Desde que o nosso país se viu confrontado com a necessidade de organizar o ativismo e a denúncia social também na rede, na viragem entre dous séculos, coletivos e pessoas diversas pugérom maos à obra para dotar a militância de espaços, ferramentas técnicas e noçons teóricas com que se adentrar no ciberespaço que, aos poucos, ganhava importância nas nossas vidas. Mas se bem é certo que a socializaçom no uso de webs, correios eletrónicos e, posteriormente, redes sociais, foi vertiginosa, nom aconteceu o mesmo com a capacidade de emancipar a comunicaçom das grandes corporaçons. Nesse caminhar custoso topárom-se distintas iniciativas.
Um destes ativistas digitais temperaos foi David Bruzos, um ourensano que fijo parte do projeto Saramaganta. Com este nome funcionava um servidor que, de 2006 a 2019, forneceu serviços digitais a inúmeros coletivos. Dispunha ferramentas aos movimentos populares, desde listagens de correio até um servidor de serviços; todo isso desenhou-se de maneira autogerida e, dalgum modo, herdava a tradiçom dum ‘hacklab’ já clássico, que pugera em andamento a Casa Encantada de Compostela. David conta-nos que Saramaganta “chegou a ter 100 grupos de correio, e algum deles acadou as 1000 pessoas aderidas; cada vez que se enviava um correio a umha lista dessas, resultava tecnicamente difícil manter esse serviço sem que fosse marcado como spam polas grandes corporaçons. Estas nunca estivérom interessadas em que houvesse servidores independentes.” Na atualidade, o servidor mantém-se, mas devido à falta de apoios o funcionamento autogerido retrocedeu parcialmente: houvo que recorrer a umha empresa de baixo custo que mantém “serviços mínimos, e já nom se publicita como serviço seguro de comunicaçons cifradas.”
Saramaganta forneceu de serviços digitais a vários coletivos entre 2006 e 2019. Dispunha de listagens de correios até servidores, todo isto desenhado de maneira autogerida. “Chegou a ter cem grupos de correios e algum deles acadou as mil pessoas aderidas”, di David Bruzos
No sul do país, no Val Minhor, continua umha iniciativa semelhante. Contactamos com a Casa Colorida de Nigrám e Sílvia, umha das coordenadoras, afirma que “som muitas as frentes de trabalho ativas, porque abordam o conceito de Cultura Livre, nascido parelho ao de Software Livre.” A ideia que as move é “levar a todos os âmbitos do desenvolvimento humano” essa filosofia: criança, produçom e gestom cultural, alimentaçom ou produçom agrária (guiada pola permacultura).
Nestas coordenadas gerais, o mundo das comunicaçons online tem o seu lugar de privilégio. Na Casa desenvolveu-se um hacklab durante três anos, gerido por umha pessoa especializada neste campo, mas “acompanhado por todas as pessoas que faziam parte do projeto coletivo.” Todo o conhecimento gerado no espaço de Nigrám era registado em aplicativos digitais de software livre; alguns já existentes, outros desenvolvidos na Casa. Criou-se assim umha plataforma de universidade livre na rede, alimentada por colaboraçons coletivas que nutria o festival Galiza Imaginária. No sul do país, muita gente ainda lembra este encontro como um dos foros mais importantes dos movimentos sociais a ambas beiras do Minho.
A Casa Colorida, de Nigrám, tem desenvolvido umha rede social livre. Após anos de trabalho intensado focado numhas poucas pessoas, a dia de hoje gere um ‘hacklab’ mais pequeno
A Casa Colorida desenvolveu também umha rede social livre, cujo núcleo originário inspirou-se em Lorea, um grupo de desenvolvedores informáticos ligados à Cooperativa Integral Catalana. A semente de Lorea tomou-se emprestada, e adaptou-se ao contexto galego e às necessidades dos coletivos do país. Eram vários os projetos inovadores de importância, mas “a falta de capacidade para alojar todo isto num servidor seguro levou para umha aliança com Saramaganta”. Ambas as estruturas apostárom por “partilhar desenvolvimento tecnológico juntas”. Como tantas vezes acontece no trabalho do mundo associativo, a multiplicaçom de ideias e iniciativas nom se deu acomodado aos recursos humanos existentes. Depois de quatro anos, devido à falta de forças, e com trabalho desmedido concentrado nas mesmas pessoas, a Casa Colorida decidiu adequar o projeto: na atualidade, o espaço gere um hacklab mais pequeno, “abandonando tecnologias grandes com um grande custo”. O objetivo, porém, nom muda: potenciar software livre, soberania digital, e transmissom de conhecimento livre.
Autogestom tecnológica, além fronteiras
Obviamente, experiências como as galegas nascem do diálogo internacional. Além das fronteiras estritas do país, e atuando no âmbito da Península Ibérica, associaçons como Críptica tenhem umha dilatada trajetória; “a privacidade é umha questom quer técnica, quer política”, afirmam, “e a sua ideia força a fazer confluir ambos os domínios, tantas vezes arredados sem justificaçom nenhuma. Os seus objetivos som promover hábitos e ferramentas que protejam a confidencialidade e o anonimato, através de ferramentas como ateliês, manuais e artigos.
Advogam pelo uso da open source, a criptografia, o cifrado e os sistemas descentralizados, e citam várias ferramentas para levar isto a cabo. Para garantir o anonimato na rede, socializam recursos já conhecidos no ativismo digital, tais como Tor, VeraCrypt, KeePassXPlugins ou PrivatyBadget; alguns dos aplicativos que defendem vam dirigidos à telefonia móvel, caso de TextSecure, RedPhone ou ChatSecure.
A Catalunha, dumha maneira especial, leva lustros a funcionar como um laboratório especialmente produtivo para a soberania digital. É especialmente conhecida a iniciativa guifi.net, que no seu site, disponível em versom galega, se define como “umha rede de telecomunicaçons e umha rede aberta, livre e neutral, que promove a interconexom entre iguais.” Guifi pertence a todos os seus e suas participantes, pois organiza-se “horizontalmente em lógica cooperativa”. A sua condiçom tam abrangente reúne pessoas, coletivos, empresas, administraçons e mesmo universidades. Em 2008 constituiu-se como “fundaçom privada a prol da rede aberta, livre e neutral”, sem alterar o seu formato funcional.
A Catalunha leva lustros a funcionar como um laboratório para a soberania digital
A poucos quilómetros no mundo físico, mas separado pola fronteira dos estados, fervem projetos irmaos: no estado francês atua Montpel’libre: um Grupo de Usuários GNU / Linux e Software Livre que promove a cultura livre e os bens comuns. Na sua definiçom incluem-se termos como “economia social e solidária, pesquisa e treino, educaçom popular”. E ainda que sediado na França, o projeto NOTHING2HIDE trabalha com a lógica de ultrapassar as fronteiras, operando em oito Estados (França, Suécia, Indonésia, Burkina Faso, Tanzânia, Turquia, Gana) para missons de “suporte à mídia, capacitaçom e treino em segurança digital”.
Desde que o pleno exercício dos direitos de cidadania, no mundo digital que habitamos, nom é possível sem umha mínima alfabetizaçom digital, coletivos como os antes citados resultam básicos para empoderar a militância popular. As mais avançadas tecnicamente destas organizaçons nom duvidam em trabalhar para virar transparentes as opacas decisons de governos e corporaçons: eis os objetivos que marca como próprios o Chaos Computer Club (CCC) é uma associaçom de hackers da Alemanha. Segundo recolhe a sua página web os seus objetivos mais importantes som “liberdade de acesso à informaçom, liberdade de expressom e a exigência de maior transparência nos governos. A sociedade está aberta a todos que se identificam com estes objetivos.” Ainda que o mundo dos hackers daria para umha reportagem de seu, pola sua especificidade, os limites entre acesso à informaçom sem entraves, defesa da privacidade e acesso a fontes blindadas polo poder, esvaem-se cada vez mais. É mui possível que num futuro próximo toda militante ou ativista de rua vire, pola força das circunstâncias, também em ciberativista.