Na manhá do 30 de maio, a polícia entrava no CSOA Escárnio e Maldizer, no número 11 da Rua da Algália de Acima em Compostela. Após mais de três anos de atividade, a justiça ordenava o despejo deste centro social sem prévio aviso. Nestes três anos de atividade do Escárnio e Maldizer, a atividade cultural e política foi constante, devolvendo a vida a um prédio que levava anos abandonado depois de ter marchado dele o grupo de música tradicional Cantigas e Agarimos.
Dar vida a espaços abandonados polo desenvolvimento urbanístico foi um dos objetivos dos movimentos de ocupaçom que na Galiza contam já com três décadas de história em diversos pontos do país. A criaçom de espaços assembleares e autogeridos, a confluência de diversos movimentos políticos, a denúncia da especulaçom imobiliária, as ofertas de formaçom e cultural gratuitas para o público e a proclama de umha vivenda digna, estiveram presentes nas diversas geraçons que desenvolvem a ocupaçom de espaços como umha ferramenta política, cultural e social para a transformaçom da sociedade.
Revisom histórica: anos 80–90
Qual foi o primeiro centro social ocupado no país é umha questom sem resposta clara. Na cidade de Vigo, em 1978 várias famílias do bairro de Coia entravam nas vivendas sociais que levavam anos construídas mas que ainda se encontravam vazias, sendo este um dos pontos iniciais da luita contra a especulaçom urbanística desde o final do franquismo. Na mesma cidade, em maio de 1988 um grupo de jovens entrava num chalé propriedade do concelho na rua Pintor Lugris, reivindicando espaços para a mocidade. Esta ocupaçom nom duraria muito tempo, mas em 1990 realiza-se a ocupaçom do quartel militar de Barreiro, no bairro de Lavadores. O concelho figera-se com os terrenos militares e havia umha luita vicinal no bairro para dotar esta zona de serviços para o bairro. Assim, um grupo de jovens decidia ocupar umha parte dos prédios do quartel, para criar um espaço autogerido e apoiar a luita da associaçom vicinal, numha experiência que durou alguns meses. O quartel será derrubado em 2001, ficando atualmente nesse espaço umha zona residencial, um geriátrico privado, a piscina Mais que Água e zonas verdes.
É na década de 90 que começam a germinar centros sociais ocupados polas cidades. Em finais de 1991, coletivos autónomos de Ourense transformam um antigo lar infantil, situado no campus universitário, num centro social com intensa atividade durante meses. Ativistas que participaram nesta iniciativa assinalam que foi um germolo de muitos outros movimentos, como o feminismo. O Fogar Infantil participou também nas luitas populares daquela época em Ourense e que conseguiram vitórias como evitar a construçom de um estacionamento no Jardim do Possio ou a anulaçom das touradas previstas para as festas. O prédio era propriedade da Deputaçom, que finalmente o derrubará em 1993 para a expansom do campus universitário.
Na década de 90 germinam vários centros sociais ocupados nas cidades, chegando a conviverem no tempo projetos em Vigo, Ourense, A Corunha e Compostela
Nestes anos realizaram-se também ocupaçons em Compostela e em Oleiros. Em Compostela, entre dezembro de 1991 e julho de 1992 estará ativa a casa da rua Santa Clara, um dos germolos do que depois foi a Casa Encantada. Nestes meses houve atividades contra a especulaçom urbanística, a luita anticarcerária ou pola insubmissom ao serviço militar. Na data do seu despejo, as habitantes decidírom subir ao teito e resistir, demorando a polícia umhas 20 horas em despejá-los. Atualmente, a casa de Santa Clara encontra-se ainda cercada.
Em 1992, nasce a Okupa da Ria, no concelho de Oleiros ao pé da ria do Burgo. Ocupa-se o recinto do Torreom Bescansa, o qual pouco depois é adquirido polo concelho para a construçom de um passeio marítimo. Este centro social perdurará durante 9 anos, sendo despejado em 2001 para a construçom desse passeio e de um complexo residencial. O espaço encontra-se atualmente completamente transformado: derrubou-se o recinto amuralhado da torre, construórom-se vivendas e foi derrubado o prédio anexo à torre, bem como um andar da própria torre.
Ocupaçons no centro da cidade
Nesses começos dos 90, o movimento de ocupaçom de propriedades abandonadas para o seu uso social continua em Vigo, achegando-se nestas ocasions ao centro da cidade. Em 1993, está ativo durante uns meses um centro social na rua Travesia 110. Este espaço era umha pequena ilha na faixa de altos edifícios que conforma a Travessia. O local estava situado num chalé de dous andares, que ligava com umha faixa verde que se estende por detrás da Travessia e onde até há pouco cultivava hortas a vizinhança. A casa será despejada para a construçom de prédios habitacionais.
No mesmo ano de 1993, era ocupada umha casa na Ruela de Nunes, próxima da Rua Príncipe, com o que a ocupaçom chegava ao centro de Vigo. A casa contava com dous andares, sendo o rés-do-chao o que acolhia as atividades públicas. A sua fachada contava com um grande símbolo ‘okupa’. Ativistas que participaram desta experiência exponhem que se figera um esforço por acondicionar a ruela. Quando chegaram as ativistas, encotrárom-se com que a zona era empregada para o consumo de heroína. Umha vez as ativistas do centro social foram fazendo atividades e habitando o espaço, as pessoas consumidoras foram abandonando a ruela. No dia do despejo, em janeiro de 1995, as ocupantes decidiram resistir e subiram-se ao teito enquanto um grupo berrava desde a rua. Após o despejo, a casa foi derrubada e na atualidade continua a ser um terreno vazio.
Surge o crime de ‘usurpaçom’
Nos anos 90, os movimentos de ocupaçom foram tomando força em todo o Estado e, como resposta, na reforma do Código Penal de 1995 surgia pela vez primeira o crime de usurpaçom. Até esse momento, as pessoas que foram detidas nos despejos enfrentavam-se a denuncias por coaçons que rematavam em multas ou arrestos domiciliários.
na reforma do Código Penal de 1995 surgia pela vez primeira o crime de usurpaçom. Até esse momento, as pessoas que foram detidas nos despejos enfrentavam-se a denuncias por coaçons
Na segunda metade dos anos 90, na cidade de Vigo continuam a surgir ocupaçons em que há vivendas mas que também contam com um espaço público que funciona como local social. Assim, ocorrêrom ocupaçons nas ruas Lopes de Neira, Anguia ou Tomás Alonso. Em 1998, alguns ativistas lembram que acontecia um golpe traumático para o movimento. O centro ocupado Verde Lua, sito na Travessa da Rua Romil, hospedaria provisoriamente umha mulher em situaçom de vulnerabilidade social e a sua criança, as quais som vítimas de um assassinato machista cometido, segundo indicavam as notícias da imprensa, por um homem que mantivera umha relaçom com a mulher.
Década de 2000
Nos começos da década de 2000, tenhem lugar os despejos de dous centros sociais com ampla trajetória: a Okupa da Ria em 2001 e a Casa Encantada em 2003. Porém, estas açons nom deterám o movimento nesses anos, ainda que demorará uns anos a voltar a existir umha ocupaçom que perdure no tempo. Em Oleiros, ocupa-se A Toxeira para a celebraçom de umhas jornadas anti-repressivas. Após estas jornadas, ficou algumha gente a viver no lugar, mas seriam expulsas uns dias depois polas forças policiais. Atualmente, a casa está abandonada.
No verám de 2004, em Compostela tem lugar o conflito sobre os edifícios sindicais. Os sindicatos abandonam o velho edifício sindical, sobre o qual existe um plano para ser derrubado e construir prédios de luxo. Grupos anarquistas que utilizavam parte do espaço decidem resistir e, apoiados por outros movimentos, criam nesse edifício o centro social autogerido Aeito. Após umhas semanas de atividade, durante as quais mesmo as promotoras tentárom começar o derrubamento do edifício, a polícia despeja o Aeito. Uns dias depois, uma tentativa de reocupaçom do edifício dará lugar a novas detençons. As açons dirigem-se entom contra as empresas promotoras, sendo sabotado um carro da empresa Urban. O lugar é hoje um prédio de andares de lujo. Porém, o convénio urbanístico entre o Concelho e as promotoras incluía também um espaço que deveria dedicar-se a uso público mas a empresa Promociones Oroso hipotecou tal espaço com o Banco Popular, o qual está a promover a sua adjudicação, tal como apareceu nas últimas semanas na imprensa local.
Nos meses posteriores à experiência do Aeito, tentárom-se ocupaçons em diversos pontos da cidade, mas apenas conseguiriam durar uns dias. Entre os anos de 2006 e de 2008, estará ativo o CAOS no bairro de Ponte Pedrinha. Ativistas que participárom dessa experiência participarám uns anos depois no germolo da Kasa Negra de Ourense, um centro social de inspiraçom libertária que ainda ocupa as instalaçons de umha velha fábrica de recauchutados nos arrabaldes da cidade.
Ocupar após a crise económica
Em março de 2008, após um ano de assembleias e de preparaçom, um diverso grupo de ativistas dos movimentos sociais da Corunha ocupava um prédio na bairro de Monte Alto na Corunha, construindo a base da que será conhecida como A Casa das Atochas. Com esta açom, pretendia-se criar um espaço cultural autogerido, bem como denunciar a especulaçom imobiliária, sendo a propriedade do prédio da construtora Pérez Paz SL. Com A Casa das Atochas inicia-se umha nova fase nos movimentos de ocupaçom na Galiza que coincide também com as consequências do estalido da bolha imobiliária.
Voltam surgir algumhas iniciativas polas cidades do país. Assim, nasce em Cangas o CSO O Salgueirón em 2010 ou A Casa da Estaçom em Ponte d’Eume, ainda ativa. Em Compostela, por volta do 2010, é ocupada a Casa do Vento, nas imediaçons do rio Sarela, a qual funcionará fundamentalmente como vivenda mas que realizará diversas atividades públicas.
Assim, quando em abril de 2011 é despejada a Casa das Atochas, o movimento continuará nom só na cidade, com a ocupaçom do CSO Palavea quatro meses depois, mas também em Vigo, com a ocupaçom contra o especulaçom no Bairro do Cura, que se manterá durante os meses de novembro e dezembro, e em Compostela com a primeira ocupaçom da Sala Iago em novembro de 2011. Nesta última ocupaçom, o apoio social foi extenso, chegando a passar centenares de pessoas nos seis dias que a sala estivo aberta e antes de um forte dispositivo policial efetuar o despejo. Umha grande mobilizaçom popular após o despejo foi também reprimida com cargas policiais. A Sala Iago voltará a ser ocupada em fevereiro de 2014, resistindo nesta ocasiom cinco dias até ser novamente despejada pola polícia. Na atualidade, a sala continua fechada e sem atividade. Em abril do mesmo ano, abria as suas portas o CSOA Escárnio e Maldizer e um mês antes era despejada a Palavea da Corunha.
Na Corunha, a Palavea estará três anos ativa, até ser despejada para a criaçom de um geriátrico privado que ainda nom foi construído. Este centro social situava-se longe do centro da cidade, perto do limite com o concelho de Culheredo. Este prédio era um reformatório para moças gerido polas Oblatas del Santísimo Redentor, que estava nas maos do ex-jogador do Celta de Vigo, Valeri Karpin, quando se converteu em centro social ocupado. Passaria depois às maos da Novacaixagalicia Banco, para ser mercado por outro empresário com a finalidade de construir um geriátrico. Porém, tal operaçom nom acabaria de ser iniciada e em 2015 passaria às maos de umha imobiliária.
Na mesma cidade, desde dezembro de 2016 está ativa A Insumisa, centro social ocupado nos prédios do Comando Militar de Obras, em frente do quartel de Atocha. As instalaçons da Insumisa contam com umha sala de ensaio, um local para concertos, umha pista de skate e umha zona para ginásio. Os terrenos em que está situada a Insumisa som propriedade do Ministério da Defesa, mas a manutençom das instalaçons foi cedida ao Concelho da Corunha em 2013 para a construçom de um centro de desenho que nunca chegou a ser construído. A imprensa empresarial local, especialmente La Voz de Galicia, e a direita da cidade estám a criar umha campanha mediática contra esta ocupaçom.
Voltando a Vigo, desde a experiência do Bairro do Cura até hoje surgírom novas ocupaçons. Continua ativa A Quinta da Carminha, sita numha casa da Rua do Carme que atualmente é propriedade da Solvia, a agência imobiliária do Banco Sabadell. Este mesmo espaço albergou o CSOA Xuntas antes de se converter na Quinta da Carminha. Entre 2014 e 2016, estivo a funcionar também um centro social ocupado vinculado à ‘Red de Solidaridad Popular’ de Vigo. No julgamento em que se sentenciou o seu despejo, a própria decisom reconhecia o labor social que realizava este centro.
Assim, o presente e futuro da luita contra a especulaçom, por umha vivenda digna e por umha cultura afastada das elites, matem-se com vários centros sociais ainda em funcionamento no mapa galego.