No primeiro dia da quarentena acordei e olhei pola janela. Umha névoa pousava-se delicada sobre as árvores do monte. Todo estava igual que no dia anterior. Quando saim a levar o lixo para o contentor, recebeu-me umha estrada baleira e silenciosa. Nom vim ninguém. Nada novo. Todo continuava na mesma.
Quando se decretou o estado de alarme e lim as medidas a tomar, dei por assente que as normas que estavam a impor nas grandes cidades nom iam ser as mesmas que as que deviam aplicar-se para as zonas que componhem o que se conhece como a «Espanha baleirada». Na minha paróquia, por exemplo, há menos de 300 pessoas vivendo num território bastante extenso e isolado: a gente que chega a sair de casa, dificilmente adoita sair da aldeia e menos chegar até a cidade.
Que sentido tem confinar como se fijo com os centros urbanos os lugares que pola exclusom territorial já vivem permanentemente num estado de semi-confinamento?
Mas nom. Nem todo continuava na mesma. Nom passou muito tempo até que me decatei dos discursos do medo estavam a gerar os meios massivos. Discursos que eram consumidos dia e noite pola minha vizinhança. Nos noticiários todo o mundo estava a morrer num caos que se assemelhava a umha apocalipse que já ninguém poderia conter.
O medo e os meios
No caso de minha aldeia, que suponho que será o caso das demais, a maioria da populaçom tem mais de 65 anos e está jubilada. Na falta dum bom serviço público de mobilidade, assim como de iniciativas culturais, a televisom tem-se convertido no meio de lazer por excelência. Som poucas as pessoas que nom tenhem tele ligada toda a tarde, ainda à hora do jantar.
A espetacularizaçom das notícias é umha característica particular do estado espanhol. É quase como se, em lugar de assistir aos noticiários, se estivesse a assistir a um filme de suspense em que só aparece as piores notícias que som dadas com um material audiovisual que, acompanhado por umha música do mais séria e dramática, gera nas televidentes umha sensaçom de permanente de perigo.
Que sentido tem confinar como se fijo com os centros urbanos os lugares que pola exclusom territorial já vivem permanentemente num estado de semi-confinamento?
De maneira que nom era de estranhar que no segundo dia da quarentena já corria o falso rumor por toda a aldeia de que havia duas pessoas infetadas no nosso concelho. Algumha gente até começou a despir-se antes de entrar na casa para logo atirar os sapatos pola janela antes de tomar duche.
As imagens dos hospitais sobrecarregados e da gente idosa nos cuidados intensivos, figérom que a minha vizinhança se reconhecesse como o grupo social mais vulnerável da COVID, cousa que é real. Máis as reaçons fôrom sendo cada vez máis desproporcionadas e tornavam visível que o medo aniquilava todo pensamento crítico sobre a pandemia. Quanto mais fatal era umha notícia, mais se lhe dava importância. Deixárom de importar as estatísticas, as recomendaçons, os factos; a televisom aproveitava-se da vulnerabilidade e enriquecia com o pavor da gente.
A política do medo
No quinto dia no estado de alarme saim da casa com o meu companheiro para fazer a compra. Um vizinho falou-nos desde o seu portom: “Hai que estar na casa. Que onte já véu a garda civil e mandárom à casa o Roberto e o seu irmao que estavam aqui fora a falar. À próxima multam”.
Ainda assim, tínhamos que fazer a compra. Como já nom havia buses, a nossa única opçom foi caminhar umha hora até a vila mais próxima. Quando íamos pola estrada, sentia sobre nós a mirada acusasora da gente mais ninguém dixo rem. Já na vila, um par de polícias gritou-nos violentamente desde a patrulha: “Que nom podedes sair os dous. Só um. Para vós os novos todo é um chiste e fazedes que vos dá a gana”. Mas, em que tipo de mundo vivem? Qual é a sua ideia da realidade galega? Nom vivemos numha cidade. Nom há jeito algum de que umha pessoa poda subir ao monte a pé levando às costas a compra para duas semanas.
Pouco tempo depois, as medidas estabelecérom que nom podíamos ir além de poucos metros ao redor da casa. As mulheres que tinham os seus animais fora da casa, iam correndo com medo cara às cortes.
A maneira que o Estado arranjou para fazer cumprir as medidas do confinamento é o que realmente dá pavor. Controlar a populaçom através do medo e da ameaça do uso da força fazia-nos retroceder no tempo; para nom falarmos da gente celebrando a entrada do exército nas cidades com completa naturalidade.
Mas o que também saltava à vista era o absurdo que resultavam certas normas pensadas para confinar as cidades aplicadas ao mundo rural. Os metros das urbes continuárom abertos e aqui nom se pode sair ao monte para caminhar em soidade sem ter medo de que a Guarda Civil che faga umha amoestaçom.
Sobre viver
Ontem, quase um mês depois de que começou o confinamento, Carme, umha mulher de idade que vive soa, contou-me por telefone: “Tento nom pensar em nada disto e ser positiva. Mas tenho-che medo porque sinto que nom tarda que caia numha depressom. De maneira que falo por telefone todo o tempo. Chamo e chamo a gente. Até agora vou escapando mais eu nom sei manhá”.
Enquanto o governo da Bélgica recomenda à sua cidadania sair a caminhar ou fazer desporto porque tanto o sol, como o exercício e o descanso visual dumha mudança de ambiente, som fatores fundamentais para a saúde física e mental, no estado espanhol é proibido, direta ou indiretamente, à gente sair a dar umha volta pola natureza. Mesmo nos territórios com o índice de populaçom mais baixo.
Cabe perguntar: entom, quais som as prioridades deste Estado e em quem pensa quando fai política? E, por outra banda, nom há outro jeito de fazer política e comunicar-se com a cidadania que nom seja através da imposiçom dum castigo?
Os vínculos sociais de cooperaçom característicos da comunidade no rural demonstram que poderia haver outra maneira de nos organizar e cuidar. Em vez disso, estes valores estám a ser fraturados polo medo, a soidade, o isolamento e o espetáculo do terror dos meios massivos que se encarregam de moldar certo tipo de moral nas espetadoras.