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Sobre o suicídio

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Se bem que nom é fá­cil in­ter­ro­gar-se so­bre o sui­cí­dio, a ta­refa torna-se im­pos­sí­vel se de­sa­ten­der­mos, pola via das es­ta­tís­ti­cas, cada ex­pe­ri­ên­cia par­ti­cu­lar. Na sua sin­gu­la­ri­dade, cada vida e cada morte per­tence a al­guém com nome, ape­li­dos e umha his­tó­ria única. E ape­sar de todo, per­gunto-me: que sig­ni­fi­cou cada vida e que quixo di­zer-nos cada morte?, que nos di­zem de nós como so­ci­e­dade?, quem, como di­ria Antonin Artaud, fô­rom sui­ci­da­dos?, quem lui­tou a morte com a vida até a der­rota?, quem, por­que sim, de­ci­diu dis­por de si própria?

Frente à vida bi­o­ló­gica, de es­pé­cie (zoé), a vida bi­o­grá­fica (bios) está im­preg­nada de acon­te­ci­men­tos, sig­ni­fi­ca­dos, va­lo­res, cren­ças, com que a do­ta­mos de sen­tido. É no seu trans­cor­rer quo­ti­di­ano onde se pas­sam as cou­sas que nos afe­tam e é tam­bém, claro, nesse de­cor­rer onde opera um com­plexo de for­mas de po­der que nos atra­vessa cri­ando vi­o­lên­cias sem conto. O sis­tema que pa­de­ce­mos, ca­pi­ta­lista, he­tero-pa­tri­ar­cal, ca­pa­ci­tista, neo/colonial etc., des­prega-se num re­gime de nor­ma­li­dade que con­sente, quando nom pro­move, de­si­gual­da­des, de­sem­prego, pre­ca­ri­e­dade, po­breza, ex­clu­som, dis­cri­mi­na­çons múl­ti­plas, iso­la­mento etc. Como re­sul­tado dos di­fe­ren­tes im­pac­tos e cru­za­men­tos, as pes­soas, que so­mos vul­ne­rá­veis, aca­ba­mos sendo da­na­das, vulneradas.

Antes do que con­sis­tir num fe­nó­meno de abor­da­gem ex­clu­si­va­mente clí­nica, o sui­cí­dio in­ter­pela-nos com re­la­çom às cir­cuns­tân­cias que con­di­ci­o­nam a nossa exis­tên­cia, pro­vo­cando ní­veis ex­tre­mos de so­fri­mento. Por esta ra­zom, pre­ci­sa­mente, con­vém re­cear de mi­tos pro­ce­den­tes da ci­ên­cia po­si­ti­vista, tais como que o sui­cí­dio e as con­du­tas sui­ci­das som sin­to­mas dumha do­ença men­tal. Ditas cren­ças sim­pli­fi­cam enor­me­mente umha re­a­li­dade com­plexa e mul­ti­fa­to­rial que, polo de­mais, nom se re­solve re­do­brando o con­trolo e a vi­gi­lân­cia so­bre quem sofre.7

O sui­cí­dio in­ter­pela-nos com re­la­çom às cir­cuns­tân­cias que con­di­ci­o­nam a nossa existência

Acontece, po­rém, que di­fe­ren­tes pla­nos de pre­ven­çom con­ce­bi­dos por ad­mi­nis­tra­çons pú­bli­cas, como a ga­lega, as­sen­tam nesta com­pre­en­som bi­o­mé­dica que pa­to­lo­giza o sui­cí­dio. Os ci­ta­dos dis­po­si­ti­vos te­ra­pêu­ti­cos, al­go­ritmo me­di­ante, som fo­ca­dos na pre­di­çom da con­duta sui­cida, cons­truindo para isso per­fis de risco que par­tem nom já de es­qui­vos pa­râ­me­tros bi­o­ló­gi­cos, se­nom de da­dos nu­mé­ri­cos. Os ní­veis de mal-es­tar que esta es­tra­té­gia pro­duze nom pa­re­cem re­flec­tir-se em nen­gumha es­ta­tís­tica, como ta­mém nom se ad­mite que é mais fá­cil (e lu­cra­tivo) psi­qui­a­tri­zar a vida quo­ti­di­ana do que mu­dar as cir­cuns­tân­cias so­ci­ais, po­lí­ti­cas, eco­nó­mi­cas, cul­tu­rais e bi­o­grá­fico-con­tex­tu­ais em que se gera o mal-es­tar e em que o sui­cí­dio acon­tece. Atribuindo à bi­o­lo­gia as cau­sas de am­bos fe­nó­me­nos, ou acu­dindo a mar­cas de iden­ti­fi­ca­çom de risco para o ma­nejo das con­du­tas, o po­der te­ra­pêu­tico ba­na­liza a afli­çom e ig­nora a voz nar­ra­tiva de quem so­fre e dos seus en­tor­nos, despojando‑a do seu po­ten­cial político.

Que o sui­cí­dio seja apre­sen­tado como umha pro­ble­má­tica de saúde pú­blica nom sig­ni­fica que deva ser tra­tado em ter­mos de do­ença. Falar do fe­nó­meno é tam ne­ces­sá­rio como fa­lar do qua­dro con­cei­tual a par­tir do qual o fo­ca­mos e o abor­da­mos. Longe de es­tra­té­gias de con­trolo di­ri­gi­das a fa­zer do vi­ver um mero per­sis­tir, pôr o foco nos con­tex­tos em que a vida e o so­fri­mento se dam, para trans­formá-los, su­pom res­pon­sa­bi­li­zar-nos por um fu­turo em que a pri­meira as­pire a va­lo­ri­zar-se me­lhor do que a morte.

Miguel Salas Soneira é educador social, doutor em Ciências da Educaçom e professor colaborador da Universitat Oberta de Catalunya.

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