável, mas daí a que che deneguem o acesso repetidamente… Nom é necessário nem exagerar, porque o sistema é violento avondo, mas a paródia reivindica essa diferença. O que acontece é que na realidade os proprietários fam todo tam “politicamente correto” que no momento nom podes replicar: o apartamento já foi alugado, necessitas adiantar tantos meses de fiança… Olho, há quem diretamente também di que nom quer alugar a migrantes. Enfim, este vídeo reúne todas as experiências numha e, ainda sendo um exagero, provocou muitas respostas.
Além disso, em geral também recebo muitas mensagens falando em “racismo inverso”, que obviamente nom existe, porque o racismo é algo estrutural.
Ultimamente, também se fala na culpa branca: um sentimento de responsabilidade histórica que as brancas tentamos “lavar” e que supom um problema enquanto o priorizamos à luita antirracista. Após o assassinato de George Floyd em EUA, muitas pessoas se declarárom antirracistas em todo o mundo e algumhas delas aderírom às tuas campanhas. Até que ponto observas que esta onda de adesons responde ao sentimento de culpa branca?
Em primeiro lugar, melhor deveram falar em aliadas antirracistas.
Desde o início notei muita adesom às minhas campanhas. Acho que som mui próximas e a mensagem é clara. As pessoas brancas sabem que gozam de privilégios sobre nós e imagino que isso é o que fai que participem mais. Seguem-me muitas pessoas cada dia, desde o de George Floyd, e ultimamente também desde que figem umhas publicaçons no Instagram sobre exclusom na educaçom. Muitas pessoas querem agir porque se sentem apeladas no momento, mas depois desligam-se. É culpa, sim, algo com o qual empatizas no momento, mas com o qual depois nom te comprometes. Há um certo grau de resposta por moda, mas acontece com mais cousas, como com o laço rosa polo dia do cancro de mama e por aí fora. Porém, o antirracismo é um combate dia a dia, nom por um quadrado preto no perfil do Instagram. Ou luitas dia a dia ou nom vam parar de morrer pessoas e é a nossa obriga, nom um favor que fazemos às pessoas migrantes e racializadas.
Até que ponto crês que a organizaçom territorial do Reino de Espanha –nomeadamente o quadro provincial– é um problema à hora de realizar trámites de imigraçom?
Nom penso que o problema seja esse. Creio que é a falta de vontade e o racismo presente nas instituiçons. O problema é que na tua própria província as pessoas que deveram estar trabalhando para che facilitar as horas nom o estám fazendo. Derivar pessoas a outras províncias menos saturadas poderia ser um alívio, mas essa nom devera ser a soluçom. Se nesta província há mais demanda, nesta província pós mais trabalhadoras: ponto. Com o DNI nom acontece; as cidades mais colapsadas e populosas som cidades preparadas para resolverem a situaçom, mas simplesmente nom querem.
A iniciativa #RegularizaciónYa conseguiu levar ao Congreso de los Diputados umha proposta de regularizaçom maciça de pessoas migrantes que, por enquanto, foi rejeitada. Tés esperanças de que se produza essa regularizaçom num futuro próximo?
Imagino que quando lhes interessar. Se foi rejeitada em pleno estado de alarme e pandemia mundial, nom o vam aprovar polo bem da populaçom migrante. É lamentável.
Consideras que a campanha #compraantirracista expom, para além do racismo institucional, outros problemas, como o classismo?
A campanha #compraantirracista mostra como o governo estatal em plena pandemia mundial deixa mais de 600 000 pessoas em situaçom irregular fora do seu plano. Isso para mim é racista. Ter pessoas sem comida na casa e sem nengumha possibilidade de cobrar nengumha ajuda porque nom tenhem papeis é algo mui grave. Quanto ao classismo, acho que umha das cousas que se promovem em #compraantirracista, algo que é a nossa filosofia desde o primeiro momento, é que nom há alimentos para cidadás de primeira e de segunda categoria. Vim toda a minha vida como da Cruz Vermelha, os Serviços Sociais… as pessoas recebem os alimentos mais básicos: massa, legumes… e já. Quando vem que tu compras outros produtos (fruta, carne, iogurtes) parece que nom che corresponde, que há umha barreira que nom podes passar. Por isso na nossa campanha perguntamos às pessoas o que querem, de que gostariam que comessem os seus filhos, porque todo o mundo tem direito a comer de todo. A compra sai um pouco mais cara, mas acaso há pessoas que podam comer gambas e outras nom?
“Normalmente,as pessoas que sofrem umha opressom empatizam com outra, mas nom sempre acontece assim”
Como catalá, tés observado diferenças substanciais entre as aproximaçons do soberanismo e das forças estatais às reinvindicaçons antirracistas?
Pessoalmente, acho que é mais umha questom de esquerdas e direitas que de nacionalismos: o racismo impregna toda a sociedade. Também é umha questom individual: por exemplo, Esquerra Republicana de Catalunya tem Maria Dantas, umha mulher migrante e antirracista, que sempre está nas reivindicaçons sociais, que demonstra que o antirracismo está em política e que leva as questons ao parlamento estatal. Obviamente na direita o racismo é mais explícito e por outra parte sim que há partidos que tomárom posiçons mais antirracistas. Normalmente, as pessoas que sofrem umha opressom empatizam com outra, mas nom sempre acontece assim: temos o exemplo do feminismo branco. Nem sempre toda a gente age com o exemplo.