No passado 6 de outubro tivo lugar em Edimburgo a considerada como a marcha mais importante da história em favor da independência da Escócia, com umhas 100.000 pessoas a percorrerem as suas ruas. A manifestaçom decorreu na véspera da conferência do Scottish National Party e surgiu como umha medida de pressom aos seus líderes para estabelecer os tempos dum segundo referendo pola independência. Após a consulta do Brexit em 2016, a primeira ministra escocesa Nicola Sturgeon anunciou a tentativa de celebrar esse segundo referendo, já que a maior parte de escoceses tinham votado em favor de manter-se no seio da Uniom Europeia. Com o Partido Conservador na sua própria guerra interna polas condiçons do Brexit, o povo escocês está-se a impacientar e procura umha data para o seu ansiado divórcio. Umha data para pôr fim a um matrimónio onde, como em quase todos os contos antigos, os interesses económicos primárom sobre os sentimentais. Umha duradoura relaçom pola qual ninguém dava a mínima antes de se concretizar.
Tratado de Uniom de 1707
A fatal uniom aconteceu no primeiro de maio de 1707, dia em que o Tratado de Uniom dos parlamentos ingleses e escoceses entrou em vigor. Se bem que nom surpreendeu muitos, sim que o fijo a velocidade com que aconteceu. Naquela altura as coroas escocesas e inglesas já estavam unidas. Na sequência da morte de Isabel I de Inglaterra, Jaime VI de Escócia virou também Jaime I de Inglaterra. A uniom como um só estado soberano semelhava inevitável ‑houvera três tentativas anteriores, 1606, 1667 e 1669- mas as reticências escocesas e inglesas impedírom-no.
No início do século XVIII o trono britânico tinha sido ocupado pola rainha Ana que fora educada num estrito protestantismo. O pai dela, Jaime II de Inglaterra e VII da Escócia fora deposto na Revoluçom Gloriosa e exilara-se em França. Convertido mais tarde ao catolicismo tivo umha segunda esposa, María de Módena, e o filho de ambos, Jaime Francisco Eduardo Estuardo, educado na fé católica, era a esperança dos jacobitas para ocuparem o trono. Reconhecido como rei por Espanha, França, os Estado Pontifícios e Módena, representou umha importante ameaça para a meia-irmá, a rainha Ana.
Ela foi a grande instigadora da uniom entre os dous países. Se algumha das suas dezassete gravidezes tivesse chegado à idade adulta talvez os parlamentos nom teriam resolvido a Uniom. Só umha criatura sobreviveu à infância, tendo falecido aos onze anos. A maior preocupaçom da rainha Ana era que um protestante a sucedesse. A uniom completa, com um parlamento partilhado sob o mesmo monarca era a única situaçom viável para impedir a Escócia de escolher um rei ou rainha.
O projeto colonial escocês
Por outro lado, a situaçom no norte da Ilha continuava convulsa. Escócia estava a sofrer as consequências dos seus excessos no Mar das Caraíbas. Pretendia mostrar estar madura para conseguir falar em pé de igualdade com as grandes potências. Queria o seu espaço no tabuleiro político, mas, naquela altura, se nom se possuía umha colónia, era pouco provável ser aceite a entrar no jogo. O projeto Darién semelhava a empresa perfeita para ganhar presença e o que era mais importante, encher os cofres do Estado.
O projeto Darién consistia no estabelecimento dumha colónia no Istmo do Panamá que receberia o nome de Caledónia. A ambiciosa empresa visava umha ligaçom por terra entre os oceanos Atlântico e Pacífico que favoreceria o comércio com Oriente e para isso criaria a Companhia da Escócia, que concorreria com outras como a Companhia Britânica das Índias Orientais inglesa. Para esse fim fazia falta muito dinheiro. Fôrom angariadas cerca de 400.000 libras, tendo envolvido investidores de todos os níveis sociais e representado, para termos umha ideia, 20% do dinheiro circulante no País.
A primeira expediçom saiu do porto de Leith em 1698 com uns 1200 colonos a bordo. Ao chegar erigiram um forte e um atalaia e à sua volta construírom as cabanas do assentamento principal, Nova Edimburgo. A introduçom da agricultura nas novas terras estivo cheia de complicaçons e o comércio com os índios nom avançava dado que nom pareciam prestar muita atençom para os pentes e demais objetos do dia a dia que lhes podiam oferecer. Doenças tropicais como a malária ou a febre dizimárom os colonos, tendo a taxa de mortandade subido para 10 mortes por dia. Só tivérom sucesso com a caça de tartarugas gigantes, mas havia cada vez menos gente disponível para realizar tam sacrificado exercício. Por outro lado, o rei Guilherme III de Inglaterra tinha ordenado às colónias inglesas e holandesas nom fornecer alimentos aos escoceses visto que essas terras eram reclamadas polos espanhóis e provocar a sua ira poderia ter consequências no velho continente. As autoridades só poderiam recompensar os colonos com álcool e as contínuas bebedeiras contribuírom para acelerar as mortes dos homens já enfraquecidos pola disenteria e a fome. A primeira tentativa de estabelecer umha colónia faliu aos oito meses. As mortes continuárom mesmo na viagem de volta, tendo chegado à Escócia apenas 300 nos 1200 que partiram.
O fracasso do Darién
Os sobreviventes nom chegárom a tempo para impedir que umha segunda expediçom partisse da Escócia em 1699. Pouco mais de um milhar de pessoas atravessárom o oceano na procura de um assentamento com cabanas vazias e sepulturas cheias. Para além das enfermidades e a fome, os espanhóis andavam por perto e prontos para lutar. Nom foi até a chegada de Alexander Campbell de Fonab, responsável pola organizaçom da defesa, que os colonos escoceses mudárom o seu ânimo. Conseguírom expulsar os espanhóis dumha paliçada, mas finalmente fôrom sitiados durante um mês. Os colonos acabárom por firmar a rendiçom e abandonar definitivamente a colónia a fim de se evitar um mal maior.
O fracasso desmoralizou umha significativa percentagem da populaçom, particularmente famílias das terras baixas que tinham ficado arruinadas. Culpou-se ao rei por nom ter intervindo, ao que o monarca respondeu que, sentindo‑o polas vítimas, se tinha recusado a intervir porque umha ajuda por parte da coroa teria levado a entrar em guerra com os espanhóis. Tam tensas estavam as cousas que três marinheiros dum mercante inglês fôrom enforcados em Edimburgo acusados de pirataria como partícipes do bloqueio sofrido polos escoceses.
A Escócia ficou totalmente empobrecida, ao fracasso do projeto Darién juntou-se umha época de más colheitas em boa parte da Europa. 200.000 pessoas teriam acabado na mendicidade.
Tensas relaçons
No plano político, as relaçons entre a Escócia e a Inglaterra nom estavam na sua melhor forma. A Inglaterra aprovou em 1701 a Act of Settlement no que se estabelecia que na sucessom na coroa só seria permitida a subida ao trono de monarcas protestantes, o que cortava o passo à Casa dos Estuardos, de confessom católica. Isto incomodou o Parlamento Escocês, pois vários reis Estuardo tinham sido da Escócia antes de o ser também da Inglaterra. Como resposta, o Parlamento escocês aprovou a Act of Security no que se estabelecia que em caso da morte da rainha Ana os três parlamentos nomeariam um rei protestante dos descendentes dos monarcas escoceses a nom ser que se reunissem certas condiçons económicas, políticas e religiosas. A reaçom nom se fijo esperar muito e os ingleses contra-atacárom com a Alien Act de 1705, através da qual limitavam o comércio e a livre circulaçom entre os dois países até que se derrogasse a Act of Security. Naquela época o comércio com a Inglaterra era fundamental para a Escócia.
No início de 1706 a irritaçom escocesa por causa da Alien Act só tinha vindo a aumentar dado que a lei os tornava estrangeiros na Inglaterra e limitava o comércio de que tanta gente dependia. A situaçom económica nom deixava Escócia numa boa posiçom de negociaçom e do Sul chegavam cantos de sereia a apostar na uniom política como a melhor soluçom. Os escoceses, reticentes, mesmo ponderárom outra uniom, neste caso com a República de Holanda. Finalmente chegou-se à conclusom de que a única forma de combater a Alien Act era entrar em negociaçons sobre a uniom com os ingleses, já que pensavam que se se falasse em uniom total nom seria possível o acordo entre os dous Parlamentos.
A negociaçom do Tratado
Sessenta e dois comissários –trinta e um de cada país- seriam os responsáveis pola negociaçom do Tratado. Neste momento é quando chega a primeira traiçom. O representante mais importante da Escócia, o Duque de Hamilton, a pesar de ser anti-unionista era um fervente monárquico e propujo que fosse a rainha Ana quem nomeasse os comissários. A proposta foi aprovada por quatro votos e a rainha aproveitou para designar unionistas.
Atualmente, sabemos que os comissários se reuniram em segredo por medo à reaçom. Em abril de 1707 reuniram-se oficialmente. O tratado negociou-se em menos dum mês. Os ricos vírom na uniom a única forma de preservar os seus privilégios e os mais relutantes mudárom de ideia com a ajuda dos subornos que chegárom do Sul. “Vendidos e comprados polo ouro inglês, vaia umha banda de pícaros numha naçom”, assim foi como descreveu a traiçom ao povo Robert Burns, poeta nacional escocês. A uniom consumou-se de costas ao povo, entre 80% e 90% por cento era contra ela. Sabemos qual a reaçom do povo, em larga medida, polos escritos que deixou um jovem Daniel Defoe que nesse momento trabalhava como espia e agitador a favor da uniom em Edimburgo, alguns anos mais tarde viraria mundialmente famoso por escrever Robinson Crusoe. Defoe escreveria “a gentalha escocesa é a pior cousa que há, em cada um a favor há 99 em contra”.
O 1 de maio a cidade de Edimburgo erguia-se numha manhã cinzenta com a uniom consumada e os sinos da catedral a tocarem umha velha música: Como posso estar tam triste no dia do meu casamento?
Após a Uniom
Os ingleses ganhavam com a uniom o controlo político de um país que nunca puderam subjugar. Tiravam-lhe um aliado ao inimigo francês e a preocupaçom de serem atacados pola retaguarda, amais de um bom número de soldados escoceses e acima de tudo, asseguravam que os próximos monarcas fossem protestantes.
Por outro lado, a Escócia mantivo a educaçom pública e a lei escocesa, ainda que esta última podia ser alterada. Recebeu o chamado Equivalente, 398.000 libras para reparar os danos que ocasionou a ruína da Companhia da Escócia e os impostos mais altos que teriam que pagar. Esse dinheiro serviria também para pagar os custos decorrentes da equiparaçom monetária e dos pesos e medidas. 60% desse Equivalente devia servir para pagar as despesas da Companhia da Escócia, mas realmente isto foi letra morta visto que somente as pessoas mais poderosas afins à uniom é que recebêrom a totalidade do dinheiro prometido. Isto ocasionou enormes revoltas por todo o país que fôrom reprimidas por tropas enviadas polo Privy Council, com boatos relacionados a umha possível invasom do país pola Royal Navy incluídos.
Um só Parlamento decidiria por todos. No início do s. XVIII a representaçom era calculada com base na riqueza, nom pola populaçom sendo que a Inglaterra era cerca de trinta vezes mais rica do que a Escócia, ainda que a sua populaçom só era cinco vezes a escocesa. Os ingleses propugérom que os escoceses tiveram 38 assentos na nova câmara, mas devido às objeçons escocesas finalmente escolhérom 45 ‑mais um que a Cornualha. A representaçom mantivo-se muito desigual: 513 assentos ingleses para 45 escoceses.
Um ano depois da uniom o sentimento contra ela era tal que os jacobitas planeárom umha tentativa de recuperar o trono. O rei Luís XIV de Francia acolheu os Estuardo, 20 barcos estavam prontos para levar Jaime VIII da Escócia VIII e III da Inglaterra mais 5.000 soldados para a Escócia, onde mais 25.000 esperavam preparados para a guerra, mas a Royal Navy foi quem de interceptar a frota. Quem sabe como seria a história europeia moderna de nom ter sido assim.
Com o passar dos anos, até os unionistas se apercebérom de que nom fora umha uniom entre iguais senom umha entrega total da independência de Escócia por parte de políticos falsos e corruptos. A marcha do passado 6 de outubro serve para mostrar ao mundo que os escoceses estám dispostos a aprender dos erros dos seus antepassados. Deixar para trás aquilo que vendérom com sendo umha aliança de casamento, quando foi, antes bem, umha cadeia. Umha cadeia de ouro.