O vínculo do professor Staffan Mörling com a Federación Galega Pola Cultura Marítima e Fluvial (FGCMF, hoje Culturmar) vem de longe. Mesmo assim, ainda nom tinha sido constituída quando Staffan, que muitas e muitos de nós conhecíamos tanto polo trabalho etnográfico quanto polo seu rosto de navegante na sua dorna de Ons, frequentava o Obradoiro de Carpintaria de Ribeira “A Aixola”, promovida em Estribela polo Departamento de Pesca e dirigido por Isidro Mariño. Na altura, corria o ano de 1991, Staffan tentou convencer os seus colegas de escola da necessidade de recuperar umha embarcaçom jeiteira preservada na lamacenta foz do rio Jalhas, no Ézaro, para construir uma réplica exata e contribuir, assim, para que a sua robusta fasquia tornasse a ser familiar para as gentes do Pindo e de Caldebarcos. Como resultado de um empenhado trabalho, a teima de Staffan, de Isidro e de tantos outros chegou a bom porto e a “Nova Marina” pudo estrear no Iº Encontro de Embarcacións Tradicionais, organizado no verao de 1993 em Ribeira pola Real Confraria da Dorna. E desde entom até hoje, visto que ainda continua a bolinar na Escola de Vela Tradicional da Ilha de Arouça, a “Nova Marina” foi considerada como umha das figuras de proa do movimento de recuperaçom da nossa cultura e do nosso património marítimo.
Precisamente naquele encontro pioneiro, conhecim Mörling. E, claro, a sua imagem estava longe de ser convencional: recém-desembarcados dumha dorna de topo cambadesa, a «Airexa», depois dumha interminável travessia de nove horas por um mar em calma apagada, fomos, no cais daquela vila salnesá, encontrar Staffan a dançar umha moinheira com a mulher, Josefa. Entendim, entom, que nom estávamos diante de mais um estudioso, mas de uma pessoa comprometida com os hábitos e sentimentos de seu país de adoçom.
Depois dumha travessia de nove horas fomos encontrar Staffan a dançar umha moinheira com a mulher, Josefa. Entendim que nom estávamos diante de mais um estudioso mas de uma pessoa comprometida com os hábitos e sentimentos de seu país de adoçom
No dia seguinte, Staffan participou de uma mesa redonda inesquecível, na qual dividiu o palco com duas personalidades excecionais no campo da navegaçom galego-portuguesa tradicional: o engenheiro Octavio Lixa Filgueiras e o ex-diretor do Museu e Biblioteca Municipal da Póvoa de Varzim, Manuel Lopes. Acredito que aquele ato perdura, porque nos deu boas ideias e sugestons para os que já estávamos interessados em articular uma federaçom que apoiasse as associaçons envolvidas na recuperaçom da cultura marinheira galega. Lá, os colegas concordaram que pouco ou nada servia estudar embarcaçons tradicionais fora dos saberes e das tradiçons das gentes do mar que as construírom e utilizárom, para que a sua recuperaçom envolvesse as próprias coletividades em que fôrom concebidas. Trazendo o exemplo da Noruega, um país em que os cidadaos praticam a vela tradicional há anos devido à construçom de inúmeras réplicas de barcos, Mörling destacou que nom devia haver contradiçom entre a missom assumida pelos museus de preservaçom das várias tipologias de embarcaçons, isolando-as no tempo e no espaço por forma a evitar a sua deterioraçom, e que, em simultâneo, a populaçom pudesse desfrutar delas, atribuindo-lhes novos usos de acordo com as necessidades próprias da sociedade atual.
Pois bem, foi com estes vimes que se entrelaçou o cesto da Federaçom, terminado em começos de 1994 após umha cheia de juntanças às que Staffan Mörling assistiu. Afinal, a FGCM constitui-se graças ao envolvimento de quatro associaçons cuja intençom era a de salvaguardar e popularizar os saberes e as realizaçons das nossas gentes do mar. Nos seus inícios, a presença de Staffan virou determinante, foi ele que tratou da primeira apresentaçom em público realizada em julho de 1994 na Póvoa de Varzim, juntamente com, mais umha vez, Manuel Lopes e Octavio Lixa, e com a participaçom das autoridades daquela vila marinheira portuguesa, que ficárom abraiadas polo seu elegante porte de orador clássico. Posteriormente, Mörling continuou a colaborar nas publicaçons da Federaçom e participou de uma campanha em 1996 em favor da carpintaria ribeirinha, que obtivo apoio significativo tanto em vários municípios costeiros quanto em algumas confrarias de pescadores.
As cousas mudárom, é claro, desde o Encontro de Ribeira, e o pequeno número de associações pioneiras multiplicou até as 45 que hoje componhem umha Federaçom, que gradualmente deixa para trás um teimudo ronsel de consciência social sobre a importância que tem a ativaçom daquilo que é o nosso património marinheiro, focada nom apenas como um elemento identitário, mas também como um recurso que devemos desenvolver. Agora, muitas pessoas, de Burela a Viana do Castelo, consideram os barcos tradicionais e a cultura marítima local como marcas insubstituíveis da sua personalidade, em grande parte graças ao livro magistral de Staffan «As Embarcacións Tradicionais de Galicia”, que já precisa de uma reediçom urgente.
Staffan Mörling foi para nós um amigo e um professor cuja contribuiçom para revelar aos galegos a riqueza e a originalidade do seu próprio património marinheiro foi decisiva
Com a perspetiva que o tempo dá, vemos como Staffan Mörling foi para nós um amigo e um professor, cuja contribuiçom para revelar aos galegos a riqueza e a originalidade do seu próprio património marinheiro foi decisiva. Umha cultura marítima que, como ele apontou em inúmeras ocasions, é o resultado de múltiplas influências do Atlântico e do Mediterrâneo, juntamente com muitas tradições e identidades marítimas locais, desenvolvidas ao sabor dum ecossistema marinho caracterizado pola sua diversidade.
Staffan Mörling já pertence ao património coletivo da Galiza, porque conseguiu abrir novos horizontes à perceçom desvalorizada que temos de nós mesmos: para ele, a Galiza nom era uma fronteira longe da terra, mas o centro do mar, por onde enveredavam todas as singraduras. Portanto, no final dum percurso vital que irmanou as nossas rias com a paisagem boreal dos países nórdicos, desejo cunqueiriana luz molhada do Mar dos Galegos o esclareça por sempre.
*Este artigo é um trecho atualizado do discurso proferido em Bueu em 19/1/2006, na sequência da distinçom como filho predileto da vila.