Na Corunha, na Havana, em Ferrol, Vigo, Bahia ou Buenos Aires marinheiros britânicos jogavam a finais do século XIX a algo que causava certo assombro, ceticismo e mesmo repulsa, tal e como quedou escrito nos jornais da época.
Desde finais do século XIX, o desporto tornou-se numa realidade em Cuba. Especialmente o basebol, que ante o degradante regime colonial, converteu-se em um paradigma de modernidade para os crioulos. Assim o observava o próprio Curros Enríquez:
“Apenas el vapor me condujo á América desde el extremo occidental de España, el 5 de marzo de 1894, tuve el presentimiento de que España había muerto para Cuba. (…) en vez de jugar sus mozos al trompo, los bolos y la pelota [refere-se à pelota vasca], características de la raza ibérica, jugaban al lawn tennis, al críquet, al foot ball y al base ball. (…) He ahí el por qué la popularidad del base ball me advirtió que, si no de un modo formal, virtualmente, al desembarcar, en Cuba, me encontraba en tierra extranjera.” (1)
O futebol deu os seus primeiros passos nesta cidade com a mudança de século. A rivalidade foi um dos vetores principais para o seu desenvolvimento, como em qualquer outra cidade. O primeiro grande dérbi futeboleiro havaneiro foi entre o Sport Club Hatuey e o Rovers Athletic Club: um herói nacional de Cuba vs. um clube de ingleses. (2)
Os galegos que viviam na Havana não foram alheios. Nessas primeiras equipas já jogavam “espanhóis”, e rapidamente começaram a fundar-se equipas que se correspondiam com os ambientes de socialização da capital, tal e como demonstrou o Santiago Prado Pérez de Peñamil nas suas investigações. Nas décadas de 1910 e 1920 competiam clubes como Euskeria Sporting Club, o Canarias Sporting Club, Catalunya Sport Club, Baleares Sport Club, Juventud Asturiana ou o Club Deportivo Centro Gallego.
O Futebol passou a ser uma das atividades incluídas naquelas sociedades de emigrantes. Igual que passava na Galiza, ao começo estava entre o repertório de actividades festivas mas ao crescer a sua popularidade os partidos adquiriram entidade própria, e mesmo rivalizaram com as atividades festivas que as sociedades de emigrantes faziam os domingos. Em 1925, dizia-se que os rapazes preferiam ir ver os partidos de futebol que às giras das sociedades pelos parques da Havana. (3)
Também na Havana o futebol era uma atividade quase completamente masculina. Porém, mulheres de todas as classes assistiam aos encontros: esposas de associados do mais alto nível, as suas criadas e trabalhadoras de todo tipo. As bancadas herdaram esse papel de lugar de relação entre homens e mulheres, ao igual que na Galiza. Normalmente, as mulheres só eram nomeadas como “madrinhas” das equipas ou faziam tarefas de organização dos bailes que seguiam aos partidos.
As bancadas herdaram esse papel de lugar de relação entre homens e mulheres, ao igual que na Galiza. Normalmente, as mulheres só eram nomeadas como “madrinhas” das equipas ou faziam tarefas de organização dos bailes que seguiam aos partidos
Com tudo, na Havana as mulheres fizeram incursões neste terreno de jogo masculino que era o futebol anos antes que na Galiza. Em 1929 chegaram a disputar-se jogos entre equipas femininas de galegas e baleares, que despertavam grande expectação. (4) As equipas femininas tiveram continuidade alguns anos mas não há notícias de uma organização federativa ou a continuidade de uma competição estabelecida, como se houve para os homens.
Os galegos tiveram bastante presença nos campeonatos da capital, participando muitos times que enxergavam identidades variadas. Club Deportivo Centro Gallego, Club Deportivo Galicia, Vigo Sport Club ou Celta são algumas das equipas que competiam na capital contra asturianos, catalães ou baleares. Cada equipa tinha a sua alcunha: os asturianos eram os “touros” e os galegos “os alacraus” ou, para a feminina, as “alacrancitas”. (5)
Na metade dos anos 20 começou a profissionalização, que não foi legal até 1929. Isto provocou grandes disputas desportivas e nas equipas de administração e nas federações nas décadas dos 20, 30 e 40, quando o futebol teve o seu ponto máximo em Cuba. Nestes anos, o clube do centro galego tinha sócios distribuídos pela cidade, que se encarregavam de cooptar jogadores para a equipa. Mas os intentos por aumentar a qualidade do time também implicava assinar jogadores que viviam na Galiza ou nas Astúrias, oferecendo-lhes salários ou emprego para animá-los a cruzar o oceano.
A implicação galega no movimento futebolístico na capital cubana foi importante, mas não única. São conhecidos também os casos de equipas de galegos em Nova York ou o exitoso Galicia Esporte Clube de Bahía. que hoje segue a jogar. Além destes exemplos que portaram o nome ou as cores da bandeira, a integração de galegos e galegas no movimento desportivo a começos de século propiciou um avanço na chegada e expansão pela Galiza do desporto. Um processo similar ao surgimento de escolas financiadas pelos indianos, salvando as distâncias. Quer com um aporte monetário quer com um fluxo de ideias, galegos que moravam na emigração impulsaram a construção de campos de desportos em vilas e aldeias ou criaram clubes ao seu retorno. Assim provocaram um avanço em termos qualitativos e de difusão territorial.
Além do impressionante edifício do Centro Galego ou os inumeráveis panteões de galegos no cemitério de Colom, outros aspetos da presença galega não deixaram restos, mas tiveram uma grande importância. Os futebolistas e equipas de galegos ainda ficam no recordo. Pessoas de alta idade recordam como iam os domingos à tarde a ver futebol na Havana.
- Manuel CURROS ENRÍQUEZ: «Al desembarcar», en Ramón S. de MENDOZA, José Mª HERRERO e Manuel F. CALCINES: El base ball en Cuba y América, Hardvard University, 1908, pp. 3–5.
- Santiago PRADO PÉREZ de PEÑAMIL: El fútbol y los clubes españoles de la Habana, 1911–1937. Asociacionismo y espacios de sociabilidad, La Habana, Fundación Fernando Ortiz, 2013. p. 36.
- Idem, p. 55.
- Diario de La Marina, 15/12/1929, p. 23.
- Diario de La Marina, 10/12/1929, p. 16.