Existe em Direito Processual um princípio fundamental: o de publicidade. Significa que com caráter geral os juízos devem ser abertos ao público. Nom é mais que umha garantia frente ao exercício desmesurado do poder por parte do Estado. Ali onde ninguém observa, é muito mais fácil o excesso. Isto manejava‑o mui bem a Inquisiçom nos seus tempos: o processo era secreto até a emissom da condena.
Que um juízo seja público implica que qualquer pessoa o pode presenciar. Contodo, até aqui existem diferenças entre democracias. Contou-me um amigo alemám que no seu país se pode entrar na sala de vistas a qualquer momento. No Reino de Espanha o auxiliar judicial chama o público justo antes de cada audiência, após ordem do juiz ou da juíza. Em qualquer dos casos: o importante é que qualquer pessoa pode presenciar umha audiência, até as organizaçons polos direitos civis.
Ali onde ninguém observa, é muito mais fácil o excesso. Isto manejava‑o mui bem a Inquisiçom nos seus tempos: o processo era secreto até a emissom da condena.
Tenho assistido a uns quantos juízos, como observador para Esculca. O mais renomeado é o do procés catalám. Porém, hoje quero falar doutro assunto, até certo ponto desconhecido, que tivo lugar meses antes daquele. Foi na Corunha e o acusado era o que costumamos conhecer como um “preso comum”, em contraposiçom aos presos políticos. Embora, como reivindicava a COPEL, os presos – e as presas – comuns tamém som presos políticos.
O acusado era de longe, mas levava anos na Galiza. Ainda nom chegara aos cincuenta anos, mas aparentava uns quantos mais, devido com certeza a umha antiga adiçom. Era fraco, até descarnado, um tanto desalinhado no vestir, mas extremamente cortês. O seu olhar taciturno, que assomava por cima duns óculos caídos – estava algemado e nom podia subi-los por si próprio –, transmitia inocência. Talvez nom a inocência dum delito concreto, mas sim inocência frente a um percurso vital cru, áspero, injusto. Fiquei surpreendido ao saber que entrara na prisom mui novinho, por um pequeno furto, mas que desde aquela passara muito mais tempo do outro lado das grades que em liberdade. Como ele, houvo milhares com a mesma expetativa vital nom há tantos anos, quando os opiáceos devastárom geraçons inteiras que desaparecérom em silêncio nas prisons onde já nom rege a publicidade.
O objeto do juízo era um atentado à autoridade: vários funcionários de prisons alegavam terem sido agredidos polo acusado. Quando começou o juízo, a auxiliar esqueceu chamar o público. Mas finalmente entrámos. Como era de esperar, a sentença foi de condena. Mais umha. Apesar de todo, soubem que o nosso amigo tinha umha razom para a esperança: após dúzias de tentativas falidas, o julgado de instruçom de Betanços aceitara a trâmite umha denúncia do preso por ter recebido maus tratos. Um amigo seu – um rapaz estremenho, mui novo, ativista contra a prisom – dixo-me que aqueles dias estava contente, apesar de todo.
Escreveu Harper Lee em “Matar um rouxinol” que em Alabama só as crianças choram quando o sistema penal comete umha injustiça contra um negro. Talvez deveríamos perguntar-nos quem é que chora hoje e aqui.
O dia em que devia declarar nom puido ir até Betanços: as autoridades decidiram nom translada-lo e no julgado de Betanços agendárom outro dia. Pouco antes da data, o amigo falou com ele ao telefone: continuava feliz, sentia que por fim se ia fazer justiça, e o ambiente na prisom melhorava por vezes. Aquela noite morreu só na sua cela. As autoridades da prisom falárom numha emboscada para agredir os funcionários, mas nom descartavam o suicídio. Em Betanços a causa foi arquivada.
Escreveu Harper Lee em Matar um rouxinol que em Alabama só as crianças choram quando o sistema penal comete umha injustiça contra um negro. Talvez deveríamos perguntar-nos quem é que chora hoje e aqui.