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Vespas-asiáticas, a globalização ambiental já está aqui

por
carla trin­dade

No pas­sado mês de no­vem­bro um ata­que mas­sivo de ves­pas-asiá­ti­cas (Vespa ve­lu­tina) cau­sava o fa­le­ci­mento de um ho­mem de 54 anos na fre­gue­sia por­ri­nhesa de Budinho. O ho­mem cor­tava uma ma­ci­eira in­cons­ci­ente de que a ár­vore al­ber­gava um ves­peiro. Era a se­gunda ví­tima no nosso país, após a morte em 2015 de um ma­ri­nheiro de Carinho, em con­sequên­cia do cho­que ana­fi­lác­tico pro­vo­cado pela pi­cada de um des­tes in­se­tos. Realmente, não é que o ve­neno des­tas ves­pas seja es­pe­ci­al­mente pe­ri­goso em com­pa­ra­ção com o de ou­tros hi­me­nóp­te­ros, mas es­tas mor­tes e mui­tos ou­tros in­ci­den­tes que têm tido como pro­ta­go­nis­tas as “ve­lu­ti­nas” con­tri­buí­ram para ge­rar en­tre a po­pu­la­ção um alarme so­cial fora do co­mum, mesmo ao ponto de os ser­vi­ços de bom­bei­ros e pro­te­ção ci­vil fi­ca­rem sa­tu­ra­dos pela re­ti­rada de ni­nhos… Mas para além deste medo, nem sem­pre jus­ti­fi­cado, as ves­pas-asiá­ti­cas cons­ti­tuem um imenso pro­blema am­bi­en­tal, pois pre­dam so­bre di­ver­sas es­pé­cies de in­se­tos, sendo um au­tên­tico fla­gelo para po­li­ni­za­do­res au­tóc­to­nes como abe­lhões (Bombus sp.) e abe­lhas (Apis mel­li­fera). Também (e in­fe­liz­mente!) ca­çam ou­tro in­va­sor, o Gonipterus es­cu­tel­la­tus, o gor­gu­lho des­fo­lha­dor dos eucaliptos.

"Em 2004, devido a uma importação por via marítima de bonsais chineses, a espécie aparece pela primeira vez na Europa, em concreto, no oeste da Occitânia"

A vespa-asiá­tica tem uma área de dis­tri­bui­ção na­tu­ral que se es­tende pe­las re­giões tro­pi­cais e sub­tro­pi­cais do qua­drante sul-oci­den­tal da Ásia, do Afeganistão ao ar­qui­pé­lago da Indonésia. Em 2004, de­vido a uma im­por­ta­ção por via ma­rí­tima de bon­sais chi­ne­ses, a es­pé­cie apa­rece pela pri­meira vez na Europa, em con­creto, no oeste da Occitânia. A par­tir desse mo­mento a sua ex­pan­são foi im­pa­rá­vel: Espanha (2010), Bélgica (2011), Itália (2013), Alemanha (2014), Reino Unido (2016), Suíça (2017)… Em 2011 de­te­tou-se nas re­giões ga­le­gas da Marinha e do Baixo Minho, e tam­bém no norte de Portugal. Na atu­a­li­dade, ocupa quase toda a Galiza, com ex­ce­ção de al­gu­mas ser­ras ori­en­tais e do Maciço Central Ourensano.

 

O seu ci­clo bi­o­ló­gico, que no nosso país ainda não é bem co­nhe­cido, só tem sido es­tu­dado em pro­fun­di­dade na França. Na pri­ma­vera uma única rai­nha fe­cun­dada funda o cha­mado ni­nho pri­má­rio e co­meça a pos­tura de ovos. Estes ni­nhos pri­má­rios se­rão subs­ti­tuí­dos em agosto pe­los ni­nhos se­cun­dá­rios, de ta­ma­nho con­si­de­ra­vel­mente maior. Estes ves­pei­ros, que po­dem al­ber­gar cen­te­nas e até mi­lha­res de in­di­ví­duos, são es­tru­tu­ras de forma glo­bu­lar si­tu­a­das fre­quen­te­mente en­tre as ra­mas das ár­vo­res, onde se mi­me­ti­zam, mas tam­bém em cons­tru­ções hu­ma­nas. Como nas abe­lhas, den­tro das co­ló­nias po­de­mos di­fe­ren­ciar a rai­nha ou fê­mea fér­til, as ope­rá­rias ou fê­meas es­té­reis, e os ma­chos. No fim do ou­tono as co­ló­nias bem-su­ce­di­das pro­du­zi­rão múl­ti­plas rai­nhas, ao passo que ma­chos e ope­rá­rias pe­re­ce­rão. Estas no­vas rai­nhas pas­sa­rão o in­verno hi­ber­nando em fen­das, en­tre a casca das ár­vo­res ou na pró­pria terra (des­tarte che­ga­ram à Europa, ocul­tas nos va­sos de bonsais).

O com­bate a esta praga ba­seia-se na re­ti­rada e fu­mi­ga­ção de ves­pei­ros, nos cha­ma­dos “troi­a­nos” (ves­pas-asiá­ti­cas às quais se cola uma carga mor­tal de um po­tente in­se­ti­cida nas cos­tas), no em­prego de har­pas elé­tri­cas para de­fen­der as col­meias ou de ar­ma­di­lhas ca­sei­ras, mais ou me­nos en­ge­nho­sas, como gar­ra­fas de plás­tico cor­ta­das, com a parte su­pe­rior vi­rada ao con­trá­rio e guar­ne­ci­das com um xa­rope que atrai as ves­pas que, uma vez lá den­tro, já não con­se­guem sair. Todos eles mé­to­dos es­cas­sa­mente efi­ca­zes e bas­tante ques­ti­o­ná­veis pelo risco am­bi­en­tal im­pli­cado no uso de subs­tân­cias al­ta­mente tó­xi­cas ou de dis­po­si­ti­vos pouco se­le­ti­vos, que su­põem uma grave ame­aça, p. ex., para a nossa vespa-eu­ro­peia (Vespa cra­bro), es­pé­cie de ta­ma­nho su­pe­rior à asiá­tica e con­si­de­rada be­né­fica para a agricultura.

Danel Solabarrieta

A Associação Galega de Apicultura cal­cula que, só no ano 2016, mor­re­ram ao re­dor de 35% das col­meias ga­le­gas. Devemos re­pa­rar em que as abe­lhas vêm su­por­tando desde há dé­ca­das os ata­ques su­ces­si­vos de ini­mi­gos que nunca an­tes ti­ve­ram que en­fren­tar. Primeiro foi a lo­que ame­ri­cana, cau­sada pela bac­té­ria Paenibacillus lar­vae, de­pois um ácaro ec­to­pa­ra­sita, a var­roa (Varroa des­truc­tor), logo o dis­túr­bio do co­lapso das co­ló­nias pro­vo­cado pelo fungo Nosema ce­ra­nae, agora a vespa-asiá­tica… Todas elas es­pé­cies exóticas!

"o ritmo de alterações nas últimas décadas é tal, que os processos evolutivos não conseguem acompanhar as mudanças, tendo como resultado extinções em massa e, em definitivo, um empobrecimento da biodiversidade"

Com cer­teza, as bi­oin­va­sões cons­ti­tuem um dos mai­o­res rep­tos am­bi­en­tais à es­cala pla­ne­tá­ria. E se bem é certo que exis­tem me­ca­nis­mos da se­le­ção na­tu­ral que per­mi­tem aos se­res vi­vos uma adap­ta­ção a es­tas mu­dan­ças am­bi­en­tais (p. ex. as abe­lhas asiá­ti­cas são ca­pa­zes de se de­fen­de­rem de forma na­tu­ral das “ve­lu­ti­nas”), o ritmo de al­te­ra­ções nas úl­ti­mas dé­ca­das é tal, que os pro­ces­sos evo­lu­ti­vos não con­se­guem acom­pa­nhar as mu­dan­ças, tendo como re­sul­tado ex­tin­ções em massa e, em de­fi­ni­tivo, um em­po­bre­ci­mento da biodiversidade.

Há uns 300 mi­lhões de anos, du­rante o fi­nal da era Paleozoica, o mo­vi­mento das pla­cas tec­tó­ni­cas agru­pou num único con­ti­nente a maior parte das ter­ras emer­gi­das, um con­ti­nente ba­ti­zado pe­los geó­lo­gos de Pangeia. Pois bem, este mundo em que os mo­der­nos meios de trans­porte co­mu­ni­cam em bre­ves es­pa­ços de tempo qual­quer ponto do Planeta e as mer­ca­do­rias cir­cu­lam com uma in­ten­si­dade nunca dan­tes vista, está-se a con­ver­ter numa Neopangeia, um me­ga­con­ti­nente em que as ter­ras, até há pouco se­pa­ra­das por ma­res e oce­a­nos, se en­con­tram agora li­ga­das por uma sorte de pon­tes mó­veis e con­tí­nuas. Vivemos em uma nova época ge­o­ló­gica, a que o bió­logo norte-ame­ri­cano Eugene F. Stoermer de­no­mi­nou Antropocénico, um tempo ca­rac­te­ri­zado pela bi­o­glo­ba­li­za­ção e pe­las trans­for­ma­ções drás­ti­cas nos ecos­sis­te­mas pro­ta­go­ni­za­das por uma única es­pé­cie, o Homo sa­pi­ens… ou não tanto! 

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