As notícias dos últimos meses davam conta dos múltiplos impactos do Caminho de Santiago em Compostela, com destaque para os problemas de acesso à vivenda, subida dos alugueres e dos preços, saturaçom e uniformizaçom de espaços da cidade… Torna-se necessário, no entanto, pensar nas consequências (plurais) deste fenómeno tamém em áreas rurais e, no geral, abrir os olhos para todo o que o Xacobeo 2021 pode representar para a Galiza contemporânea.
Entre os materiais expostos na recentemente inaugurada Casa Museu Álvaro Cunqueiro em Mondonhedo, a temática do Jacobeu ocupa um lugar importante. A peregrinaçom é tamém o assunto central dumha exposiçom fotográfica em exibiçom no Centro Galego de Arte Contemporânea em Compostela. Estas duas coordenadas permitem evidenciar a centralidade que a matéria do Caminho tem na planificaçom cultural da Junta da Galiza. As açons de reabilitaçom patrimonial e as iniciativas culturais ocupam um lugar destacado nas linhas de atuaçom previstas dentro do “Plan Estratéxico do Xacobeo 2021”, aprovado polo governo galego em meados de 2019 e dotado de 247 milhos de euros para o período 2019–2022. Articulado em torno da Conselharia de Cultura e Turismo, mas com implicaçons tamém noutras conselharias, este plano contempla igualmente importantes benefícios fiscais para as empresas que colaborem nesta iniciativa mediante donativos ou publicidade. Todo isto cria umha rede porosa que se infiltra em quase qualquer área da realidade galega: está previsto que, através dum programa extenso de ajudas, o Jacobeu seja o elemento aglutinante de múltiplas iniciativas no âmbito artístico, patrimonial, desportivo, social ou científico durante os próximos meses.
O “Plan Estratéxico do Xacobeo 2021” contempla importantes benefícios fiscais para as empresas que colaborem nesta iniciativa mediante donativos ou publicidade.
Para percebermos com toda a sua complexidade este processo devemos lê-lo à luz das tendências atuais que combinam economia, turismo e açom cultural. O conhecido como capitalismo pós-fordista consagra cada vez mais a importância da cultura e da propriedade intelectual face à progressiva desapariçom da produçom material, especialmente no mundo ocidental (embora com diferentes intensidades). De forma paralela, surgem dinámicas de promoçom da imagem (da cidade, do país) – as “marcas”, nesta linguagem – que aproveitam a criaçom de identidades distintivas para fomentar internacionalmente umha localizaçom a fim de fazê-la reconhecida e atrair investimentos económicos ou humanos (na forma de turistas ou de futuros habitantes). (Umha estratégia, aliás, ativada com grande sucesso pola Catalunha nos últimos anos através, por exemplo, da sua presença destacada em vários eventos culturais de prestígio internacional).
O Xacobeo 2021 deve ser interpretado dentro destas coordenadas mas surgem alguns paradoxos que evidenciam os modos de atuaçom do governo de Núñez Feijoo. Vemos como um modelo destinado principalmente ao circuito das relaçons internacionais é empregue de modo sistemático para o território próprio, substituindo muitas das atuaçons políticas necessárias por umha campanha publicitária constante. Pior ainda: a uniformizaçom dos discursos e das práticas sobre a Galiza contemporânea, obrigadas a ser jacobeias ou a nom ser.