
Achegamo-nos a alguns dos pontos mais problemáticos da nossa rede ferroviária, umha infraestrutura crucial para o desenvolvimento económico e social da Galiza. Há quase 150 anos que a Galiza estreou o seu primeiro caminho de ferro com a apertura em 1873 da linha que ligava Carril e Cornes. O “Cristo dos tempos modernos”, que celebrava um entusiasmado Curros, foi saudado no século XIX como símbolo de progresso económico e social. Hoje, pensar o comboio é, como entom, pensar o futuro. Mas para projetar redes ferroviárias que contribuam a vertebrar o território galego e permitam umha mobilidade verdadeiramente sustentável, devemos antes diagnosticar as suas principais fraquezas e aprendermos dos erros de umha história cheia de obstáculos.
Com a nacionalizaçom do transporte ferroviário e o nascimento da Renfe em 1941, o centro de decisom sobre o comboio fixa-se em Madrid, desenvolvendo-se prioritariamente umha rede radial em que se fai patente um dos problemas constantes do caminho de ferro galego: o centralismo do Estado espanhol à hora do seu desenho e construçom e a importância excessiva outorgada às ligaçons com a sua capital perante outras linhas muito mais pertinentes geográfica e economicamente.
Essa tendência a pensar que boa parte das melhoras na nossa rede devem conduzir-nos a chegar mais rápido a Madrid está por trás de outra das teimas que lastram o nosso caminho de ferro: a construçom da linha de AVE à Meseta, protagonista do debate mediático com a sua sucessom de promessas, adiamentos e inauguraçons.
O feche ou reduçom da atividade de muitas pequenas estaçons é outro dos fenómenos que caraterizou o desenvolvimento do caminho de ferro galego nos últimos anos. Rejeitadas por prolongar os tempos dos trajetos, muitas destas paragens eram fundamentais para ligar pequenos núcleos com cidades e vilas e a sua dessapariçom supom um duro golpe para estes lugares, muitas vezes afetados pola perda e envelhecimento da sua populaçom.
Algumhas destas estaçons pertenciam à antiga linha entre Ponte Vedra e Compostela, desdobrada para a construçom da linha do Eixo Atlântico. Desde a plataforma “Salva o Trem” reivindicárom durante anos a supervivência da estaçom de Portas e o aproveitamento das vias velhas para um comboio de proximidade. Com a abertura o passado verao da Via Verde que discorre pelo seu traçado, rematava simbolicamente a sua luita sem que as administraçons atendessem nengumha das duas demandas. O seu trabalho em favor do trem é só um exemplo entre as muitas plataformas que por todo o território galego estám a defender um modelo diferente.
A odisseia Corunha-Ferrol
Mais de umha hora (quase hora e meia no caso do trajeto mais lento) demora viajar em comboio entre Corunha e Ferrol, praticamente o mesmo tempo em que é possível fazer o percurso Corunha-Vigo. Com mais de um século —inaugurou-se em 1913— sem fazer nela investimentos significativos, esta é talvez a linha mais obsoleta da Galiza e um dos pontos críticos da nossa infraestrutura ferroviária.
Da “Plataforma em Defesa do Trem Corunha e As Marinhas” levam anos a lutar pola modernizaçom desta linha e por um modelo ferroviário que contribua realmente a vertebrar umha área em que vivem mais de meio milhom de pessoas. “Exigimos a modernizaçom desse traçado ferroviário nas mesmas condiçons que se fijo no Eixo Atlântico, dando-lhe continuidade até Ferrol, eletrificando a linha, aumentando as frequências e duplicando as vias para permitir cruzamentos”, assim resumem na plataforma as suas reivindicaçons.
A reduçom do tempo e a ampliaçom da frequência das viagens nom é o único que reclamam. Na plataforma defendem um modelo de comboio que ofereça umha verdadeira alternativa ao carro: “umha rede de proximidade que permitisse descongestionar o trânsito que tem a Corunha”. Com apeadeiros em lugares como o Palexco, Sam Diego, Os Castros, Pocomaco ou a refinaria, continuando até Arteijo e o porto exterior e habilitando estacionamentos dissuasórios, a sua proposta é a de umha circumvalaçom que haveria melhorar substancialmente a mobilidade na cidade. “Que as pessoas poidam estacionar e ir para o seu trabalho no comboio, que nom tem engarrafamentos e é pontual”, explicam.

Os problemas do veterano Feve
Também Ferrol é estaçom terminal doutra das linhas mais desatendidas da nossa rede: o caminho de ferro de bitola métrica (via estreita) que discorre entre esta cidade e Riba d’Eu, continuando pola Cornija Cantábrica até a fronteira francesa. Explorada pola empresa pública Feve até o ano 2013, quando por causa do processo de liberalizaçom imposto desde a Uniom Europeia, a infraestrutura da linha foi transferida à Adif e os serviços à Renfe Operadora. Atualmente presta serviço de viajantes de proximidade entre Ferrol e Ortigueira, regional Ferrol-Riba d’Eu, a conexom com as Astúrias e alguns serviços de mercadorias. É um caminho de ferro nom eletrificado e de via única.
Há um ano, em fevereiro de 2020, a “Plataforma pola Defesa do Caminho de Ferro Ferrol-Riba d’Eu” publicava um informe em que recolhia as necessidades da linha e apontava propostas de melhora. Neste trabalho, assinalam como problemas principais as deficiências no mantimento da infraestrutura, que obrigam ao estabelecimento de limitaçons temporais da velocidade, e as frequentes avarias, que implicam a supressom de numerosos serviços.
O feche ou reduçom da atividade de muitas pequenas estaçons é um dos fenómenos que caraterizou o desenvolvimento do caminho de ferro nos últimos anos
“O futuro da linha passa por que os poderes públicos entendam que este é um comboio rural de proximidade e tenham em conta a populaçom à que tem que prestar serviço. Por Europa há caminhos de ferro de bitola métrica que funcionam dotando-se de pessoal suficiente, mantendo a infraestrutura e com unidades que nom avariem”, explicam desde a plataforma. Apostam polo potencial do Feve para fixar populaçom no norte da Galiza, umha área com sérias carências em algumhas estradas e sem boas alternativas de transporte coletivo.
Para isto, consideram necessária umha condiçom: a transferência da competência do serviço à Junta da Galiza. “Está a ver-se que é impossível consegui-lo com umha empresa pública do Estado espanhol”, lamentam.
Lugo, na periferia da rede
Longe do eixo Corunha-Vigo e dos traçados da alta velocidade, Lugo tem as ligaçons por comboio mais escassas de entre as cidades galegas, com umha oferta para viajantes limitada a uns poucos comboios diários com direçons à Corunha e Monforte a baixa velocidade. Atualmente, conta também com um Alvia diário que a comunica com Madrid. Em 2014 e com o apoio numerosos e diversos coletivos, constituía-se a plataforma “Lugo, nom perdas o trem”, com o objetivo de reclamar a recuperaçom e ampliaçom dos serviços ferroviários dos que dispom a cidade.
O seu porta-voz, José Manuel Carballo, explica que entre as suas reivindicaçons estám questons como a necessidade de equilibrar os investimentos entre a zona atlântica e o interior, conetar com Europa através do Corredor Atlântico de mercadorias, conseguir um trajeto Lugo-Ourense competitivo ou a criaçom de umha empresa ferroviária galega gerida pola Junta, “para dar os serviços que nom vai dar a Renfe”.
Um destes serviços seria, di Carballo, a conexom Lugo-Compostela e a abertura de umha linha Compostela-Lugo-costa de Lugo. Para resolver esta carência de ligaçom entre Lugo e a capital galega, o BNG apresentou o passado mês de novembro umha emenda aos Orçamentos Gerais do Estado em que expunha a sua proposta: ligar as paradas de Curtis e Ordes para criar um trajeto direto com umha obra de 27 quilómetros.
Monforte, história do comboio galego
“O que acontece em Monforte é um fiel reflexo do que passa em algumhas estaçons que no seu dia fôrom grandes, como Miranda de Ebro ou Venta de Banhos: hoje sustenta-se no trânsito de mercadorias”, explicam desde a plataforma “Neste trem cabemos todxs”, nascida em setembro de 2018 para “defender o transporte e as comunicaçons na comarca de Lemos e no sul de Lugo”.
A cidade do Cabe foi historicamente um dos principais nós ferroviários da Galiza. Ligada desde o século XIX ao comboio, os momentos de apogeu e declive da sua história recente som paralelos aos da sua estaçom. “Arredor de cem famílias devem de viver atualmente do caminho de ferro”, calculam na plataforma, mas “chegou a haver mil ferroviários” em Monforte.
Respeito ao transporte de passageiras, hoje “há poucas e más frequências. A estratégia da Renfe foi pôr horários pouco atrativos para que a gente nom viaje e poder justificar assim a supressom dos serviços”, lamentam. “Um trem que circulava mui bem era o que utilizavam os estudantes, que saia cedo de Monforte, chegava numha hora a Ourense e daí enlaçava com Santiago e A Corunha. Deixou de circular e nunca voltou”.
Os efeitos do coronavírus
O comboio nom é alheio às consequências da situaçom de pandemia que estamos a viver. Por umha parte, o medo ao contágio favorece o uso do veículo privado para os deslocamentos. Por outra, a reduçom de frequências aplicada com o confinamento nom acaba de reverter-se em muitas linhas, deixando a sensaçom de que a Renfe está a aplicar umha sorte de doutrina do choque para reduzir e mesmo fechar os serviços de algumhas das linhas menos rendíveis economicamente.
A reduçom de frequências aplicada com o confinamento nom acaba de reverter-se em muitas linhas, deixando a sensaçom de que a Renfe está a aplicar umha sorte de doutrina do choque
“Para além da reduçom lógica nos primeiros tempos da pandemia, Renfe aproveitou para suprimir os serviços que denomina deficitários. Assim, deixárom de circular os comboios noturnos que comunicavam com Madrid e Barcelona e as conexons com o País Basco, que, segundo anunciam, farám-se com ligaçons diferentes aproveitando a conexão diurna com Catalunha”, explica o coordenador o setor ferroviário do sindicato CGT Galiza, Ángel Valladares. “Além disto, seguem sem circular o cento por cento dos já poucos trens denominados como de obriga de serviço público que unem as povoaçons do interior e da costa norte”, acrescenta.
O Feve é um dos casos mais preocupantes. Como explicam desde a plataforma para a defesa desta linha, “desde o estado de alarme de março suprimírom o 75% dos serviços da linha Ferrol-Riba d’Eu e mermárom muitíssimo os comboios e proximidade Ferrol-Ortigueira”. Fica um serviço praticamente “inútil” para a populaçom. Mais umha vez, a pescadinha de rabo na boca que padece o comboio: o deterioro do serviço conduz ao seu abandono por parte das usuárias, e justifica-se assim a sua reduçom ou feche.
Transporte de mercadorias: o outro comboio

O transporte de mercadorias fica geralmente num segundo plano nos debates sobre os desafios e possibilidades do trem. No entanto, a sua potencialidade para retirar trânsito pesado das estradas e oferecer umha alternativa económica e ecologicamente sustentável —especialmente quando circula por vias eletrificadas— fam dele um elemento central na planificaçom e melhora dos serviços ferroviários.
Hoje, a utilizaçom do comboio com esta finalidade é mui escassa na Galiza, com umha percentagem mui baixa de mercadorias que se movem através deste meio. Reduzido a um papel testemunhal (Sogama, alguns graneis, madeira…), o comboio de mercadorias deveria melhorar as suas ligaçons aos principais portos, plataformas logísticas e parques empresariais para resultar competitivo.
Este transporte conta com a potencialidade de oferecer umha alternativa económica e ecologicamente sustentável
O futuro das linhas galegas de mercadorias também passa em boa parte pola sua incorporaçom ao conhecido como Corredor Atlântico, que na atualidade permite a saída de carregamentos de vários portos portugueses cara à Meseta para continuar até o oeste e norte de França e Alemanha, onde se conecta a outros grandes corredores europeus. O Eixo Atlântico, a associaçom de municípios que reúne 35 cidades de Galiza e Portugal para defender os seus interesses diante das instituçons europeias, fijo do desenvolvimento desta infraestrutura umha das suas principais reivindicaçons.
No seu informe ‘Elementos para a redaçom de um Plano Diretor do Corredor Atlântico’, elaborado polo professor da UDC Miguel Rodríguez Bugarín e apresentado o passado mês de novembro, aposta em estender a interoperabilidade das infraestruturas a toda a fachada atlântica galega. Para isso seria necessário modernizar as linhas existentes com atuaçons como a eletrificaçom, a adaptaçom à circulaçom de trens mais longos e pesados, a melhora da velocidade mínima ou a instalaçom do sistema de segurança ERTMS, entre outras medidas. Assim, a linha Sines-Setúbal- Lisboa-Aveiro-Leixões prolongaria-se até à Corunha, permitindo um movimento mais ágil de mercadorias entre Galiza e Portugal e com o resto de Europa. Mas é preciso apressurar-nos se nom queremos perder outro comboio: o do financiamento com fundos da UE.
Precarizaçom e perda de empregos no setor

O processo de liberalizaçom ferroviária promovido desde Europa avança imparável e no Estado espanhol várias empresas começarám a operar linhas de alta velocidade ao longo deste e os próximos anos. Com a liberalizaçom dos serviços, nom só podem ver-se ameaçadas as linhas que ofereçam menos rendibilidade económica, também pode ver-se afetado o emprego no setor ferroviário, que já vem sofrendo nos últimos anos de importantes cortes e precarizaçom.
“A gestom do pessoal no âmbito ferroviário, ao igual que em todo o setor público, foi de ERTE em ERTE, o que somado à quase nula contrataçom durante muitos anos leva a umha situaçom de pessoal envelhecido e insuficiente para prestar o serviço necessário”, explica Ángel Valladares, coordenador do setor ferroviário da CGT Galiza. “Há anos que estamos perante umha falta de trabalhadores que se tenta parchear com o incremento de carga de trabalho e a contrataçom a empresas externas de serviços que lhes som próprios às empresas matrizes”, denuncia.
Com a liberalizaçom dos serviços pode ver-se afetado o emprego no setor ferroviário, que já vem sofrendo importantes cortes
A subcontrataçom do trabalho a empresas privadas é também umha constante no caso de Adif, encarregada das infraestruturas. “Está a se converter numha empresa que só realiza a gestom, de modo que a tendência é a que os labores de mantimento das suas instalaçons, tanto de vias como de segurança, estám a contratar-se a empresas com pessoal muito menos qualificado, comprometendo a segurança”, explica Valladares.
Para além da precarizaçom laboral, nos últimos anos assistimos a umha perda de pessoal que também repercute na atençom às viajantes, chegando ao ponto de muitas estaçons ficarem sem pessoal para a venda de bilhetes. Valladares lamenta que “além da reduçom da atençom presencial aos usuários nas estaçons, no caso da Renfe estamos a ver umha crescente supressom de comboios por falta de pessoal como maquinistas ou interventores”. De novo, o meio rural e a sua populaçom, envelhecida e necessitada de alternativas de mobilidade, som os mais prejudicados por decisons puramente economicistas.