
Cheikh Fayé é um dos quase 2000 senegaleses que vivem atualmente na Galiza. Nas eleiçons municipais de 2015 quixo dar um passo adiante na defesa dos direitos das migrantes, mas a lei eleitoral nom permite que pessoas sem nacionalidade europeia fagam parte das listas. Depois de dous anos escrevendo no seu blogue ‘Senegaliza’, estreia-se agora como autor do livro ‘Ser modou modou’, editado pola Asociaçom Sócio-Pedagógica Galega (AS-PG). Combina as apresentaçons do livro por todo o país com a supervivência na cidade da Corunha, onde trata de poupar para enviar regularmente ajuda económica à sua família.
Em 2015 abres o teu blogue Senegaliza, a partir do qual nasce este livro. Como foi o processo?
Todo parte da tentativa de participaçom nas eleiçons municipais de 2015 na lista do BNG, junto com Djiby Fall. Xosé Manuel Carril, o candidato, é umha pessoa muito sensível à situaçom das migrantes e falamos com ele para ver como se podia melhorar a nossa situaçom e implicar-nos na vida política da cidade. Como nom tínhamos a nacionalidade, a junta eleitoral rejeitou a nossa candidatura e fomos substituídos por outras pessoas. A mim substituiu-me Erik Dobaño, que me dixo que tentássemos fazer algumha cousa. Assim começamos a escrever o blogue do qual nasce este livro, ainda que também incluim alguns textos novos.
Como achas que se pode “contar a história da caça da perspetiva dos leons”, como dizes no livro, com tam poucos espaços públicos para falar? Como valoras a implicaçom e posicionamento das organizaçons e dos movimentos sociais a respeito das políticas de migraçom?
Tentamos aproveitar os espaços que temos. Por exemplo, com as apresentaçons do livro falamos da difícil situaçom que vivemos nós, as migrantes, com a crise e os recortes de direitos do PP. Padecemos situaçons muito injustas, como os trâmites de solicitude da nacionalidade. Eu apresentei a minha em setembro de 2015 e ainda estou à espera de resposta; nem sequer da concessom, porque podem denegá-la. Todos os que vivemos este tipo de situaçons temos que implicar-nos mais na política para expor as nossas vivências e encontrar soluçons favoráveis.
“Há muitos partidos que falam da migraçon nas campanhas eleitorais, mas falam só de um lado: falam da emigraçom espanhola e esquecem de nós”
Há muitas organizaçons que colaboram connosco para denunciar as situaçons que vivemos. O caso dos CIE é o mais evidente, porque som umha sorte de cadeia. O número máximo de pessoas que pode permanecer dentro está mais do que triplicado, há umha clara saturaçom. Os ilegais nom som presos, mas estám metidos alá como se o fossem, e isso hai que denunciá-lo: os CIE tenhem que fechar-se. Há muitas organizaçons que denunciam estas situaçons e tentam conseguir melhoras.
Por outro lado, também há muitos partidos que falam da migraçon nos discursos das campanhas eleitorais, mas falam só de um lado: falam da emigraçom espanhola e esquecem de nós. Isso dói. Temos que implicar-nos mais na política para fazer escuitar as nossas vozes e visibilizar-nos.
Defines-te a ti mesmo como ‘senegalego’ e estabeleces no teu livro muitos vínculos e paralelismos entre a Galiza e o Senegal. Como vives a experiência da acolhida na Galiza?
A galega é umha sociedade aberta porque tem tradiçom de migraçom. Ainda que às vezes há pessoas que rejeitam, polo geral nom temos problemas. Há muitos compatriotas que vivem fora da Galiza que, quando venhem aqui, surpreendem-se: às vezes, quando há problemas ou identificaçons, há gente que permanece ao nosso lado para defender-nos da polícia e da Guarda-Civil.

Também falas da importância de reconhecer o outro e entendes a identidade e a cultura como mestiçagem. És o primeiro senegalês em escrever um livro em galego e dizes que “para conhecer qualquer sociedade há que tratar de entender o seu idioma”. Como valoras a questom do conflito lingüístico na Galiza? Há algumha semelhança com o caso do Senegal?
Acho que há que sensibilizar o pessoal para que entenda que o idioma tem um valor mui importante. Como digo no livro, toda cultura é veiculada por um idioma e todo idioma é veículo de umha cultura. O que perde a sua língua perde a sua cultura. Os galegos deveriam defender o idioma para defender a sua cultura e a sua identidade.
No Senegal a situaçom é diferente. Ali falam-se vários idiomas, mas o idioma dominante — como seria aqui o castelhano— é o wolof. Também está o francês, que funciona como idioma administrativo e oficial, mas entende-se como um idioma estrangeiro e nom tem poder sobre o wolof.
"Os galegos deveriam defender o idioma para defender a sua cultura e a sua identidade. No Senegal é diferente. Escolheu-se o wolof como idioma nacional porque era o mais expandido"
Nos anos 60, na época do presidente Sédar Senghor, escolheu-se o wolof como idioma nacional porque era o mais expandido no território e o que tinha maior número de falantes. Na escola também se ensina, mas o problema que temos é que os idiomas no Senegal som de tradiçom oral, nom tenhem escrita. Começou-se a escrever há umhas décadas, mas os governos nom pugérom os meios necessários para desenvolvê-lo.
Contas que, no Senegal, a Europa vê-se como ‘El Dorado’. Como contarias a migraçom à mocidade senegalesa da tua experiência?
A ideia teórica de Europa que tínhamos antes de chegar, se chegamos, muda. Achamos que os países europeus som países avançados, onde há trabalho, é fácil ter dinheiro, nom há miséria nem dificuldades… Mas, se chegamos, damo-nos conta de que viver aqui é muito mais difícil do que pensamos. Em primeiro lugar, vivemos em situaçom irregular, sem papéis. Para poder solicitar a residência há que viver três anos com um justificante. Agora, inclusive se o tés, necessitas um contrato. Antes da crise era mais fácil, agora é quase impossível. Muitos senegaleses nom pudérom renovar os papéis por nom terem trabalho com contrato, e voltárom para umha situaçom irregular.

No livro falas muito da situaçom do conflito sírio e das refugiadas, e dizes que “quando falamos da África e da Ásia, nom há diferenças entre emigrantes económicos e refugiados”. Podes explicar um pouco mais esta frase, da tua perspetiva?
Acho que há um ponto de vista comum, pessoas obrigadas a deixarem a sua terra. Os refugiados nom se consideram migrantes económicos, di-se que som migrantes políticos e diferentes de nós, mas em realidade vivemos a mesma situaçom. Se observamos o Senegal ‑e muitos dos países africanos- e observamos a Síria ‑e muitos países do oriente médio‑, vemos um mesmo problema: o imperialismo internacional. No caso da África, somos países potencialmente ricos dos quais nom podem aproveitar os seus recursos porque a minoria capitalista está a sacar vantagem. No caso da Ásia, os países que tenhem petróleo som países em conflito com as grandes potências, que para além de aproveitar-se dos seus recursos tenhem interesses armamentísticos.
Agora há milheiros de pessoas a fugirem das guerras que provocárom, mas eles nom querem afrontar as conseqüências: as refugiadas e migrantes que chegam à Europa. Depois de anos de guerra, colonizaçom e exploraçom já nom nos querem. Dixo-se que houvo independência, mas realmente o que há é umha nova forma de gerir a situaçom para seguir dominando-nos.
Comentas no livro que “o pessoal parece que está mais contente com Macky Sall [atual presidente do Senegal]” e falas também de algumhas melhoras na saúde e nas ajudas sociais. Como valoras a situaçom política atual no Senegal?
A situaçom política atual é difícil. O Senegal é um país pequeno, nom chegamos aos 12 milhons de habitantes e há muitos partidos políticos. O problema que temos é um problema geral na África, o que se chama proliferaçom de partidos para impedir a unidade. O poder sempre tenta dividir a oposiçom para impor a sua força. Ainda que Macky Sall está a fazer esforços de um lado, do outro lado a sua política nom está a beneficiar muito os senegaleses.
Nos textos ‘Patriarcado’, ‘Matriarcado’ ou ‘Política e mulher’ tratas os roles de género na cultura e na política senegalesa. Qual a situaçom e o papel das mulheres na atualidade?
“O problema no Senegal é que os idiomas som de tradiçom oral e os governos nom pugérom os meios necessários para desenvolvê-los”
Se comparamos com o passado, pode-se dizer que houvo umha melhora na situaçom. O analfabetismo é um obstáculo para o desenvolvimento das pessoas e da sociedade e isto é especialmente visível nas mulheres. Durante muitos anos dixo-se que nom era necessário que as nenas estudassem. Contudo, houvo mulheres que lográrom ser ministras, deputadas, avogadas, professoras… O que espertou o entusiasmo das pessoas e fixo possível que agora haja mulheres que desenvolvem funçons de altos cargos. As mulheres estám a fazer um trabalho formidável para ajudar a mudar esta visom.
Levas desde que saiu publicado o livro a fazer apresentaçons públicas em centros sociais, universidades, livrarias… Como está a ser a acolhida do livro? Como o recebeu a tua família e a tua aldeia, que tenhem grande presença nele?
A gente recebe‑o com os braços abertos. O que mais surpreende e emociona é que está escrito em galego. Depois, às pessoas interessam-lhe que, através do conteúdo, pode ter mais informaçom sobre nós como migrantes senegaleses e também sobre o Senegal. A partir de aí pode fazer umha análise mais em profundidade sobre os países do sul do Saara. O principal motivo que impulsa a migrar é a sequia, por isso é umha situaçom semelhante em vários países.
A minha família e amigos também sabem que publiquei o livro e tenhem já ganas de lê-lo. Ademais, estou a pensar já em escrever outro livro sobre a migraçom.