
À hora de falar com militantes das organizaçons independentistas –algumhas delas já desaparecidas– existe consenso em assinalarem a fraqueza, ou mesmo o questionamento da existência do independentismo como movimento. “Nom tenho claro que se poda falar agora mesmo de movimento independentista porque faltam organizaçons sectoriais e diversas, que se definam ou que se sintam independentistas, e que conformem esse movimento”, analisa Beatriz Bieites, atualmente ativista na Gentalha do Pichel e na escola Semente de Compostela. “Há muitas pessoas independentistas trabalhando nos frentes de todo tipo: cultural, vizinhal, feminista…”, acrescenta Bieites, quem lamenta que todo esse trabalho nom conflua em nada comum.
Após vários anos em que o conjunto do campo soberanista vem enfrentado profundas transformaçons, sobretodo a nível organizativo, o movimento independentista galego encontra-se numha encruzilhada. Após a dissolviçom ou refundaçom dos referentes orgânicos da primeira década deste século XXI fica um panorama que, como todas as crises, pode ser umha oportunidade e que semelha ser indicativo de um tempo de mudanças.
“Agora parece que resta o tema anti-repressivo, porque há presas que é necessário atender, e depois os centros sociais, que atendem a muita cousa, como o âmbito cultural. A mim dá-me a sensaçom de que é o que ficou, como umha ressaca de quando houvo mais organizaçom independentista”, reflete Josefa Rodríguez Porca, ex-presa independentista, de Ferrol. Assim, essa sensaçom de fraqueza e de resistência é a tónica dominante nos âmbitos políticos que ficam à margem do trabalho orgânico, mais clássico, de partido. Simom Uveira, militante da organizaçom juvenil Briga, acha que “do ponto de vista organizativo, a maior parte do independentismo está hoje diluído no movimento cultural. O qual nom é mau, mas sim que é sintomático da nossa fraca capacidade organizativa. Aliás, esta situaçom pode ser um estádio mais no processo de amaduraçom do movimento independentista galego”.
Umha questom que acompanha esta situaçom de fraqueza organizativa está a ser a expansom do discurso soberanista nas organizaçons do nacionalismo. Antom Santos, militante da organizaçom política Causa Galiza, concorda com que o independentismo talvez nom poda definir-se como movimento no momento atual, “o real é umha constelaçom de grupos de afinidade e um estado de opiniom independentista em crescimento contínuo com núcleos militantes que tratam de vertebrá-lo submetidos a fortes níveis de repressom”. Pola sua banda, Maurício Castro, que militou em Nós-UP até a sua dissolviçom, acha que o independentismo “como corrente dentro da esquerda nacional perdeu autonomia, mas ao tempo impregnou o resto da esquerda nacional”.
Na procura de causas
Procurar as causas desta situaçom atual é umha tarefa poliédrica, com muitas capas de análise, e todas as vozes apontam matizes diversos. A ex-militante da AMI, Maria Bagaria, aponta a existência dumha mudança de ciclo e assinala que vem determinado “pola derrota do projeto anterior e a açom repressiva do inimigo, mudanças sociológicas de fundo ‑como a sociedade tecnologizada ou o deslocamento dos setores produtivos- que também influem no próprio movimento, e polas mudanças de paradigma do próprio movimento, que ainda nom calhárom em propostas bem articuladas nem assumidas coletivamente”.
Falando da necessidade de renovaçom encontramos a voz de César Caramês, quem se considera soberanista e ativista dos movimentos sociais. Para ele, “o independentismo insere-se dentro dum discurso global de país, é um erro separar a reivindicaçom pola separaçom absoluta, pola plena soberania nacional, dum discurso de empoderamento nacional que abrange um campo discursivo muito mais amplo”. A nível geral, acha que o nacionalismo e soberanismo “tenhem um grande problema de adaptaçom às mudanças sociais que se estivérom a produzir”. Acrescenta que “temos um discurso de país quiçá muito ancorado no nacionalismo de começos do XX, como umha identidade pétrea com a que há que comungar e da qual há que participar para poder ser acolhido dentro da naçom a construir. Isto impede que a nova realidade, mais plural e que recolhe múltiplos sujeitos, se integre na construçom de umha nova realidade nacional”.
César Caramês: “Temos um discurso ancorado no nacionalismo de começos do XX”
Para Brais González, quem provém do sector da organizaçom de mocidade Adiante, que acabaria rachando com a FPG, e milita no sindicato CUT, tem acontecido que as organizaçons independentistas “nom tivérom nos últimos anos que assumir umha responsabilidade política verdadeira. Nom havia vasos comunicantes nem responsabilidades para gerir as expetativas depositadas ou de gerir umha iniciativa política de longo alcance”. González contrapom esta análise com a situaçom de coletivos como os da defesa das pensons “que tenhem unha formulaçom e umha luita e responsabilidades concretas, pois há gente que está a dizer-che que se nom se dá um passo adiante vai haver situaçom de sofrimento para estas pessoas e há que assumir essa responsabilidade”.
Anos de transformaçons
Olhando para atrás, com a pretensom de colher perspetiva das transformaçons dos últimos anos, chegamos até começos de 2000. Este novo século começava com umha iniciativa de unificaçom como a do Processo Espiral, que frutificaria no nascimento da organizaçom Nós-UP. Assim, a realidade organizativa na década de 90 passava a umha nova fase: nesta nova organizaçom confluiria a Primeira Linha –nascida em 1996 no seio do BNG, partido que abandona em 1999– e o independentismo da chamada “linha histórica” herdeiro da APU e o EGPGC, cujo testemunho recolhe AMI –constituída em 1996–. Ainda que começou participando do processo, ficara fora desta nova organizaçom a FPG, que vinha assumindo o documento conhecido como ‘Posiçom Luís Soto’, publicado em 1992, que conforma um programa de acumulaçom de forças em que entraria a esquerda espanhola.
Umha das novidades ideológicas de Nós-UP será a superaçom da “contradiçom principal” na questom nacional, e a equiparaçom da luita nacional, de classe e de género. Em 2005, a AMI e militantes provenientes da linha histórica do independentismo abandonarám Nós-UP. Esta rutura alicerça-se no questionamento da direçom política do movimento, negando a legitimidade de Primeira Linha para exercer tal direçom, e do encaixe político estratégico de certas modalidades de luita, nomeadamente do apoio da AMI ao ciclo de sabotagens em andamento.
Em relaçom com o nacionalismo hegemónico, nos últimos anos podem-se separar duas etapas. Por um lado, a que existia nesse começo de século, em que o independentismo procura aglutinar-se em contraposiçom a umha praxe do BNG que exclui a reivindicaçom do direito de autodeterminaçom; e umha outra fase, que seria a atual, em que após a XIII Assembleia Nacional do BNG em 2012 o nacionalismo sofre umha profunda reformulaçom e semelha iniciar-se um diálogo com o independentismo.
Durante o primeiro destes dous cenários, as organizaçons independentistas encetam umha série de iniciativas focadas na auto-organizaçom, como pode ser a criaçom de centros sociais. Nesses anos, está também ativa umha fase de violência política cujo início pode situar-se em 2005 com a publicaçom do primeiro manifesto da resistência galega, e que a partir de 2011 vai ser duramente reprimida. Em paralelo, vai-se abrindo um questionamento das ferramentas existentes, polo que quando o nacionalismo esgaça em 2012 as iniciativas eleitorais resultantes com certo discurso soberanista ‑por um lado Anova e por outro o próprio BNG- vam também absorver algumhas militâncias do independentismo. E aqueles setores que nom priorizam a contenda eleitoral ficam no trabalho de base ou nalguns casos abandonam a militância.
Dissolviçons e re-estruturaçons
Neste contexto dam-se umha série de dissolviçons e reestruturaçons: Em novembro de 2013 dissolve-se a organizaçom juvenil Adiante, próxima à FPG. Daqui surgem duas tendências: umha que conforma Xeira, que nasce em dezembro do mesmo ano e a qual intensifica a sua relaçom orgánica com este partido; a outra, umha corrente que vinha colocar o seu interesse na participaçom de processos de massas como o 15M ou no diálogo com os movimentos sociais, que rematará rachando com a FPG.
Em setembro de 2014 seria a AMI a que anunciaria a sua dissolviçom. No comunicado em que se anunciava esta decisom afirmava-se: “Dedicamos enormes esforços a celebrar efemérides, respostar agressons em base à agenda mediática do inimigo e realizar propaganda do modo que nos aprendérom que isto se fazia. Mantendo-nos aí, no jogo, sem que a acumulaçom de forças mude e sem melhorar as nossas próprias condiçons vitais. (…) Achamos mais interessante dedicar esforços a ir vendo novas possibilidades de criar fendas e ir rachando o que nom vale”.
Em junho de 2015 fará publica a sua dissolviçom Nós-UP. Já com alguns anos de perspetiva, Maurício Castro explica que “chegou um momento em que a entrega militante e o voluntarismo servia para continuar auto-reproduzindo-nos, mas como projeto estratégico de crescimento do nosso programa político era insuficiente. Chegou um momento em que a militância considerou que havia que tentar outras vias”. Desta militância “houvo gente que foi para outras organizaçons, quem ficou no ativismo do movimento popular, houvo quem foi para a casa…”, salienta Castro, quem assegura que “há uns anos que desapareceu Nós-UP, mas os problemas que arrastou continuam arrastando-se por parte do independentismo organizado. Da dissolviçom de 2015 nasce também a organizaçom Agora Galiza, que nucleia as integrantes disconformes com a desapariçom de Nós-UP e que continuavam afins à Primeira Linha.
Quando o nacionalismo esgaça em 2012, as iniciativas eleitorais resultantes com certo discurso soberanista vam absorver algumhas militâncias do independentismo
Por outra banda, em 2014 reconstituia-se Causa Galiza como organizaçom política, após a sua primeira fase como plataforma polo direito à autodeterminaçom. Assim, Causa Galiza recolhe umha parte da militância herdeira da denominada “linha histórica” do independentismo, mas pouco depois do seu renascimento terá que enfrentar a ‘Operaçom Jaro’ decretada pola Audiência Nacional, que suporá a suspensom das suas atividades durante mais de um ano. Após quase quatro anos de instruçom judicial, Causa Galiza vem de anunciar a retirada do cargo de ‘integraçom em banda armada’, polo que as nove militantes detidas na operaçom se enfrentarám só à acusaçom de ‘enaltecimento do terrorismo’.
Refletindo no passado
Toda esta situaçom semelha um momento de transiçom, em que as fórmulas organizativas da passada década já nom som representativas do agir político e das sensibilidades atuais. “Enquanto houvo organizaçons partidárias mais grandes, e em que eu estivem, sempre me pareceu que estavam hipertrofiadas, que desenvolviam um protagonismo excessivo e absorviam demasiadas energias da militância e que, se calhar, nom eram necessárias. Que o importante era construir o tecido social independentista, a nível sectorial e desde outro tipo de colectivos. E continuo a pensar isso, mas é mui difícil manter compatada a massa independentista se nom há referentes políticos”, reflete Beatriz Bieites.
Pola sua banda, Mónica Devesa, ex-militante das Mulheres Nacionalistas Galegas (MNG), intui que “independentemente dos conteúdos de cada organizaçom, existem umhas dinâmicas por baixo, geradas há muitos anos que fazem com que a tendencia seja a divisom e o fracionamento, em vez de a uniom”. Devesa acrescenta que “estas dinâmicas som dadas numha sociedade patriarcal que este, e qualquer movimento, reproduz”.
Sobre a falta de um projeto político forte arredor da reivindicaçom independentista, Maria Bagaria fai um apelo “a fazer repasso da memória coletiva e ver como era o panorama quando a queda do projeto independentista dos anos 80. Também penso que nesta última jeira conseguimos impregnar com boa parte do nosso discurso a umha parte mui importante do nacionalismo, e isto é umha grande vitória”. “Estamos num momento de trânsito, tecendo entre o velho e o novo”, conclui Bagaria.

Fim do ciclo da violência política
A resistência cultural, a resistência económica, a resistência estritamente política e a resistência ilegal, num sentido amplo, som todas pertinentes e necessárias”, esta era umha das afirmaçons do primeiro manifesto da resistência galega, publicado em julho de 2005 numha web de mídia independente brasileira. Este manifesto expunha umha nova fase na utilizaçom da violência política no seio do independentismo num século XXI em que já se desbotava a estratégia político-militar da década de 80 e 90 em que se inseria o EGPGC. Assim, este manifesto expunha a nova praxe da violência política na Galiza: “Na nova resistência galega ilegal há lugar para tod@s, para todas as modalidades de intervençom e todas as variáveis organizativas, sempre e quando forem respeitados os interesses e a saúde do povo trabalhador galego”.
Assim, dentro da resistência galega estariam os ataques incendiários contra sedes bancárias, infraestruturas do exército espanhol ou partidos políticos que se vinham realizando de forma anónima nos anos anteriores. Pouco depois da publicaçom do manifesto, na véspera do dia da Pátria de 2005 estourava um artefacto explosivo numha sé de Caixa Galicia, da qual resultariam detidas e encarceradas as militantes da AMI Ugio Caamanho e Giana Rodrigues. Desde esse ano até 2014, ano em que se regista a explosom dum artefato no Concelho de Baralha, tivérom lugar mais de sessenta açons com artefatos explosivos ou incendiários contra imobiliárias, escritórios do INEM, entidades bancárias ou sés do PP e do PSOE.
Em outubro de 2011 fazia-se público o segundo manifesto da resistência galega. Nesta ocasiom define-se a resistência galega como “braço armado do povo” e assegura-se que “o independentismo galego nunca estivo tam forte como quando soubo compaginar inteligentemente todas as frentes de luita e articular um amplo leque de respostas”. No seu último parágrafo manifesta-se que “a resistência galega continuará os ataques armados contra interesses do conglomerado de ocupaçom”. Nos seguintes juízos na Audiência Nacional em que se ditaminará a existência de umha banda armada na Galiza, este documento será um dos indícios que fundamentem a resoluçom.
Após o artefacto de Baralha nom se tenhem registado mais ataques reivindicados ou atribuídos à resistência galega. Porém, em 2015 e 2016 eram publicados em internet os exemplares d’A Guerrilheira, umha publicaçom que se definia como ‘Voz da resistência galega’. No seu segundo número conta com umha cronologia dos ataques da resistência desde o ano 2002.
Mais de vinte militantes independentistas passárom polo cárcere em diferentes operaçons contra a resistência galega. Desde 2013, ano em que se ressolve na Audiência Nacional a existência dumha banda armada com o nome de ‘Resistência Galega’, as penas de prisom aumentam. Isto afetou também à contorna social, com as operaçons Jaro I e Jaro II, a primeira contra nove militantes de Causa Galiza em 2015 e a segunda contra três ativistas do organismo anti-repressivo Ceivar em 2017.
As recentes detençons de quatro independentistas na denominada operaçom Lusista parece pôr o feche a um ciclo de violência política ao encerrar ‑junto com Miguel Garcia e Xanma Sanches- a Asun Losada Camba e Antom Garcia Matos, militantes independentistas que se encontravam na clandestinidade desde 2006. Neste momento estám em prisom derivadas das detençons ligadas à resistência nove pessoas: Eduardo Vigo, Teto Fialhega, Raul Agulheiro, Carlos Calvo, Hadriam Mosqueira, Miguel Garcia, Xanma Sanches, Asun Losada e Antom Garcia Matos.