A década de 60 será um período de profundas mudanças no seio da Igreja Católica. Da mão do idoso papa João XXIII, a Igreja de Roma propõe-se a missão de renovar liturgia, apostar no ecumenismo, e rever a reação ao Modernismo propugnada pelo Concílio Vaticano I, o Concílio Vaticano II (1962–1965) pretende, por fim, aggiornare a Instituição.
Entretanto, a Espanha franquista, implacável na repressão política, enceta a década com uma viragem na sua política económica, o conhecido por Desarrollismo põe o ramo à autarcia prévia, a aposta desenvolvimentista provocará uma multiplicidade de tensões sócio-económicas por trás da nova vaga migratória agora para os países europeus e desde países como o nosso, a Galiza, para os polos de atração económica do Estado, o País Basco e Catalunha.
Sendo uma sociedade em mutação, o conjunto da Igreja Católica galega continuava, no essencial, acomodada no seu espírito reacionário abençoada na sua condição de ganhadora da guerra civil. A cruzada contra os “inimigos de Espanha e da fé” devia mesmo continuar. E se nos determos apenas numa análise quantitativa, a Igreja continuaria, no outono do Franquismo, esmagadoramente fiel ao regime, mas o que é evidente é que nem sequer os eclesiais podiam ficar de fora dos fenómenos que estavam a emergir no conjunto do país: O processo de concentração fabril, a progressiva urbanização e a necessidade de atender os fregueses chegados à cidade, fez com que bispos como o de Mondonhedo-Ferrol, monsenhor Argaya, resolvesse avançar com a criação de novas paróquias urbanas no contorno do principal polo demográfico da diocese, Ferrol. Será nesse contexto de mudança que surja também a primeira cisão na monolítica, até então, estrutura clerical da Igreja franquista na Galiza, o conhecido Grupo de Ferrol, composto por uma dúzia de padres, entre eles o posteriormente secularizado, Xosé Chao Rego, passaram a adotar uma atitude de clara assunção das reivindicações operárias e a participarem do desenvolvimento dos Colegios Regionales de Parroquias. A relativa tolerância e galeguismo de Monsenhor Araújo Iglesias dará azos ao Grupo.
Tanto o caso ferrolao, quanto, por exemplo, o de Vigo com a Misión Obrera, são exemplos da progressiva inserção de elementos da Igreja nos processos de transformação social e económica de umas cidades em pleno crescimento, mas, por terras ourensanas, o processo irá ser a inversa, e sob um clima pastoral condicionado largamente pela atitude ultrareacionária do bispo castelhano, Ángel Temiño Sáiz. Saídos do Seminário Maior de Ourense, Temiño irá cometer um grave erro, para os seus interesses, admitindo a criação, em 1967, de uma equipa sacerdotal que pretenderia trabalhar nas Terras do Ribeiro (paróquias de São Domingos de Ribadávia e São Cristovo de Regodeirão). Desde un primeiro momento, Virxilio Rodríguez Silva, Miguel Fernández Grande e Xosé Bieito Sieiro, propugnarão o sentido de comunidade. Criam um clube parroquial que estará na origem da Associação Cultural Abrente, desde este novo tecido associativo promoverão charla com nomes como Carlos Casares ou Franco Grande, ou peças teatrais e tentarão em repetidas ocasiões darem liturgia em galego encontrando sempre o não de Temiño às suas intenções até tomar a decisão de dissolver o grupo em 14 de julho de 1969.
Os três padres são destacados para paróquias plenamente rurais, Virxilio para Poulo (Ramirás), José Benito Sieiro para Santa Comba (Bande) e Miguel Fernández Grande (Parada de Outeiro). Ao mesmo tempo, um novo grupo sacerdotal, constituído por Evencio Domínguez Lorenzo, Bieto Ledo Cabido e Xosé Ramón Domínguez Vázquez assumem a gestão de cinco paróquias do sureste ourensano, Vilardevós. Temiño talvez julgasse que, quanto menos, lá longe não iriam fazer tanto barulho, mas fizeram, os três de Arzádegos, fizeram, como também fez Camilo Modesto, quem desenvolverá a maior parte do seu período como padre, antes de se secularizar, em Grou (Lóvios). A estes nomes, e para completar o elenco de padres atuantes na contorna do Límia, devemos ainda acrescentar os nomes de Emilio González Graña e Manuel Crespo González.
Com efeito, Temiño e como dissemo, achava que afastar estes padres resolveria a crescente “indisciplina”, mas errou e a influência intocada dos padres como referências para as comunidades serviu, desta, para catalisar um descontentamento crescente explicado pelas mudanças a que os rurais estavam a assistir em comarcas como a Límia ou a Terra de Celanova, a primeira afetada pela inserção nas dinâmicas do mercado, com o parcelamento agrário e a desfeita ambiental do saneamento da Lagoa, e a segunda com os preços da carne e do leite e que fará muitas explorações agrárias desistirem. Os padres multiplicam (e lideram muitas vezes) a sua presença em diferentes iniciativas, dos artigos no jornal La Región denunciando a ineficácia das instituições franquistas, como as Hermandades e os Ayuntamientos, de Camilo Modesto Domínguez, à renovação pedagógica de González Graña nos Miragres de Monte Medo, passando pelo impulso de cooperativas de consumo como Vincallo, já no pós-franquismo, de Miguel Fernández Grande, em Parada de Outeiro.
Os sacerdotes do sureste ourensano, tal como os seus colegas da Terra Chá, contribuirão ainda para a sindicalização democrática das labregas e labregos, serão impulsores do Sindicato Agrario Galego, SAGA, na região
Os sacerdotes do sureste ourensano, tal como os seus colegas da Terra Chá, contribuirão ainda para a sindicalização democrática das labregas e labregos, serão impulsores do Sindicato Agrario Galego, SAGA, na região, tornando esta parte do país aquela com maior representatividade deste sindicato, com mais de 3.000 militantes. O SAGA terá um dos seus centros de operações na casa de Manolo Crespo, crego do Deza (Doção) que, para além, da política sindical avança, como González Graña em Maceda para a política partidária, o primeiro pelo PSG e o segundo pelo BNPG, apresentam-se às eleições municipais, o primeiro saí elegido alcaide até que Temiño o convida a demitir-se em 1985. Também Evencio Domínguez em Verea e Camilo Modesto em Lóvios, como independentes, participarão das eleições e Miguel Fernández Grande apoiará uma lista independente, por sua vez sustentada pelo PSG, em Vilar de Santos.
Em Vilar de Santos (73,67%), Verea (59,40%), Maceda (37,76%) ou Porqueira (27,91%) os apoios a diversas opções independentes, mas galeguistas, e partidárias, PSG e BN-PG são mais do que significativas e terão o denominador comum de estarem, ou diretamente protagonizadas ou apoiadas firmemente por aqueles padres que Temiño convidara a se afastar da sede apostólica. Vários destes concelhos mantiveram um comportamento sócio-eleitoral que tem, em parte neste compromisso sacerdotal, parte da sua explicação em origem.