O Jacobéu 2021 será o primeiro que conviverá com o auge das plataformas on-line de aluguer e as vivendas de uso turístico desreguladas, assim como com um centro histórico de Compostela em processo de turistificaçom. Os efeitos do turismo massivo e mercantilizado estám a constranger a cidade, da expulsom de populaçom do cidade velha até as dificuldades no saneamento das águas. Neste contexto, o impacto do Jacobéu 2021 na cidade pode ser especialmente grave.
As mudanças nas ruas do centro histórico de Compostela mostram uma cidade cada vez mais dirigida para as turistas. À progressiva desapariçom do comércio de proximidade junta-se o fenómeno das vivendas turísticas ilegais, cuja rentabilidade é mais atrativa para as proprietárias do que o aluguer tradicional. “Praticamente o 50% da superfície dedicada a vivenda no centro histórico está destinada a uso turístico, sejam hotéis ou por turismo desregulado”, expóm o arquiteto Xosé Allegue, citando os dados do relatório sobre vivenda de uso turístico que realizou o concelho de Compostela no ano passado.
Nom é esta a única realidade da cidade que Allegue considera preocupante, pois aponta também para o forte desequilíbrio entre setores económicos que existe nesta cidade. Em Compostela, o turismo representa 23% do PIB local, enquanto o setor terciário no seu conjunto atinge 78%. Ao setor primário corresponde-lhe um 2,2% e o industrial reúne apenas 20%. Allegue alerta para o facto de “esse desequilíbrio económico gerar emprego precário, irregular, desemprego… assim como sociedades injustas e empobrecidas. Haveria que trabalhar nesse reequilíbrio dos setores económicos. Aí o rural conforma umha magnífica oportunidade nesse processo de modificaçom dos padrons dominantes de ocupaçom do espaço”.
Em Compostela há um forte desequilíbrio entre setores económicos: o turismo representa 23% do PIB local
Porém, nom semelha que esse reequilíbrio dos setores económicos desejado por Allegue seja umha das apostas das administraçons local e autonómica para o futuro próximo: o Jacobéu 2021 encontra-se às portas e a publicidade institucional tam só procura o objetivo de atrair para Compostela umha quantidade histórica de visitantes.
Impactos
“O turismo é umha atividade que beneficia umha pequena percentagem da populaçom, em torno de 1%, mas cujos impatcos som compensados através da açom pública por umha fiscalidade sustentada polo outro 99% da populaçom”, expóm Allegue. Entre as beneficiadas encontrariam-se os grandes hoteis ou as grandes agências fornecedoras de serviços turísticos.
Xosé Allegue: “O turismo é umha atividade que beneficia umha pequena percentagem da populaçom, em torno de 1%, mas cujos impactos som compensados através da açom pública por umha fiscalidade sustentada polo outro 99%”
Allegue tem analisado quais som os principais impactos da atividade turística desregulada nos cascos históricos. “A atividade hoteleira intensiva gera problemas de demanda grande de água potável, de grande procura de evacuaçom de águas sujas. Na hotelaria, especialmente o problema som as gorduras, pois as gorduras saturam o saneamento e obriga a desentupir, obriga a gastar em manter a pressom de água; e também gera resíduos que som difíceis de gerir através do sistema de recolha de resíduos sólidos urbanos”, afirma Allegue, alertando para o forte impacto ambiental do turismo massivo.
Direito à cidade histórica
Este arquiteto trabalha nas suas palestras e análises o conceito de ‘direito à cidade histórica’. Este conceito tem origem no ‘direito à cidade’ proclamado em 1967 polo filósofo marxista Henri Lefebvre, que recolheria o direito da classe operária a umha vida urbana plena afastada da mercantilizaçom.
“Se aplicamos à cidade histórica”, reflete Allegue, “falamos da satisfaçom de umhas necessidades básicas da cidadania que se podem considerar direitos mesmo do ponto de vista da legislaçom espanhola, como é o direito à vivenda, ao meio ambiente, a um ar e umha água saudáveis ou a umha boa gestom dos resíduos. O direito a umha cidade habitada, nom umha cidade vazia ou um ghetto turístico”.
Especulaçom com a vivenda
Durante a conversa, Allegue alerta de que “nom é o mesmo manter a funçom residencial do que manter a populaçom originária”, pois atrás dessa “funçom residencial” pode verificar-se um processo de expulsom de populaçom originária e de entrada de gente com maior nível aquisitivo, o que está a chamar-se ‘gentrificaçom’. Este arquiteto denuncia também o que dá em chamar “reabilitaçom especulativa subvencionada”. “Isto significa”, acrescenta, “que nom há um controlo sobre o destino dos quartos públicos que vam para reabilitaçom de vivendas, que aqui em Santiago levamos vinte e seis anos a fazer e injetando, em média, 8 milhons por ano, polo que levamos mais de 200 milhons de euros investidos”. Allegue denuncia que, ao nom existir controlo, esses investimentos públicos favoreceram que muitas proprietárias tivessem subido o preço dos alugueres para depois, com a chegada da vaga turistificadora, colocá-los em plataformas de aluguer turístico ‘on-line’, operando no mercado de jeito desregulado. “A vivenda reabilitada está agora ao serviço dos interesses turísticos”, garante Allegue.
Jacobeu: identidade e ideologia
Já o geógrafo e professor da Universidade de Santiago de Compostela, Rubén Lois, coloca a tónica no Caminho de Santiago, nascido em 1993 durante o fraguismo, como construto ideológico. “O Jacobeu é a exaltaçom do estatuto autonómico da Galiza e do governo conservador da autonomia”, salienta. Assim, o Jacobéu cria umha identidade galega nom conflitiva com o Estado espanhol, vinculado‑a com o mito do apóstolo Santiago. Este construto, segundo indica Lois, mesmo também puido ter-se aproveitado da mitificaçom de Compostela que véu realizando em diferentes etapas da sua trajetória o nacionalismo galego.
“É evidente que a Galiza autonómica utiliza o Jacobéu”, salienta Lois. No referente ao de 2021, “o governo de Feijóo sabe que meter um excesso de despesa na promoçom de um Jacobéu quando tem umhas eleiçons para o próximo ano lhe favorece”, expóm. Lois salienta que o Jacobéu é um modelo que nom conta com umha oposiçom política no arco parlamentar e que o que está a fazer a Junta nada mais é do que “esbanjar dinheiro público, algo do que sempre gostou o PP desde a era de Fraga, numha melhoria de imagem patrimonial numhas vésperas eleitorais”.
Rubén Lois: “O Jacobeu é a exaltaçom do estatuto autonómico da Galiza e do governo conservador da autonomia”
Lois acha que “o 2021 vai fazer o mesmo que os anteriores, meter dinheiro da comunidade autónoma numha promoçom turística para o mercado espanhol”. Este professor também alerta sobre os efeitos que pode trazer um evento como o Jacobeu 2021. “Estou a favor do turismo, mas nom pode ser que destroce o património e identidade de todas, e estamos ao limite. O 2021 pode gerar uns impactos de turistificaçom irrecuperáveis”, reflete. Lois sente-se preocupado por dous aspetos: um é a expulsom de populaçom do centro histórico para o estabelecimento de classes abastadas e outro é a concentraçom do turismo arredor da catedral. Também se mostra crítico com a banalizaçom que sofreu a identidade de Compostela no seu processo de transformaçom num destino turístico.
Marca internacional
A preocupaçom polo futuro de Compostela em relaçom ao turismo é partilhada polo ex-concelheiro de espaços cidadáns durante o governo de Compostela Aberta, Jorge Duarte. Neste assunto, Duarte mostra-se taxativo: “A marca Santiago já nom é algo que nós controlemos, vai estar a atrair gente para sempre. O que podemos é ativar políticas para evitar que esta seja umha cidade unicamente turística”. Com a ‘marca Santiago’, Duarte refere-se aos esforços realizados pola Junta da Galiza para dar a conhecer o Caminho a nível internacional, ou mesmo a fenómenos como o filme The Way ou o escritor Paulo Coelho a falar das suas experiências na peregrinagem para Compostela. Assim, Duarte mostra-se preocupado com que se esteja a realizar publicidade para atrair peregrinos e turistas, “parece-me um erro a médio prazo”, expressa.
O ex-concelheiro reflete também em como afetará a nível urbanístico o Jacobeu à cidade. “Se se fai pola mao do concelho, tendo em conta as necessidades da cidade, pode ser positivo”, pensa Duarte. Refere-se às obras programadas pola Junta que se realizarám na entrada dos caminhos na cidade de Compostela, umhas obras ‑sobre todo as da área dos Concheiros e Sam Pedro- com as que coletivos vizinhais tenhem mostrado a sua oposiçom por nom terem contado com eles para o seu desenho e por ver nas mesmas um ataque, em jeito de invasom turística, ao bairro. Duarte diz compreender os temores vizinhais, mas também vê nesta intervençom a possibilidade de rematar com umha ‘barreira’ na rua Rodríguez de Viguri e acha que “o problema da turistificaçom da cidade é maior do que umha obra”.
Jorge Duarte “A marca Santiago já nom é algo que se controle desde o Concelho, vai estar a atrair gente para sempre.”
Porém, mostra-se crítico com como estám a ser as obras promovidas pola Junta, através do Turismo da Galiza, para a recuperaçom e uniformizaçom dos caminhos de peregrinagem para Compostela. Salienta o caso do caminho português, que entra polo Milhadoiro para depois atravessar a Rocha. “Era um caminho de metro e meio, em que encontravas arvorado e vegetaçom abundante. Turismo fixo um programa para melhorar os caminhos, e com essa obra ampliam-se a três metros de largura. O problema da coordenaçom entre as administraçons é que se lhe dixo a Turismo e acordou-se que nom fazer essa intervençom, mas apesar desse acordo fixo-se, sem nengum critério de conservaçom”, denuncia Duarte.
“Temos exemplos de cidades em que o turismo é um grave problema. Ainda que nom fagamos nada, vamos ter este problema de sobredimensionamento do turismo, temos que tomar medidas que permitam regular e ordenar algo que, se nom, pode rematar com a cidade”, expóm o ex-concelheiro.