Um lugar incómodo começa a aparecer quando após 35 anos, começo a abrir os meus ouvidos às denuncias, às demandas, à dor das pessoas racializadas pola minha inconsciência branca – nom foi sem tempo!
Nesse lugar, em que tento escuitar com verdadeiro silêncio, com os ouvidos bem abertos, abro-me ao impacto da verdade. A verdade das dinâmicas de opressom é muito dolorosa. De repente já nom sou a mulher cis que lutou durante anos contra o machismo, que defendeu nas ruas e nas assembleias um lugar próprio para nós, as mulheres de umha Galiza patriarcal. Agora sou umha mulher cis branca, inchada de privilégios que nunca vira porque nom precisava olhar, a minha integridade nom dependia disso, o meu bem-estar nom dependia disso, a minha libertaçom nom dependia disso: de que eu pudesse ou nom mirar. Ou assim achava eu. E assim a minha Galiza euro-branca mo fazia sentir. E toda essa forma de olhar: capitalista, individualista, colonialista, é profundamente racista e está profundamente impregnada de colonialidade.
De repente já nom sou a mulher cis que lutou durante anos contra o machismo, que defendeu nas ruas e nas assembleias um lugar próprio para nós
Abrir-me a sentir o impacto do que as pessoas com corpos racializados me tenhem a dizer, e do que eu tenho que escuitar como corpo branco que leva mais de 35 anos a sustentar privilégios e a aproveitar-se deles, sem consciência algumha de quanto desde esse lugar eu perpetuo as mesmas lógicas de dominaçom que, noutros âmbitos, vim tam claramente que havia que destruir.
Abrir-me ao impacto implica ser quem de suster a inconsciência secular do dano que as pessoas brancas levamos feito no mundo, levamos feito nos corpos das pessoas racializadas. Implica suster esse dano, fazer-me responsável dele, agir para pôr-me a trabalhar e tentar repará-lo ainda sem saber como, ainda sabendo que a seguirei cagando, porque esse nom saber também é parte da fragilidade branca, e entender que sempre seguirei a ser racista, e que sempre, enquanto existir estruturalmente o racismo, seguirei a ostentar privilégios, e a cagá-la e terei que continuar a trabalhar, sem trégua.
Abrir-me a sentir o impacto do que as pessoas com corpos racializados me tenhem a dizer, e do que eu tenho que escuitar como corpo branco que leva mais de 35 anos a sustentar privilégios
A verdade das dinâmicas de opressom é dolorosa, mas é dolorosa para os corpos racializados, que som a quem levamos submetendo mais de 500 anos.
O que nós ‑as pessoas brancas que começamos a trabalhar os nossos privilégios- sentimos nom é dor, é um desconforto. E é o processo exato que tem que acontecer para ir sanando algo: esse desconforto de sentir que okupo um lugar no qual oprimo, e muito, e que tenho muita responsabilidade de que assim seja e muita responsabilidade de que deixe de ser assim.
Fagamo-nos cargo desse desconforto, de ser umhes branques em apuros, vivenciemos o desconforto da verdade de saber-nos racistas, e trabalhemos honestamente para contribuir a acabar com todas e cada umha das formas que o racismo tem.